11/04/2017

RAUL VAZ

.







"Ó sr. ministro, não se iniba"

Como português, confesso que senti vergonha. Ouvir o enfatuado presidente do Eurogrupo, que há dias proferiu a idiotice de catalogar a Europa do Sul de gente que só sabe gostar de copos e mulheres, a dizer a frase assassina – "Esperava que o colega português pedisse a minha demissão, mas ele não o fez" – só pode envergonhar.

Sobretudo depois de António Costa, o PS e a geringonça "latu sensu" terem passado três dias a reclamar a demissão de Jeroen Dijsselbloem. Para, no final, meterem a viola no saco, oferecendo de bandeja ao holandês a chance de ainda gozar o pagode.

Perante a idiotice de Dijsselbloem, o Governo português tinha duas hipóteses: uma era desvalorizá-lo e fazer o que se faz aos putos malcriados, chamar-lhe grosso e recomendar-lhe que olhe melhor para os gostos da Europa do Norte; a outra era falar de cima para baixo e exigir a sua demissão. António Costa escolheu a segunda e, pondo-se nessa posição, só tinha uma saída: enviar o seu ministro das Finanças à primeira reunião do Eurogrupo pós-idiotice do presidente da instituição e, formalmente, dizer à mesa que o homem não tinha condições para continuar.

Mas como Mário Centeno não é (cada vez se percebe isso melhor) alma gémea de António Costa e sofre com os golpes de rins do primeiro-ministro politicão, qual foi o resultado da ameaça da valentona geringonça? Simples. O ministro das Finanças não foi à reunião do Eurogrupo e fez-se representar por um secretário de Estado (Cavaco chamava-lhes ajudantes), Mourinho Félix, que sussurrou umas coisas ao holandês nos corredores para as televisões verem mas, lá dentro, na reunião dos ministros das Finanças, bico calado. Esqueceu-se de exigir a demissão de Dijsselbloem.

A entrevista do presidente do Eurogrupo ao jornal holandês De Volkskrant distingue o chico-esperto do exercício da competência. O que diferencia o holandês irritante do português habilidoso está na forma como ambos escolheram o confronto.

Dijsselbloem estava lá, no primeiro encontro depois de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e meio mundo que corre atrás da chave do euromilhões terem exigido a sua demissão. Portugal não. Jogou na falta de frontalidade. Ricardo Mourinho Félix é, seria sempre neste contexto, uma personagem bufa numa ópera falsa.

Eis o caldo para o Norte (mais uma vez) tourear o Sul. O senhor Schäuble mostrou-se maçado com "o ruído à volta da questão", e o Sul meteu o rabinho entre as pernas, amansado. Como português, incomodam-me os políticos do toca e foge. E aguardo para ver o desfecho do convite que, segundo António Costa pôs a correr, Mário Centeno terá tido para suceder ao holandês.

Se a Alemanha não mudar com as eleições que aí vêm, Costa bem pode meter a viola no saco. O episódio dos copos e mulheres (e a falta de solidariedade que outros países do Sul mostraram para com Portugal, quando ninguém pediu a demissão do autor da idiotice) só complicou a vida a Centeno. E fugir de dar a cara no local e na hora certa não é bonito.

Desta vez, sim. Valia a pena o primeiro-ministro ter dito ao ministro das Finanças o que lhe disse na conferência de imprensa sobre a venda do Novo Banco em que Centeno, constrangido, teve de se solidarizar com o spin costista que garante não haver custos para os contribuintes. "Ó senhor ministro, não se iniba!" foi a frase de Costa. Centeno sorri. Até um dia. 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
11/04/17

.

Sem comentários:

Enviar um comentário