17/05/2017

JOÃO ALBUQUERQUE

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O futuro da Europa: existe um 
caminho político à esquerda?

No decorrer dos últimos anos, mas sobretudo durante as últimas semanas, várias têm sido as interrogações que se têm levantado relativamente quanto à situação dos partidos socialistas e sociais-democratas na Europa. Esta não tão inocente preocupação, que se estende a uma interrogação legítima sobre a relevância eleitoral da esquerda por todo o continente, tem sido levantada muito frequentemente por comentadores, analistas ou meios de comunicação ligados à direita nacional ou europeia. Tal como no passado, na repetição incessante de uma narrativa, cria-se a ideia de decadência da esquerda e dos partidos socialistas na Europa. Olhando para alguns destes resultados mais recentes, o cenário político pode, até, apontar para vários países onde os partidos tradicionais de centro esquerda enfrentam um momento de distanciamento do eleitorado. Mas, até que ponto é que este será o panorama generalizado na Europa? Indo mais fundo nesta questão, até que ponto é que esta decadência não é transversal às estruturas partidárias tradicionais de forma transversal? Ou, ainda, até que ponto é que os partidos de centro direita e direita se mantêm, ainda, fiéis aos seus princípios ideológicos identitários?

Olhando para o panorama político atual, na Europa a 28 – pelo menos por mais dois anos – facilmente remetemos à Grécia e ao Pasok a primeira forte crise de um partido socialista europeu. Voltando, mais tarde, às causas deste fenómeno, facilmente se identifica a crise seguinte em Espanha, com a incapacidade do PSOE em alcançar um resultado que lhe permitisse formar Governo. Seguiu-se a Itália pós-referendo, com a demissão de Renzi do Governo e do Partido Democrático, que levou à saída de vários dos seus membros. Mais recentemente, os resultados do Partido Trabalhista holandês, que obteve apenas 5,7% dos votos, e do Partido Socialista francês, que se quedou nuns desapontantes 6,5%, e as estimativas eleitorais apontadas ao Partido Trabalhista do Reino Unido, voltam a evidenciar uma crise nos partidos socialistas europeus. A estes casos juntam-se a situação da Hungria e da Polónia, em que a esquerda se encontra bastante afastada das preferências dos eleitores dos dois países. No entanto, para se ter um cenário mais alargado da prevalência de Governos socialistas e sociais-democratas no Conselho Europeu, importa referir que, neste momento, a relação existente é de 9 para o EPP, 7 para o S&D, 6 para o ALDE e 1 para GUE e ECR, com governos de esquerda em Portugal, Itália, Suécia, Malta, Roménia, Eslováquia, Republica Checa e Grécia. A estes governos, juntam-se os estados onde partidos socialistas se encontram coligados no Governo, como é o caso da Áustria ou da Estónia.

O primeiro ponto que parece saltar à vista sobre o comportamento dos partidos socialistas na Europa remonta, ainda, à década de 90 e início de 2000, com a introdução da Terceira Via na visão política destes partidos. Esta procura de adequação ideológica da esquerda à ascensão do neoliberalismo na Europa e a sua apropriação ideológica dos partidos de centro direita, de matriz democrata-cristã. Deste movimento neoliberal, que teve o seu apogeu nos anos 80 e início dos anos 90, resultou uma divisão ideológica à direita que conduziu estes partidos a abraçarem esta nova visão económica e política e que, mais tarde, daria lugar à entrada em cena, ou afirmação eleitoral, de partidos abertamente liberais. Assim, no confronto político, os partidos socialistas, abraçando a Terceira Via, provocaram um desvio identitário ideológico que resultou, posteriormente, num afastamento do seu eleitorado tradicional e o triunfo dos partidos de direita e centro direita. Numa avaliação global, a penalização eleitoral sofrida por estes partidos tem sido particularmente forte nos tempos que correm, tendo estes verificado drásticas quedas eleitorais.

Num segundo grupo, encontram-se alguns partidos que se mantiveram e mantêm, até certa medida, fechados numa visão imune ao que é o mundo globalizado. Este fechamento implica, em múltiplas ocasiões, um comportamento isolacionista, de não cooperação ou capacidade de compromisso e que tende a adotar uma postura antiglobalização. Esta visão mais radicalizada dentro da esquerda tem, em certos aspetos, efeitos nefastos e, até, contraditórios com o espírito internacionalista do socialismo e da social democracia. Ao rejeitar a transformação ocorrida e o contexto atual, revela-se incapaz de conquistar o eleitorado pela consequente desadequação das propostas que apresenta.

O terceiro ponto é externo aos partidos socialistas e sociais democratas europeus. A transformação ideológica não ocorreu, durante as últimas décadas, apenas nos tradicionais partidos de esquerda; ela ocorreu, igualmente, no espectro ideológico da direita. Os tradicionais partidos de centro direita, de matriz democrata-cristã, foram invadidos por duas correntes e movimentos que transfiguraram de forma profunda as suas configurações matriciais. Por um lado, estes partidos foram invadidos pelas correntes neoliberais, que puseram em causa o acordo comum entre centro-esquerda e centro-direita na manutenção e defesa dum modelo de Estado-social. Por outro, as correntes populistas e neofascistas europeias, ao ganharem um espaço cada vez maior no panorama político europeu, arrastaram, lentamente, os partidos de centro-direita a integrar e adotar no seu discurso algumas das ideias provenientes dos partidos de extrema-direita. Isto significou que, em grande parte, o discurso populista e de ódio que tem invadido a retórica política tem causado tremendas dificuldades a ambos os partidos de centro-esquerda e centro-direita, levando a uma necessária readequação das narrativas a utilizar de ambos os lados. Caberá, sobretudo, aos partidos de centro-direita encontrar o ponto de equilíbrio entre o que consideram ser as suas linhas identitárias e aquilo que estão dispostos a adotar dos partidos do seu extremo, que os têm vindo a ameaçar eleitoralmente um pouco por (quase) toda a Europa.

Adicionalmente, igualmente como ameaça transversal a ambos os partidos, pairam os movimentos “antissistema”, “anti partidários” e “anti ideológicos”, que podem igualmente ser considerados como apartidários ou “aideológicos”. A França e os EUA são, para já, os casos mais paradigmáticos deste exemplo, em que candidatos aparentemente – e SÓ aparentemente antissistema – ganharam expressão eleitoral suficiente para porem em causa a predominância dos partidos mais tradicionais. Com um discurso fortemente demagógico, e com uma clara e propositada retórica ideológica ambígua, estes movimentos assentam, contudo, na prossecução de uma política de inclinação claramente neoliberal, que parecem perpetuar o sistema contra o qual se pretendem apresentar.

O último ponto é aquele que poderá indicar um caminho para a atual esquerda europeia. A atual solução governativa em Portugal adveio de um contexto muito particular, que permitiu juntar as forças da esquerda num acordo parlamentar que se baseou sobre a necessidade de rejeitar um caminho que seria o de continuação de políticas de austeridade. Mas, este acordo não é simplesmente um de rejeição; é, sobretudo, um de construção de uma alternativa e de um modelo de sociedade radicalmente diferente daquele que vinha a ser seguido na governação anterior. Na atual configuração governamental, o Partido Socialista tem tido a capacidade de aplicar o seu programa, liderando o processo transformativo que se propôs a levar a cabo. Mas, este processo é o resultado de uma contínua necessidade de negociação e convergência com os partidos à sua esquerda. A importância de Bloco de Esquerda e CDU neste processo é a de garantir que as aspirações e expectativas de cerca de um milhão de eleitores são cumpridas, provocando alterações necessárias às propostas do partido do Governo. Esta solução tem sido conduzida com os resultados positivos que se conhecem e parecem ser a prova de que a própria matriz dos partidos sociais democratas permite uma transformação efetiva e positiva da sociedade e da economia de um determinado país. No fundo, o caminho percorrido tem sido o de compreender com grande perspicácia o contexto e a realidade em que nos inserimos, respeitando a visão europeísta que sempre orientou o PS português, mas procurando transformá-la e reformá-la de forma a melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Atendendo, naturalmente, às diferenças conhecidas nos diversos países, pode ser este o ponto em que reside a chave para um eventual caminho a seguir pelos partidos europeus de esquerda. Ao criarem as condições para entendimentos e processos de convergência no que é, efetivamente, comum, estes partidos aumentam a sua capacidade de transformação a nível nacional, mas também contribuem para uma transformação do atual modelo neoliberal europeu. Como resultado, estes partidos vêm esta aposta traduzida numa maior expressão eleitoral e confiança dos eleitores, revelando-se capazes de capitalizar a ampla expressão política de esquerda, não excluindo nenhum grupo à partida. É ao trabalharem de forma ativa na reforma do sistema existente, para o melhorar e para criar condições de maior igualdade e justiça sociais, que estes partidos podem encontrar a capacidade de, por um lado, manterem a lealdade aos seus princípios e, por outro, cumprirem aquele que é o seu desígnio, a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

* Presidente da YES–Young European Socialists

IN "GERINGONÇA"
16/05/17

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