21/11/2016

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HOJE  NO 
"OBSERVADOR" 

Morreu Maria Eugénia Varela Gomes, 
a “mãe coragem” do antifascismo

Ativista durante o Estado Novo, desempenhou um papel social importante na ajuda aos mais carenciados e aos presos políticos. A ousadia valeu-lhe o epíteto de "mãe coragem". Morreu aos 90 anos.

Maria Eugénia Varela Gomes, figura incontornável da resistência antifascista, morreu no domingo aos 90 anos. O velório da “mãe coragem”, como viria a ser conhecida pela solidariedade permanente para com os presos políticos, terá lugar esta segunda-feira, a partir das 14h30, na Basílica da Estrela. O funeral partirá às 10h00 da manhã de terça-feira, para cremação no Alto de S. João.

Sobre ela, Maria Manuela Cruzeiro, autora de várias obras sobre os movimentos de resistência que estiveram na génese da Revolução de Abril, escreveu o seguinte:

Filha de várias gerações de militares, quer por parte da mãe, quer por parte do pai, contrariando o horror à política, cultivado por tradição de família, descobriu por si própria a sua dimensão mais nobre: a preocupação com as pessoas, sobretudo as mais desfavorecidas. 
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Por elas desceu ao inferno dos bairros mais miseráveis de Lisboa, onde os operários vendiam o próprio sangue para pagar a renda da barraca que lhes servia de casa, forçou burocracias, escancarou portas para acompanhar e apoiar doentes e famílias no hospital de Santa Maria, fez seu o quotidiano dos operários qualificados da BP em Cabo Ruivo.” 

Nascida em Évora, a 18 de dezembro de 1925, filha e neta de militares, Maria Eugénia Varela Gomes acabaria por entrar, anos mais tarde, no Instituto de Serviço Social, onde teria como professor o padre Abel Varzim, figura que desempenhou um papel importante na sua vida, como se conta nesta cronologia.

Trabalha como assistente social na fábrica de cortiça da Mundet, no Seixal e, depois, no Bairro da Boavista, em Lisboa, onde viveu de perto a miséria e pobreza dos bairros de lata que ajudavam a desenhar a paisagem da Lisboa dos anos 50.

Em 1951, Maria Eugénia casa com o Capitão João Varela Gomes, também ele uma figura marcante da resistência ao Estado Novo. Cinco anos depois, vai para o Santa Maria, para dirigir o Serviço Social do Hospital. Seria forçada a abandonar o hospital dois anos depois, à custa de um processo disciplinar imposto por motivos políticos.

A intervenção política começa a ganhar mais intensidade quando decide, em 1958, participar ativamente na campanha eleitoral do “General Sem Medo”, Humberto Delgado. A 11 de março de 1959, envolve-se diretamente na Revolta da Sé, uma tentativa de golpe de Estado de forças leais a Delgado que acabaria por ser desmantelada pela PIDE.

Na madrugada de 1 de janeiro de 1962, João Varela Gomes e outros oficiais próximos de Humberto Delgado lideram nova tentativa de golpe de Estado, desta vez com um assalto ao Quartel de Beja. São novamente travados. João Varela Gomes é gravemente ferido, depois de ter sido atingido a tiro quando tentava convencer um oficial do regime a render-se.

Pouco tempo depois, Maria Eugénia seria detida pela PIDE a 6 de janeiro, por alegado envolvimento no golpe de Beja. Votada ao isolamento, sofre todo o tipo de agressões, incluindo tortura de sono. Esteve presa em Caxias até 27 de junho de 1963.

Na entrevista que deu a Maria Manuela Cruzeiro, que seria vertida na biografia Maria Eugénia Varela Gomes: contra ventos e marés, revelou nunca ter condenado o golpe de Beja, mesmo sob a tortura e a coação da PIDE. Se o fizesse teria naturalmente uma pena menos pesada. Em vez disso, “gravou para si a única declaração que faria à PIDE, e repetiu-a as vezes necessárias sem a mínima hesitação: ‘Não participei nem na preparação nem no assalto ao Quartel de Beja, mas estou de alma e coração com o meu marido e os companheiros dele'”.

João Varela Gomes chegou a escrever-lhe a partir da Penitenciária de Lisboa, enquanto estavam os dois encarcerados. “Agradeço-te a tua coragem que sei nunca faltará. Nem a dignidade. São qualidades que fazem parte de ti”.

Dois anos e meio depois, é libertada por falta por falta de provas e de confissões. Em liberdade, funda e empenha-se ativamente na CNSPP (Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e junta-se à Frente Patriótica de Libertação Nacional, integrada numa célula juntamente com Jorge Sampaio e Lopes de Almeida. Cruzar-se-ia com outras importantes figuras da resistência, como Virgínia Moura, Manuel Sertório, Ramos de Almeida, Sérgio Vilarigues e Álvaro Cunhal.

Torna-se uma figura importante no movimento sindicalista. Em 1973, participa na campanha eleitoral para a Assembleia Nacional. No final de um comício, em Lisboa, é brutalmente espancada pela política de choque, à frente da filha mais nova.

Depois do 25 de Abril, trabalha com advogados e membros da CNSPP na libertação dos presos políticos e no apoio aos refugiados políticos. Chegou a assumir que a libertação dos presos de Caxias foi o dia mais feliz da sua vida.

No início de 1976, parte para a Angola para se juntar ao marido, lá exilado depois de ter sido emitido um mandado de captura em seu nome pela participação na tentativa de golpe a 25 de novembro de 1975. Abandona Angola, na sequência do golpe de Nito Alves, e vai para Moçambique, em 1977. Regressariam a Portugal, depois de a Assembleia da República ter aprovado a lei da amnistia.

* Partiu deixando a dignidade com exemplo.


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