05/03/2017

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ESTA SEMANA NO 
"DINHEIRO VIVO"

Sara Ahmed
Portugal ocupa um “lugar muito especial”
.no mundo dos vinhos

A presidente do júri regional da Decanter acredita que os produtores têm de dominar melhor a linguagem do negócio para venderem melhor os seus vinhos

Portugal vai investir, neste ano, mais de 10 milhões de euros na promoção internacional dos seus vinhos. Só a ViniPortugal tem 107 ações previstas em 15 mercados, aos quais afeta 6,7 milhões de euros, a que se juntam os orçamentos individuais de cada comissão vitivinícola e das próprias empresas. Sara Ahmed, crítica de vinhos e jurada do Decanter World Wine Awards, não poupa elogios aos vinhos nacionais, mas acredita que o país precisa de tornar a sua cultura gastronómica “mais proeminente” no mundo para ajudar à divulgação do produto, algo que França, Espanha e, sobretudo, Itália fizeram de forma magistral. A autora do blogue The Wine Detective defende, ainda, que “há muito trabalho” a fazer a nível da profissionalização dos produtores, que têm de se tornar pró-ativos na comunicação.
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“Acho que Portugal ocupa um lugar muito especial no mundo dos vinhos. Para mim, tudo se resume à capacidade [dos produtores] de venderem os seus vinhos em mercados de nicho, onde a diferença que trazem é apreciada”, defende. Sara Ahmed é presidente do júri regional para Portugal, nos Decanter World Wine Awards, concurso no qual os vinhos portugueses arrecadaram quase 400 medalhas, sendo 2 Platinum Best in Show, 7 Platinum e 33 Gold. De visita a Portugal, o Dinheiro Vivo encontrou-a no Hotel The Yeatman, cuja diretora de vinhos, Beatriz Machado, também integra o júri.

Sara Ahmed assume-se uma “apaixonada” pelo vinho em geral e pelos portugueses em especial. Depois de uma década a cobrir os vinhos portugueses para o Hugh Johnson’s Pocket Wine Book – foi Sara que conseguiu “desanexar” Portugal de Espanha neste guia que, originalmente, dedicava um mesmo capítulo a ambos os países. Uma 2grande conquista”, reconhece -, criou o seu próprio site na internet, o The Wine Detective: “Portugal é tão dinâmico e há tanta coisa a acontecer que o online é a melhor forma de conseguir cobrir tudo”, diz.

Sobre a crescente notoriedade que os vinhos portugueses têm no mundo, Sara Ahmed acredita que tudo começa em 1986, com a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, já que o acesso aos fundos comunitários criou condições para que o país modernizasse a indústria, permitindo o aparecimento de uma série de produtores independentes. “Acho que isso foi o princípio de tudo. Nessa altura, o foco foi nas adegas, em conseguir os equipamentos necessários para fazer vinhos ‘mais limpos’. Depois começou o trabalho de investimento nas vinhas. Hoje, acho que o que estamos a ver é o resultado da síntese dessas duas apostas: o fabrico do vinho é bom e as pessoas começam a entender as vinhas e o seu potencial. Quem está a obter reconhecimento internacional são produtores confiantes em termos vitivinícolas e de enologia”, defende.

Sara Ahmed cita a nova geração de produtores como Dirk Nieeport, Álvaro Castro ou Luís Pato que, precisamente por não serem vitivinicultores formados, conseguiram “pensar fora da caixa, o que os ajudou a serem mais criativos e a entenderem que o sucesso no mundo dos vinhos depende também da capacidade de olhar para fora e não, apenas, para a sua própria realidade”. Porque não basta fazer vinhos excelentes, é preciso saber vendê-los. “É importante valorizar e ter em grande conta aquilo que se tem, mas é fundamental que se seja capaz de colocar tudo num contexto internacional que é muito competitivo. E, por isso, é preciso conhecer muito bem a linguagem do negócio do vinho. Até pode fazer o melhor vinho do mundo, mas se não for capaz de o vender…”, diz.

Sobre Portugal no contexto internacional, Sara Ahmed defende que a grande distribuição não é a melhor aposta. “O país consegue comportar-se muito bem em pontos de venda de preço baixo, consegue produzir vinhos de entrada de gama muito bons, mas esse não é o melhor posicionamento. Aliás, essa não é a melhor aposta para a maioria dos países produtores porque é um mercado muito sensível ao preço e Portugal não tem a escala necessária”, lembra. E defende a aposta em mercados de nicho. “Esse é o grande objetivo de toda a gente no mundo dos vinhos, ser capaz de produzir algo ligeiramente diferente, conseguir acrescentar-lhe muito valor e tornar o negócio sustentável”, frisa.

E como se chega ao consumidor? “França, Itália e Espanha são países que foram excelentes a exportar a sua cozinha pelo mundo e isso é uma mais-valia imensa. Qualquer cidade tem uma pizaria onde as pessoas pedem um vinho italiano para acompanhar. Foi uma estratégia brilhante.” Portugal tem muito a fazer nesse campo. “Vocês têm no chef Nuno Mendes, em Londres, um enorme apoiante de Portugal e sei que ele adoraria trabalhar com mais produtores portugueses. Mas um dos problemas que ele tem, que eu também notei no negócio do vinho, é uma falta de profissionalismo, uma falta de entendimento dos mercados de exportação, do que é preciso fazer para se estar nos mercados externos ao nível da comunicação e da atitude pró-ativa…. É nestas coisas que eu acho que Portugal precisa de trabalhar muito”, defende.

Sara Ahmed destaca, ainda, o papel do turismo. “Tenho falado com retalhistas independentes que me dizem que as pessoas estão a procurar crescentemente os vinhos portugueses porque estiveram em Portugal. É fundamental reconhecer a importância do turismo para a indústria do vinho e, sobretudo, de ambas trabalharem de mãos dadas porque há aí excelentes sinergias a explorar.”

 “Só se vive uma vez” 

Como é que uma advogada acaba a especializar-se no mundo dos vinhos?
Por paixão.
Fui advogada durante 12 anos, dei o meu melhor e atingi o patamar máximo. Um dia fiz um curso de prova de vinhos e fiquei encantada por este mundo. 

Qual é a sua região favorita em Portugal? 
Essa é difícil (risos). Neste momento diria que me está a dar um imenso prazer descobrir os vinhos do Pico. É uma região com uma história interessantíssima e é fabuloso ver o renascimento das vinhas, com um grande input das novas gerações de produtores de vinho, muito viajados, que conseguem ver o potencial e ajudar a concretizá-lo. Mas tudo muito assente em castas tradicionais e numa forma de produção muito única e autêntica. 

E o seu vinho favorito? 
Se não quisesse pensar muito no assunto, se o vinho está, ou não, pronto a beber, seria um Alvarinho de Monção e Melgaço. Porque sei que aquela casta, naquele local, é uma aposta ganha. Os vinhos são extremamente expressivos, logo de imediato, e podem ser apreciados como tal. Ou podem guardar-se grandes vinhos durante 15 anos que vamos continuar a apreciá-los. 

E um vinho que obrigue a pensar? 
Nesse caso seria, provavelmente um Baga, da Bairrada. Na verdade, trata-se de pensar onde encontramos produtores de vinho dinâmicos e que entendem realmente aquilo que têm, a excelente casta e o terroir? Na Bairrada temos os Baga Friends, que estão a fazer um trabalho brilhante na proteção da casta baga, para não a deixar desaparecer, porque acreditam que podem fazer vinhos tintos fantásticos com ela. Especiais mesmo. 

* A senhora dos vinhos!

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