29/04/2017

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ESTA SEMANA NA
"VISÃO"

Ainda há escravos em Portugal

Mais de 1100 pessoas foram traficadas, em Portugal, entre 2008 e 2014. Um quarto era de origem portuguesa

Ao todo, em seis anos, foram sinalizados (uns confirmados, outros apenas sinalizados) 1 110 escravos em Portugal. Mil cento e dez.
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O número não foi constante, ao longo dos anos. 2008 foi um ano mau, com 195 casos sinalizados. Mas os piores foram, claramente, os anos da crise, tendo atingido os 308 casos sinalizados em 2013, prova de que, como veremos à frente, a vulnerabilidade das vitimas se deve, sobretudo, às condições de pobreza extrema e de marginalidade social.

No estudo do Observatório da Emigração, divulgado esta tarde, não se fala de escravos e tenta evitar-se o termo vítima. A sua coordenadora prefere o termo "pessoas traficadas". E as sinalizadas em Portugal entre 2008 e 2014 são, na sua maioria, de sexo feminino (59%). Três quartos não são de nacionalidade portuguesa. Apesar de sinalizados em Portugal, três quartos das pessoas traficadas é estrangeira (71% é de origem europeia, sobretudo romenos, 22% vêm da América do Sul e 7% do continente africano).

E razão para isto tudo? Contrariando as estatísticas europeias, onde 60 a 69% das vítimas é traficada sobretudo para exploração sexual e só depois para exploração laboral, em Portugal a principal forma de exploração é a laboral (43%). Só depois surge, representando 39% da forma de exploração, a exploração sexual.

TRAFICADOS, MAS PORTUGUESES 
Entre estes 1 110 escravos do século XXI, cerca de um quarto (269) era de origem portuguesa. Fugindo à regra do todo, entre as pessoas traficadas de origem portuguesa imperam os homens, traficados para fins laborais, em território nacional (109) ou no estrangeiro (160). "A produção espanhola de vinha constitui um dos principais lugares de exploração laboral dos cidadãos portugueses", é referido no estudo coordenado por Mara Clemente, do Instituto Universitário de Lisboa.

São, de acordo com a experiência da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, citada pelo estudo, "muitas vezes sem abrigo, alcoólicos ou ex-alcoólicos, toxicodependentes ou ex-toxicodependentes. Normalmente são analfabetas ou têm um nível básico de alfabetização." É ainda referida a "ausência de uma estrutura familiar de referência". São, portanto, pessoas que "não têm nada a perder" e sobre as quais se torna mais fácil aplicar "estratégias de poder e controle físico e psicológico baseadas na coação e na violência, incluindo a sexual".

O modus operandi, conforme relatado no documento, com base em entrevistas realizadas a agentes da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, é relativamente simples: "As pessoas são muitas vezes aliciadas e seduzidas com a ideia de um trabalho que lhes permitirá ganhar 30-40 euros por dia, com refeições e alojamento incluídos. Estes começam a viagem numa camioneta e muitas vezes chegam a Espanha depois de uma paragem em território nacional. Desde logo, muitas pessoas são espancadas, coagidas e fechadas a chave durante a noite, experimentando condições "miseráveis e desumanas", como a de se alimentar com os restos de refeições dos seus traficantes."

Mas esta experiência não ocorre só lá fora. Muitas vezes, terminado o trabalho (que tem duração variável, podendo ir de um a três meses, às vezes ultrapassando um ano, chegando outra a décadas) as pessoas traficadas podem ser reencaminhadas de novo para Portugal. Não poucas vezes, refere-se, são vendidas ou trocadas entre traficantes-exploradores.

Apesar de, em Portugal, se ter dado início, na última década, à construção de um sistema de prevenção e combate ao tráfico de seres humanos e de existirem algumas histórias de sucesso, ainda existe uma "representação limitada da dimensão do fenómeno", sobretudo "dada a relutância das pessoas em participar às autoridades as experiências vividas" e a "falta de consciência do crime por parte das pessoas traficadas".

Para que não haja dúvidas, aqui fica a definição de Tráfico de seres humanos, tal como aparece no estudo:

"De acordo com a legislação portuguesa, considera-se tráfico de seres humanos todo o ato de “oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgão ou a exploração de outras atividades criminosas: a) por meio de violência, rapto ou ameaça grave; b) através de ardil ou manobra fraudulenta; c) com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar; d) aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; ou e) mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima” (artigo 160º do Código Penal, alterado pela Lei nº 60/2013, de 23 de agosto)."

* E a escravatura de salários de miséria, e a escravatura da desigualdade de género, e a escravatura da homofobia, e a escravatura do assédio sexual, e a escravatura da religião, e que mais escravaturas?


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