ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
"VISÃO"
Não ao soutien!
Contra o preconceito
e a sexualização das mamas
Há cada vez mais adeptas da moda de andar sem soutien. A seu favor, a ciência anui que a opção deve depender apenas do conforto – e gosto – de cada mulher
Angelina Jolie ia formosa e nada insegura ao encontro com o arcebispo de
Canterbury, que no final só teve palavras bonitas – mas do que mais se
falou foi de a atriz e embaixadora das Nações Unidas se ter apresentado
sem soutien. A atriz já tinha ousado o feito, em setembro, durante uma
visita a um campo de refugiados, mas desta vez, por ser com quem era, o
caso tornou-se viral.
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FREE THE NIPPLE |
Mantendo-se longe da polémica, o arcebispo Justin Welby limitou-se a
tweetar um agradecimento pela visita.
“É um privilégio receber a
enviada especial das Nações Unidas para os Refugiados”, escreveu Justin
Welby. Mas assim que as imagens da conversa foram partilhadas pelo
religioso, os comentários não demoraram: “Que vergonha, ela precisa de
um soutien!”, repetiu-se, aqui e ali.
Entretanto, já se
reacendera o movimento Free the Nipple, nome dado pela brasileira Lina
Esco ao documentário de protesto contra a proibição de fazer topless na
praia, ao mesmo tempo que se reavivava a guerra contra o soutien: há
três anos, uma série de mulheres, em várias zonas do mundo, vieram a
público defender que os seios masculinos e femininos deviam ter o mesmo
direito de exibição pública. Por cá, também já há adesões. Veja-se o
manifesto que a atriz Jessica Athayde escreveu sobre o direito à
exposição do corpo de uns e outros: “Porque é que o mamilo da mulher é
uma ameaça e o do homem não?” Na recente ModaLisboa, o protesto subiu
mesmo à passarela pela mão da estilista Micaela Sapinho, que coseu
botões em forma de mamilos numas calças jardineiras.
Esta
corrente começou quando uma adolescente americana, Kaitlyn Juvik,
decidiu ir para a escola sem soutien e foi chamada à atenção pelo
diretor. Comentou o desconforto que sentiu com os amigos, no Snapchat e,
em dias, multiplicaram-se as adolescentes que, naquele verão de 2014,
foram para a escola só de t-shirt. Seguiram-se mais de 7 mil fotos
naquela rede.
O regresso da moda dos anos 70 também veio ajudar a
causa. Em pouco tempo, todos se lembraram da agitação de 1968, quando,
durante um protesto contra os concursos da Miss America, o soutien ficou
debaixo de fogo. A queima propriamente dita nunca aconteceu, mas a
atitude foi incendiária: no chão, amontoaram-se espartilhos, cintas,
soutiens e outros ditos instrumentos de tortura. Desde então, a peça
nunca mais foi vista da mesma maneira. Hoje, entre as adeptas da nova
moda contam-se as atrizes Miley Cyrus e Miranda Kerr, a cantora Rihanna e
a manequim Kendal Jenner – e desta vez sem referências a soutiens
queimados na praça pública. No tempo das redes sociais, o protesto
contra a sexualização do peito feminino fez-se sobretudo sentir pela
replicação de imagens de mamilos cuja origem é indecifrável, o que
confunde os algoritmos, proibidos de publicar mamas destapadas, mas
apenas as de mulheres. E, neste contexto, não há atenuante nem para
tapa-mamilos (essa espécie de adesivo que evita saliências indesejadas
na roupa, quando não se usa soutien...). Aliás, não demorou a que
inventassem os Tata Top, ou seja, partes de cima de biquínis com mamilos
desenhados.
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FREE THE NIPPLE |
Recuar um bocadinho no tempo também pode ajudar a
explicar esta contestação. Inventado no início do século XX, o soutien é
uma evolução do espartilho que as mulheres usavam desde os anos 1500.
Inventado e patenteado por Mary Phelps Jacob em 1914, generalizou-se
rapidamente com o advento da Primeira Guerra Mundial, que exigia às
mulheres destreza de movimentos – mas acabou por servir tanto para
aconchegar os seios como para disfarçá-los ou evidenciá-los, de acordo
com os padrões de beleza de cada época.
E a saúde, senhoras?
Um
dos argumentos para o uso do soutien é este ser uma necessidade para a
saúde do peito – mas até isso pode ser exagerado. Essa é a opinião de
Jean-Denis Rouillon, professor de medicina desportiva na Universidade
Franche-Comté, em França: depois de 15 anos a analisar os seus efeitos,
verificou que as voluntárias do estudo ficaram, ao contrário do que se
esperava, com o peito mais forte e elevado. “Os seios fortalecem-se
quando não se usa soutien porque isso obriga o músculo em volta a
desenvolver-se”, defendeu, à BBC. A polémica obrigou-o a assumir que o
grupo de voluntárias, só de jovens, poderia não ser representativo.
Agora vai prosseguir a investigação com mulheres mais velhas.
Fernanda
Águas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, insiste que
cada caso é um caso. “O soutien pode contribuir para a saúde se for
adequado à mama e proporcionar conforto e bem-estar.” O que quer dizer
que, se o tamanho for médio ou grande, beneficia de sustentação, para
não causar alterações na coluna vertebral nem gerar dores a nível
dorsal. Há ainda avisos para quem se socorre do soutien, de tamanho
inadequado, para fazer o peito parecer maior. Assinale-se que o soutien
não serve para evitar que o peito descaia, remata aquela médica: “A
flacidez mamária tem mais a ver com o envelhecimento.”
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Ficamos a
pensar que o conceito e o preconceito estão na (nossa) cabeça.
E que,
se calhar, tal como há cem anos era obsceno verem-se tornozelos, daqui a
mais cem vamos olhar de outra forma para as mamas. Afinal, não incomoda
ninguém ver mamilos de homens, nem despidos nem debaixo da t-shirt,
pois não? E isso, pelo menos nos EUA, também era imoral – e proibido –
até 1936.
As polémicas
Os casos criados em volta
da imagem do mamilo sucedem-se:
É só bacon
- A americana Mandy Pella viu-se
no meio da polémica ao postar
uma
imagem de uma fatia
de bacon com uma protuberância que parecia um
mamilo
Sob folhas de marijuana - A cantora sueca
conhecida como Tove Lo foi mais além, ao baixar
a blusa num concerto,
deixando
à vista as mamas decoradas com folhas de canábis
A rainha da provocação
- Madonna, claro, também veio a público dizer que não percebia porque é
que os mamilos eram considerados provocadores e proibitivos, mas o
rabo, não.
* O pudor é o preservativo dos frustrados moralistas.
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