04/05/2017

INÊS CARDOSO

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O tamanho do telemóvel

"Se roubarem os livros a um miúdo, ninguém vem à escola. Se lhe roubarem o telemóvel, aparece logo o pai ou a mãe." O comentário é de uma professora do 2.º Ciclo. De miúdos com 10, 11, 12 anos, habituada a discutir cada vez mais o assunto com os encarregados de educação. Muitos admitem que para os filhos o telefone é um vício, a companhia com quem conseguem passar o dia fechados no quarto. Mas intervir ou tirá-lo está fora de questão. Que adolescente sobrevive, hoje, sem um telemóvel?

O alarmismo com o jogo da Baleia Azul é exagerado e não deve dar-se ao fenómeno uma dimensão que ele não tem. Os níveis de risco, violência e comportamentos autodestrutivos revelados pelo jogo têm, contudo, o poder de desencadear uma reflexão necessária sobre os comportamentos dos mais novos e a forma de se relacionarem em rede. O que está em causa não é a transgressão e a necessidade de aceitação pelo grupo, que sempre existiram. É a forma como as dúvidas e angústias próprias da idade são vividas de forma mais solitária. Desabafa-se cada vez mais facilmente para um ecrã do que para um amigo em presença.

Entre os investigadores que teorizam sobre os novos dispositivos de comunicação, surgem duas visões opostas. Há quem considere a tecnologia intrinsecamente positiva por potenciar o conhecimento e o democratizar. E há quem a diabolize, lembrando os novos riscos para a privacidade, segurança e relação com o outro. Algures no meio estará a virtude, mas é inequívoco que há alterações e reconhecê-las é o primeiro passo para as controlarmos, antes que elas nos controlem.

A Internet e os aparelhos eletrónicos acarretam um risco elevado de dependência e não é por acaso que já existem, no Serviço Nacional de Saúde, consultas e serviços especializados no tratamento de jovens considerados viciados. E motivam a exploração de redes, aplicações e programas para os quais os pais não estão, muitas vezes, preparados. As novas gerações estão quase sempre um passo à frente. É difícil acompanhá-las na sua constante mobilidade e agilidade tecnológica.

O que nem todos os pais percebem é que os filhos não estão mais seguros por estarem fechados no quarto. Podem, pelo contrário, estar mais expostos a um mundo paralelo e virtual com desafios perigosos. Um telemóvel pode ser uma arma. Tanto mais perigosa por parecer inofensiva. Como pais, compete-nos retirá-lo do centro dos dias e reduzi-lo ao papel de ator secundário.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
01/05/17

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