26/09/2016

MARIA JOÃO RIBEIRO

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Assombração socrática

Investigue-se a misteriosa omnipresença de José Sócrates na política atual, nem que para isso se tenham de consumir mais dois anos de compilação de provas.

Os holofotes só apontam numa direção. O mundo quer saber qual é o próximo passo. É culpado, não é culpado? O que pensam as ex-mulheres de toda esta situação? Como ficarão os filhos? Qual será a reação dos jornalistas no decurso do próximo evento social? Os amigos ficarão do seu lado…? Não, não falamos de Brad Pitt e do mediático divórcio do ator com a ‘sex symbol’ Angelina Jolie: referimo-nos a José Sócrates! O ex-secretário de Estado do Ambiente, ex-secretário Geral do Partido Socialista, ex-primeiro-ministro de Portugal, ex-preso 44 do Estabelecimento Prisional de Évora é o “ex-mais-atual” do panorama nacional.

Mesmo afastado do mundo da política e da vida social, Sócrates consegue gerar mais notícias e evocações do que muitos dos políticos no ativo. Podia achar-se que tal facto é trabalhado e desejado pelo mestre em Ciência Política, numa busca por um protagonismo que lhe possa devolver a “face oculta”. Ou que, “armado em Marquês”, tudo esteja a fazer para conseguir mediatização. São, porém, os “outros” que recordam persistentemente José Sócrates, não permitindo que este caia no esquecimento público e ajudando a que este se mantenha um atleta de fundo.

Esta semana a eurodeputada socialista Ana Gomes criticou a presença de José Sócrates num evento institucional do PS e acusou a federação de Lisboa do partido de conivência com as “efabulações” do ex-primeiro-ministro. Uma crítica vinda de tão longe – a eurodeputada encontrava-se na Suécia – faria supor que o evento em questão tivesse um forte impacto na vida do PS: tratava-se de uma conferência organizada pelo Departamento Federativo das Mulheres Socialistas de Lisboa da FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa do PS)!

Não duvidando do furor que Sócrates possa fazer na Universidade de Verão das mulheres socialistas, quantas notícias terá gerado esta insurgência de Ana Gomes? Por seu turno, Carlos Alexandre, o juiz de Mação, deu-se à maçada de, numa entrevista que ainda se apura se podia ou devia dar, referir que o governo de José Sócrates lhe cortou o salário e – da forma indireta mais direta que encontrou – afirmou, numa clara alusão à situação do ex-primeiro-ministro no processo que dirige, que não tem contas bancárias em nome de amigos. Para além de com isto ter permitido que José Sócrates interpusesse um pedido de recusa do juiz de instrução, quantas notícias não se terão criado à conta deste “deslize” do “super juiz”?

Também Fernando Lima, ex-assessor de Cavaco Silva, no livro que lançou recentemente sobre os interstícios da Presidência da República, acusa Sócrates de ter construído uma “poderosa e invisível máquina dos socialistas” para denegrir “quem se atravessasse no caminho”. Ainda que carecendo de comprovação, quantas notícias não terá produzido a incriminação de Lima? Sócrates também não escapou às “Saraivalhices” que, por sinal, já se encontram em promoção nas livrarias antes mesmo de terem sido lançadas e negadas por Passos Coelho, que rogou a António Saraiva que o “desobrigasse” de apresentar o polémico livro.

Depois da permissão dada pelo ex-diretor do Sol, Passos Coelho aproveitou para também relembrar Sócrates no hemiciclo. Desta feita, no decurso do debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento, Passos Coelho comparou António Costa a Sócrates: “Lembro-me o que o seu colega primeiro-ministro de então dizia em 2010 é muito parecido consigo, não demorou muito e estava a propor o aumento dos impostos como os senhores agora fazem, o corte do investimento público, o corte das prestações sociais e o governo seguinte que trate de limpar a casa.”

É caso para dizer que o fantasma de Sócrates marca presença em quase todos os momentos políticos relevantes da atualidade. Será preciso um exorcista para enxotar Sócrates destas presenças? Será que o ex-primeiro-ministro recorreu a serviços com largo espectro de ‘lobbying’? Terá Sócrates, através de amigos, conseguido convencer estes personagens a evocá-lo alto e bom som? Será que estas pessoas foram pagas para falar de Sócrates? Estaremos perante casos de subornos ou luvas? Terá Sócrates direito a ‘royalties’ de cada vez que é recordado? As quantias em questão estarão a ser declaradas ao fisco? Investigue-se a misteriosa omnipresença de José Sócrates na política atual, nem que para isso se tenham de consumir mais dois anos de compilação de provas, para se apurar com exatidão de que rara matéria é feito o ex-primeiro-ministro. Aguardamos o desfecho com expectativa, embora temamos que o resultado da investigação seja de outro mundo.

* Cofundadora da IdeaCan

IN "OJE/JORNAL ECONÓMICO"
23/09/16

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