29/09/2016

HUGO SÉNECA

.




 Twitter: 
140 carateres para 
evitar o desastre

O Twitter tem 313 milhões de utilizadores, mas os investidores não param de olhar para os 1,7 mil milhões de contas do Facebook. Conseguirá Jack Dorsey ser feliz duas vezes mesmo lugar?

No Twitter, há uma dúvida filosófica que não para de ganhar dimensão: como é que um portal dos 140 carateres pode acabar com a limitação dos 140 carateres sem que isso obrigue a deixar de ser… o portal dos 140 carateres? Quem souber a resposta pode poupar aos investidores do portal vários milhões de euros e ainda umas quantas noites mal dormidas a Jack Dorsey, o mítico CEO do Twitter, que se tornou menos mítico depois de um interregno e do regresso à companhia que lhe deu fama.

A própria idade do portal ajuda a compreender a encruzilhada que se perfila: o Twitter tem 10 anos de funcionamento. As borbulhas não tardarão; as hormonas e os sentimentos extremados também. As atitudes ridículas e os comportamentos de risco estão ao virar da esquina. Há dez anos, quando o site tinha a idade de um bebé, os 140 carateres poderiam ser o máximo. E do ponto de vista do marketing eram realmente o máximo – apesar de assentarem numa lógica pouco favorável para o consumidor, que tem como atrativo a limitação da oferta.

Hoje, as coisas não são bem assim, como o próprio Dorsey já terá confirmado ao assinar por baixo as mais recentes mudanças nas regras que permitem que as citações, fotos, animações GIF, ou inquéritos não vão valer para a contagem de carateres. O mundo não vai parar por causa desta mudança e o Twitter também não – mas não restam dúvidas de que o portal dos 140 carateres tem de deixar de ser cada vez mais o portal dos 140 carateres, se não quiser ter uma história de vida que pode ser descrita em apenas… 140 carateres.

As comparações são arrebatadoras: o Facebook, criado em 2004, nunca se deu ao luxo de limitar o ímpeto comunicacional dos utilizadores nem de fazer paralelismos com o número de carateres dos SMS ou dos telexes para enriquecer a mensagem publicitária. Dito de forma resumida e informal: a ideia sempre foi dar liberdade a cada utilizador para se expressar da forma que considere a mais adequada.

Com posts, fotos, vídeos em diferido e em direto, e textos que, por vezes, pecam pelo excesso de eloquência. Há limites, mas incidem sobre o teor das mensagens (pessoas nuas ou mensagens de ódio, entre outros exemplos) mas não de quantidade. Resultado: o Facebook conta com 12% do mercado de publicidade da Internet. Não é um valor que possa ameaçar os 30% da Google, mas pode deixar qualquer diretor do Twitter com complexos de inferioridade sempre que anuncia uma quota de mercado que não vai além de 1,4%.

Nos últimos dois anos, apenas o número de utilizadores continuou a aumentar no Twitter. Num meio de comunicação, o crescimento das audiências é importante – mas não a todo o custo: em quatro trimestres, a empresa perdeu 409 milhões de dólares em vendas. Tem 313 milhões de utilizadores, mas os investidores (e os internautas sempre que precisam de encontrar um amigo na Internet ou querem seguir uma celebridade) não param de olhar para os 1,7 mil milhões de contas do Facebook.
Na Wired, há quem recorde o óbvio: o Twitter que, em tempos, era sinónimo de sofisticação já vale menos que o Snapchat e o Pinterest. Se terá sido a desvalorização dos últimos tempos que pôs os rumores de venda a circular ou se foi pelos rumores de venda circularem que se chegou a esta desvalorização é uma questão que já pouco importa apurar nos tempos que correm. Uma coisa é certa: a cada segundo que passa a tentação de venda aumenta. E a venda, muitas vezes, é a antecâmara do fim de uma marca.

Num artigo publicado na Fox Business, Steve Tobak dá voz ao ímpeto impiedoso do mundo da gestão dos EUA. E sugere mesmo que se mande Dorsey embora: «Tecnicamente, o Twitter é aquilo a que chamamos, na consultoria de gestão de negócios, uma confusão escaldante. Claramente, manter-se o percurso com o CEO Dorsey em part-time (que também gere o sistema de pagamentos móveis Square) não é a solução».

Não restam muitas dúvidas: Jack Dorsey tem de voltar a ser o Jack Dorsey da década passada, que pôs milhões de internautas a acreditar nas virtudes de um serviço que tem numa limitação o principal atrativo, para deixar de ser o Jack Dorsey que Wall Street passou a não gostar. Pelo meio, o portal dos 140 carateres terá de prosseguir o exercício de contrição que o levou a colocar o número máximo de carateres num plano secundário.

Os tempos são diferentes hoje: a largura de banda aumentou; os telemóveis melhoraram; e ninguém quer aturar um tipo com manias de polícia sinaleiro que lhe diz: «não podes usar mais de 140 carateres».

O lançamento do Periscope já havia evidenciado uma mudança. O Twitter já não é só opiniões sucintas e reencaminhamentos para sites com notícias ou acontecimentos recentes. A transmissão em direto de jogos do campeonato de futebol americano (NFL) ajudou a confirmar o portal como um potencial concorrente do florescente negócio do streaming de vídeo. As já referidas exceções aos 140 carateres passaram discretamente, depois de um primeiro anúncio feito em Maio, mas já estão a ser aplicadas. Os posts sucintos tornaram o portal num importante recetáculo de tendências políticas, comerciais e sociais, mas não ajudam a aumentar o tempo que os utilizadores gastam no portal... E se não aumentar rapidamente o período médio de utilização, o Twitter arrisca-se a ficar a dançar sozinho à beira do precipício.


IN "EXAME INFORMÁTICA"
20/09/16

.

Sem comentários:

Enviar um comentário