Táxis uber alles?
Anteontem apanhei um táxi. Conduzia-o um
imigrante de leste, jovem, simpático e correto. Faz aquilo há menos de
um ano, para um patrão com vários carros. Teve de tirar o curso de
habilitação - ou seja, investiu cerca de 500 euros - mas, ao contrário
do que asseveram os representantes dos taxistas ser obrigatório, não tem
contrato. Recebe 35% do valor marcado no taxímetro, dinheiro na mão.
Não passa recibos, não desconta para a Segurança Social nem paga
impostos. E assevera que grande parte dos motoristas estão nas mesmas
circunstâncias.
Não faço ideia se a
última frase é verdadeira. Mas, o que é grave, não creio que alguém
saiba - a começar pelas autoridades. Ou pelo PCP, o partido que neste
processo tem estado mais claramente do lado das reivindicações do setor,
alegando ser a Uber símbolo da economia informal e da desregulação. E
tem razão no que respeita à Uber. Mas e os táxis, como é? Cumprem as
leis? Ninguém diria: biscateiros, faturas passadas apenas a pedido e de
má vontade, carros a cair aos bocados e imundos, condutores
malcheirosos, intoxicados, mal educados, agressivos, ladrões - já se viu
de tudo. E agora, na segunda-feira, um dia inteiro de bloqueio de um
aeroporto e de agressões e insultos em direto. São estes os heróis da
classe operária, sério?
Não; não se
trata, como vi escrito por muita gente estimável, de serem antipáticos e
não se saberem defender - ou, como também li, de pertencerem ao povo,
como se ser do povo significasse ser delinquente, machista e homofóbico.
Trata-se, isso sim, de estarem muito longe de constituir um modelo de
respeito pelos valores que supostamente representam. Haverá no setor
quem cumpre as regras, claro, como há taxistas cordatos, honestos,
asseados e que são os primeiros a desdenhar os que o não são (e a serem
por estes prejudicados). Mas qual será a percentagem de fuga ao fisco? E
de trabalho ao negro? E em que é que isso se distingue, na prática, da
desregulação protagonizada pelas Ubers?
Haver
muitas regras e não serem cumpridas porque ninguém as faz cumprir ou
haver poucas ou nenhumas: nenhuma das opções é aceitável, nenhuma é
justa. O Estado serve para mais do que aprovar leis. Tem de garantir que
são cumpridas. E se por essa razão é escandaloso que o secretário de
Estado da tutela diga (na RTP) que não tem de ter opinião sobre se a
Uber e Cabify estão ilegais "porque isso é com os tribunais", é
igualmente escandaloso que se permita há décadas a desobediência do
setor de táxi às exigências legais, incluindo a do respeito pelos
direitos dos trabalhadores - e dos clientes, que também são gente. O
capitalismo selvagem e a roubalheira devem ser denunciados e combatidos
quer usem boné e unha do dedo mindinho comprida quer não tenham rosto.
Como a violência gratuita e o sexismo devem ser condenados - e punidos -
venham de onde vierem. Sob pena de se concluir que todos os princípios
são instrumentais.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
14/10/16
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