12/12/2016

SEBASTIÃO BUGALHO

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Larguem o colégio eleitoral

Combater um populista com democracia direta é só atirar gasolina para a fogueira

Donald Trump é o presidente-eleito dos Estados Unidos da América. Este facto continua a deixar muita gente em negação, esquecendo a solidez do sistema político norte-americano – que é o mesmo desde o seu nascimento – e a legitimidade democrática do senhor Trump.

O estado de negação e a legitimidade democrática juntaram-se e deram origem a uma série de protestos contra a eleição de Trump. Hillary Clinton conseguiu mais 2.7 milhões votos populares que Trump, mas Trump venceu no Colégio Eleitoral – um mecanismo que motiva os candidatos presidenciais a fazer campanha em cada Estado norte-americano em vez de se focarem somente nos mais populosos, como o exemplo da Califórnia ou da Flórida.

Em 2000, aconteceu o mesmo a Al Gore, que celebremente teve mais meio milhão de votos populares que George W. Bush, mas foi W. que conseguiu vencer a votação no colégio eleitoral.

 Com a extensa margem de 2.7 milhões de votos acima de Trump, várias vozes se levantaram contra a eleição do magnata. Jill Stein, uma independente, angariou mais de seis milhões de dólares para financiar uma recontagem dos votos. Bernie Sanders, Al Gore (naturalmente) e uma série de dirigentes do Partido Democrata pronunciaram-se pelo fim do Colégio Eleitoral.

É preciso alguma arrogância para vir pôr em causa um sistema político com mais de duzentos anos porque não se gosta de quem ganhou. Eu não gosto, mas defendo que não se deve mexer no sistema. Porquê? Os Estados Unidos da América são a primeira república constitucional do planeta, a única democracia imune, até hoje, a qualquer revolução desde a sua fundação. A sua estabilidade, historicamente colocada em causa com uma Guerra Civil, vem sobrevivendo pelos limites que salvaguardam a democracia: partidos, instituições e sociedade civil.

Se é verdade que Donald Trump não vem institucionalmente de um partido, é verdade que (1) soube contactar com uma franja da sociedade civil que Clinton não conseguiu e que se sente esquecida com a globalização e que (2) as instituições que podem escrutinar a presidência do senhor Trump continuam cá. O Senado, o Congresso e o Supremo Tribunal.

Pensar que a solução para a imprevisibilidade e impreparação de Trump – que não são, de todo, um problema a desconsiderar – será o encerramento de instituições como o Colégio Eleitoral é um erro. Combater um populista eliminando a barreira entre democracia representativa e democracia direta não tem sentido. Seria, aliás, uma ameaça à unidade norte-americana. Um país tão vasto e diverso não poderia ser governado em democracia direta por essas mesmas razões.

A ideia pode agradar muito a Bernie Sanders, que (convém lembrar) tem uma carreira política a bater no partido para o qual se candidatou em 2016, mas porque Sanders sabe que nunca passaria num colégio eleitoral.

O meu ponto não é defender Trump, que, como disse Tom Hanks, só nos pode envergonhar, mas defender um sistema que garantiu estabilidade durante séculos e que é, sobretudo, a melhor garantia de travar o próprio Trump. Uma democracia direta, sem instituições, é o caminho para uma presidência sem escrutínio. Agora imaginem que o senhor Trump ganhava a sua reeleição num cenário desses.

O lado mais cómico é que Trump, como bom populista, também é contra o sistema que o elegeu.
Em 2012, quando Barack Obama foi reeleito contra Mitt Romney, escreveu assim: “Ele perdeu o voto popular por muito, mas ganhou a eleição. Devíamos ter uma revolução neste país!; “A foleirada do colégio eleitoral fez desta nação uma anedota”; “Não podemos deixar que isto aconteça, devíamos marchar contra a capital e parar este embuste. Este país está dividido!”; “Vamos lutar como ao raio e parar esta enorme e nojenta injustiça! O mundo está a rir-se de nós”; Esta eleição é um esquema e uma vergonha. Não somos uma democracia!”.

Era importante que os democratas de 2016 parassem de imitar o senhor Trump de 2012 com tanto primor. A ver se a América continua uma democracia e podemos todos parar de rir.

IN "i"
09/12/16

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