A minha amiga búlgara
Eu também tenho uma amiga búlgara.
Chama-se Irina Bokova e é concorrente ao lugar que António Guterres
pretende obter nas Nações Unidas.
Tornei-me
amigo de Irina há quase vinte anos, quando ambos éramos secretários de
Estado dos Assuntos Europeus, nos nossos respetivos governos. Estive em
Sófia a seu convite, tive o gosto de a receber em Lisboa por esse tempo.
Um
dia, o partido de Irina perdeu as eleições na Bulgária e ela abandonou o
governo. Quando mais tarde voltei a Sófia, tendo já outra contraparte
búlgara, pedi ao nosso embaixador para, num jantar na sua residência,
convidar Irina Bokova. Recordo a nota comovida que então deixou, por eu
ter querido permanecer fiel à amizade criada. E ficámos em contacto a
partir de então.
Tempos mais tarde, um
amigo comum, Georgios Papandreou, que viria a ser primeiro-ministro
grego, convidou-nos a ambos para integrar o círculo de reflexão política
que anualmente organizava na Grécia, durante uma semana, o Symi
Symposium. E assim, durante cinco anos, com as nossas famílias,
encontrámo-nos nesses interessantes debates. E vimo--nos, entretanto,
com as nossas famílias, em Nova Iorque, num divertido jantar.
Quando
ainda estava no Brasil, já de partida para Paris, recebi um recado de
Irina. Ela tinha desempenhado as funções de ministra dos Negócios
Estrangeiros do seu país e concorria ao lugar de diretora-geral da
UNESCO. Gostava de ter o apoio português para essa sua pretensão e, com
naturalidade, recorria ao seu amigo português. Fiz as minhas sondagens
em Lisboa, tendo verificado não ser ela o candidato que Portugal iria
apoiar. Disse-lho já em Paris, num jantar que lhe ofereci. Nada mudou
entre nós.
Mesmo sem o voto inicial
português, Irina Bokova foi eleita diretora-geral da UNESCO. Vimo-nos
bastante em Paris por esse tempo, mesmo antes de, por uma suprema
ironia, eu próprio ter sido entretanto nomeado, em acumulação com o
cargo que já desempenhava em França, como delegado português junto da
UNESCO. A última vez que encontrei pessoalmente Irina Bokova foi na
visita de despedida que lhe fiz, em inícios de 2013, em que lhe ofereci
uma peça fotográfica de Jorge Molder, enviada por Portugal para a
coleção artística da organização, numa decisão sob minha insistência que
teve a assinatura do então secretário de Estado da Cultura, Francisco
José Viegas.
Irina Bokova surgiu
entretanto como candidata a secretário-geral da ONU. Portugal tinha o
seu próprio candidato, António Guterres. Que, naturalmente, foi o meu
candidato. Mas nem por isso vou perder essa querida amiga búlgara, de há
muitos anos.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/10/16
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