23/01/2017

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Senso d'hoje

MARVÃO PEREIRA
 PROF. DE ECONOMIA USA
“Sem mais investimento,
vamos ficar com infraestruturas
de Terceiro Mundo” 
  


Defende que não foi o investimento público que levou à crise. Mas agravou o défice público? Em quanto?
Nos últimos 20 a 30 anos, parte do financiamento vem da Europa, via quadros comunitários de apoio. E só uma pequena parte de fundos do Orçamento do Estado – em média, é 15% do défice total, foi o número a que chegámos para a participação líquida do setor público. 
Há um multiplicador para medir os efeitos do investimento público na economia?
Sim. E permite-nos dizer que tipos de investimento são mais virtuosos. Tendo em consideração que já houve tanto investimento em estradas, concluímos que os investimentos mais promissores agora são outros.
Quais?
Portos, ferrovias e setor da Saúde. São as três áreas mais promissoras, onde os multiplicadores são maiores. Não só levam a efeitos positivos no produto interno bruto (PIB) mas também, mais importante, como esses efeitos são suficientemente grandes para permitir uma expansão da base fiscal. 
Estamos a fazer os mais promissores? 
Estamos a fazer pouco. E não temos um plano de conjunto que nos permita avançar nessas coisas. 
Um plano de conjunto? 
Um exemplo: quando se começou a pensar no porto de Sines, no Alqueva, no aeroporto de Beja, estava-se a pensar que haveria sinergias de tal maneira que o Alqueva passaria a ser uma fonte de turismo muito grande que justificava o aeroporto de Beja e aí por diante. Uma infraestrutura pode ser muito importante dependendo das outras que tem à volta. Ou seja: o aeroporto de Beja, só por sim, não fazia sentido. Mas se o Alqueva tivesse sido desenvolvido noutra direção, já faria. 
 As análises custo-benefício estavam enviesadas? 
 Estavam mal feitas. 
Lisboa XXI e Portugal 2020 acertam nas áreas que o professor diz serem promissoras, que podem gerar mais retorno a prazo? 
Julgo que acertam. Quando se fala em infraestruturas, se bem que em muitos casos seja importante que ela não se torne num custo líquido para o Estado, podemos defender que é concebível construir por razões estratégicas, de interesse nacional, de soberania, de dignidade humana…
Deu o exemplo da Saúde… 
Sim. Temos de ter bons hospitais mesmo que os hospitais não sejam rentáveis, porque a saúde das pessoas é importante, é um direito fundamental. Portanto, a rentabilidade importa, mas não pode ser a única variável para decidir sobre um projeto. Não estou contra projetos sem rentabilidade. 

Falta um bocadinho. Um exemplo tonto, gosto de os dar para que fique bem claro onde quero chegar: o Mosteiro dos Jerónimos. Eu não conheço nenhuma análise de custo-benefício que tenha sido feita. E tenho a certeza absoluta de que na altura as pessoas ficaram chateadíssimas porque tiveram de o pagar com imensos impostos e tributos. Mas hoje consideramos que é uma coisa maravilhosa de ter. É sempre normal que as gerações que pagam se queixem. Mas o que estamos a fazer aqui, hoje, é deixar património para as gerações vindouras. 
As estradas são os novos Jerónimos? 
São algo de espetacular para quem vier a seguir a nós. Não faz ideia do tempo que demorava ir de Lisboa ao Porto ou ao interior. Há sacrifícios que estamos a fazer, mas vamos conseguir deixar coisas importantes às gerações vindouras. 
Os decisores ao longo de décadas não foram capazes de dizer não a alguns projetos ruinosos. A quais teria dito que não? 
 O TGV. E diria que não à maior parte das subconcessões de autoestradas. Diria que sim, contudo, às Scut [estradas sem custos para o utilizador]. A introdução de portagens foi um negócio feito com uma miopia extraordinária. 
Portugal tem a obrigação de recuperar esses investimentos? 
Totalmente. A infraestrutura existe, deixar aquilo às moscas e em processo de completa degradação é o mesmo que assumir que deitámos aquele dinheiro todo fora. Eu não sei qual a solução, mas penso que as autoridades locais devem saber o que se pode fazer. 
O investimento público atual chega para manter o que já foi realizado?
Sabemos que tem de haver um certo nível mínimo de investimento público para compensar a depreciação do que existe. Julgo que não temos fundos suficientes para manter o que existe com taxas de investimento de 2% do PIB, como acontece. E conseguimos ver já o que isso pode dar no futuro. 
Nos Estados Unidos, com taxas de investimento público de 1% ou 1,5% do PIB, já vemos muitos sítios que mais parecem o Terceiro Mundo, muitos aeroportos e estradas que mais parecem do Terceiro Mundo. É o resultado da deterioração das infraestruturas porque não se investe o suficiente nelas. Em Portugal, as infraestruturas ainda são novas, mas esse problema vai colocar-se se não acordarmos a tempo. Dentro de 10 ou 20 anos, sem mais investimento, teremos infraestruturas de Terceiro Mundo. Tem de se ir mantendo o que já temos, pelo menos isso.

 *Alfredo Marvão Pereira, professor de Economia no College of William and Mary, nos Estados Unidos, acompanha a par e passo o investimento público em Portugal. Diz que o debate está inquinado por preconceitos. Construiu a maior base de dados sobre o tema para contrariar esse problema e poder estudá-lo melhor. Primeira parte da entrevista à margem de um seminário, no qual foi orador, organizado pela Câmara Municipal de Lisboa, a Ordem dos Engenheiros e a União das Associações do Comércio de Lisboa, a 16 de Janeiro.

**ENTREVISTA DE LUÍS REIS RIBEIRO
IN "DINHEIRO VIVO"

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