25/03/2017

CRISTINA CASALINHO

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Investidores e emitentes 
face a face

Após um longo período de queda de taxas de juro, 2017 oferece uma visão diferente do ciclo, apontando na direção da sua elevação pela batuta da Reserva Federal e justificada pela melhoria do ambiente económico global.

A acompanhar esta mudança de sentimento, são cada vez mais visíveis alterações na estrutura dos mercados de capitais. Mudanças regulamentares, inovação tecnológica e alterações no modelo de negócio de bancos e gestores de fundos induziram-nas.

A inovação tecnológica tem sido avassaladora e dispõe-se a mudar a face do mercado. Novas palavras entraram no léxico: "blockchain, principal trading firms", e "direct stream", entre outras. A primeira inovação consiste, simplificadamente, num livro de registo de operações aberto a todos, em que a sua veracidade radica na confiança mútua dos participantes. Uma das plataformas em termos de sistema do "blockchain" é o sistema de suporte à "bitcoin". Como ilustração, com a proliferação desta estrutura, o modelo de emissão de dívida por via de sindicados ou leilões pode ser ultrapassado através da entrada direta de ordens de investidores, eliminando-se potencialmente a existência de serviços centralizados de liquidação e de necessidade de intermediação em leilões e sindicatos. Emitentes, subscritores, reguladores, supervisores, podem ter acesso direto à informação comum na plataforma, com registo automático nos respetivos livros. A Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património (APFIPP) apresentou recentemente uma plataforma assente em tecnologia "blockchain" para a indústria nacional de fundos.

Atualmente, o maior volume de transações no mercado de dívida pública realiza-se no mercado OTC (não organizado de voz). Porém, as transações eletrónicas têm vindo a ganhar terreno, dominando "as principal trading firms" (PTF) esta tendência. Segundo um inquérito realizado pelo Tesouro norte-americano em 2016, 20% dos participantes do mercado/investidores preveem transferir as transações para plataformas eletrónicas este ano. As PTF operam em plataformas eletrónicas e não são reguladas. Porém, podem facilitar maior transparência na formação de preços e maior igualdade de tratamento dos investidores. Ao mesmo tempo que os grandes gestores globais de fundos estão a transferir transações, sobretudo de menor dimensão, para plataformas eletrónicas, os grandes bancos estão a estabelecer plataformas eletrónicas próprias. Deste modo, ambos otimizam os balanços. Enquanto as grandes operações são realizados por "traders", as operações mais pequenas são canalizadas para plataformas eletrónicas, com custos menores; melhorando a rendibilidade deste segmento. Assim, apenas as grandes ordens e os investidores poderão ter acesso aos "traders", os quais completarão a sua oferta de serviços com consultoria. Este movimento, aparentemente, poderá ter ampliado os fenómenos de ausência súbita de liquidez, em que volumes de transação caem abruptamente e o diferencial entre preços de compra e de venda se alarga - interrompendo-se temporariamente a possibilidade de transação de um título ou classe de ativos. Uma das explicações por este movimento será a ausência, nas plataformas eletrónicas, do papel do "trader" de um banco que compra os títulos ao investidor e os mantém no balanço até o mercado estabilizar, atuando deste modo como amortecedor de choques.

A estrutura do mercado de dívida pública move-se crescentemente na direção de maior interação direta entre emitente e investidor final, removendo-se a almofada do intermediário financeiro/banco como amortecedor parcial do risco. Como decorrência, em paralelo com maior transparência de preços, igualdade de tratamento de ordens, e menor custo, poder-se-á observar maior incerteza de preços e maior instabilidade da procura. Pode-se ganhar do lado dos custos de operação, mas poder-se-á perder em termos de previsibilidade e estabilidade do mercado ou igualdade entre investidores na medida em que as almofadas proporcionadas pela intermediação financeira tradicional desaparecem.

* ECONOMISTA

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
23/03/17

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