05/02/2017

MARIA JOÃO PIRES

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O país não precisa 
de mais conhecimento?

O que o país precisa não é de mais “conhecimento”, mas sim de utilizar o conhecimento que tem.
João Miguel Tavares, Público, 27.12.2016

É um pouco estranha a afirmação. Para efeitos desta discussão desviemo-nos por um instante (e confesso que o faço contrariada) da ideia de querermos ou não cidadãos formados, independentemente da utilidade próxima e profissional dessa formação, e foquemo-nos apenas na vantagem mais tangível que a formação pode ter na dimensão económica do próprio e do país.

Se olharmos para a nossa população ativa, usando para o efeito as estatísticas do Eurostat, a afirmação do João Miguel Tavares soa logo incompreensível. Portugal era em 2015 o país em que uma maior fracção da população ativa tinha mínimos de escolaridade. Quase metade da população ativa tinha no máximo o ensino básico.
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É verdade que Portugal tem progredido muitíssimo nos últimos anos tendo caído mais de 20 pontos (de 70% da população ativa com até ao ensino básico em 2006 para 48% em 2015), mas ainda assim não esperem milagres de produtividade e competitividade enquanto a fracção de mão-de-obra muito pouco qualificada for mais do dobro da média da Zona Euro.
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Se esperarmos apenas a renovação de gerações, a convergência com a Europa demorará ainda 15 a 20 anos. Ou seja, se é verdade que alcançamos, grosso modo, a convergência no segmento etário de 18 a 24 anos, estamos longe de conseguir levar essa convergência para o conjunto da população ativa. Uma opção pode ser a inércia, esperarmos sentados que o tempo resolva este défice de qualificações, mas existe a possibilidade de ter uma atitude mais inconformista,  pro-ativa e sensata que é tentar requalificar a nossa população ativa.

Tem razão João Miguel Tavares quando refere as fracas qualificações dos nossos empresários, mas é razoável concluir que isso se decorra do nosso défice global de qualificações. Presumindo que o João Miguel Tavares afasta a hipótese de o Estado retirar a estes empresários os meios de produção, não se percebe porque o JMT recusa por exemplo que a formação de adultos e a certificação de competências sejam ferramentas para atuar sobre as qualificações da população ativa. São instrumentos bem mais concretos que as vacuidades “mais iniciativa privada” e “mais sociedade civil” adiantadas na crónica em que, ironicamente, critica o nosso “grande défice de imaginação”.
Mas existe, pelo menos, uma outra dimensão de enorme relevância. Quando se fala em conhecimento e na sua repercussão económica, fala-se também de investigação, e também aí o défice português é flagrante. Não será coincidência que os países que mais gastam em I&D sejam também os mais desenvolvidos da Europa. Portugal gasta menos de metade que países como a Suécia, Áustria, Dinamarca ou Alemanha.
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Também neste item Portugal fez um progresso que foi revertido nos anos da crise. Se de 2006 a 2009, Portugal teve um período de convergência, desde a crise que a despesa em investigação tem caído lentamente contrariando a tendência europeia de aumento progressivo. Não só estamos distantes como estamos a afastar-nos.
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Dito isto, identificar um problema não é resolvê-lo, mas talvez pudesse ter havido um foco mais interessante para a crónica do JMT que negar algo tão bem documentado e que é tão facilmente demonstrável.

IN "GERINGONÇA"
06/01/17

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