12/04/2017

ROSÁRIO GAMBOA

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O clamor da Terra

No sábado passado, em Mocoa, na Colômbia, enquanto muitos dormiam, a terra deslizou numa corrente de lama, invadindo 17 bairros pobres da cidade; atrás de si sobrou a morte e a desolação, a perplexidade e o medo.

Tal como em 70% de ocorrências mundiais anteriores, as montanhas da região amazónica que rodeiam Mocoa são zonas de forte desflorestação com impacto direto na erosão dos solos e no clima.

Recordo-me do fumo dos incêndios em Manaus, do cheiro que a humidade intensa solidifica e traz no ar o grito do abate contínuo de milhares de hectares noutro pedaço da selva amazónica. No seu lugar nascerão fazendas de gado, extensões sem fim de uma indústria, por si mesma, altamente poluente.

A Cruz Vermelha estima que cerca de 25 milhões de pessoas podem ser consideradas refugiados ambientais. E o fenómeno é crescente: só em 2015, perto de 19 milhões de pessoas foram deslocadas devido a fenómenos climatéricos (ACNUR). Os impactos negativos do El Niño afetaram 60 milhões de pessoas (agência para a agricultura e alimentação da ONU).

Há uma correlação estatística entre migrações e a degradação ambiental (desertificação, subida da água do mar, degelo...) como há entre migrações e guerra porque ambas são filhas da dor e da fome. Que o digam o rosto das crianças do Sudão do Sul, as mulheres com os filhos ao colo nos barcos da morte que atravessam o Mediterrâneo.

A causa mais política e profunda que marca o nosso tempo - porque sistémica nas suas dimensões, global e total nos seus efeitos - é a causa da sustentabilidade ambiental, social, humana. Nada lhe é alheio: a irracionalidade dos modelos mundiais de desenvolvimento, as disfunções da economia e dos mercados, a vida e a miséria.

Encontro em Francisco a palavra unitária, inteira e humana onde esta consciência se expressa. "A análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos e da relação de cada pessoa consigo mesma" (Encíclica Laudato si). Ao arrepio do "paradigma tecnocrático dominante", Francisco denuncia os crimes ambientais, a mercantilização de recursos básicos como água, a "dívida ecológica" dos países poluidores para com os lugares mais pobres da Terra. Os problemas não se resolverão por "novas aplicações técnicas, sem considerações éticas nem mudanças de fundo", mas através de "um olhar diferente, uma política, um programa educativo, um estilo de vida" capaz de "ouvir tanto o clamor da Terra como o clamor dos pobres".

*PRESIDENTE DO POLITÉCNICO DO PORTO

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
07/04/17

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