19/09/2016

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HOJE NO 
"JORNAL DE NEGÓCIOS"

Portugal será o último país da Europa
 com 100% de alfabetização

De acordo com as estimativas, só em 2046 é que será possível afirmar que todos os portugueses sabem, pelo menos, ler e escrever. E, no que respeita à conclusão “total” do ensino secundário, esta só será uma realidade daqui a 70 anos. No seguimento da publicação, pela UNESCO, do primeiro Relatório de Monitorização da Educação Global, que acompanhará os progressos desta no âmbito dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, o VER traça os principais resultados – chocantes, por sinal – de um mundo que não consegue prover nem sequer a educação primária universal, quanto mais a secundária.

Em 1970, países tão diferentes como a Suécia, a Alemanha, a Ucrânia, a Jamaica, a Lituânia ou a República Checa já asseguravam a educação básica ou primária a todos os seus cidadãos. O nosso país só atingirá esta meta em 2046. Sim, leu bem. De acordo com as estimativas, Portugal será o último país da Europa e da Ásia central a atingir a meta da educação primária para todos, estabelecida nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM 2000-2015), com "apenas" 31 anos de atraso. O que significa que só nesta data é que o país poderá garantir que a sua população tenha completado, pelo menos, os primeiros quatro anos de escolaridade obrigatória (de acordo com os últimos Censos de 2011, a taxa de portugueses que não sabe ler nem escrever ascende aos 5,2%, ou a cerca de 500 mil cidadãos).
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Este é apenas um dos preocupantes resultados que figura no Relatório de Monitorização da Educação Global, publicado a 6 de Setembro último pela UNESCO, o organismo responsável pelo primeiro de um conjunto de 15, e que acompanhará os progressos, ou a sua ausência, da Educação integrada nos novos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), muito maiores em número e em ambição face aos seus antecessores.

E se apenas 64 países (cerca de 40%), dos 157 referenciados, atingiram o ODM número 2 – o do ensino primário universal – até 2015, são muitos os que duvidam, e com razões de sobra para tal, que o ODM 4 – a "educação com qualidade", e que inclui a primária e a secundária – seja passível de ser alcançado até 2030, o ano estabelecido para o final destes objectivos adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas há exactamente um ano.

Nesta meta em particular, Portugal ocupa ainda uma posição mais desonrosa, na medida em que as estimativas apontam para que só em 2086 a população portuguesa tenha recebido, na sua totalidade, educação secundária em conjunto com países como o Kuwait, a China ou a Colômbia, e depois de gigantes como a Índia, por exemplo. São 56 anos de atraso (tendo como ano de referência 2030) e que colocam Portugal não muito longe de alguns países de baixo rendimento, como o Nepal ou o Zimbabué, que terão de esperar por 2090 para terem condições de oferecer o ensino secundário a todos os seus habitantes. Sobrarão ainda 11 países, todos eles africanos, que apenas chegarão a estes resultados, e se tudo correr "bem", em 2100. Em termos percentuais, estima-se assim que apenas 8% dos países consigam atingir a meta da educação secundária universal, sendo que mais de 40% só lá chegarão na viragem do novo século. Ou, em termos numéricos, apenas 12 países versus 145 que não atingirão este objectivo.

"Não deixar ninguém para trás" continua(rá) a ser uma gigantesca utopia
Em termos gerais, a comunidade internacional não só falhou em atingir o objectivo afecto à Educação estabelecido nos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, como é mais do improvável que consiga ir ao encontro das novas metas agora estabelecidas nos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável que, só para este "item", o número 4 dos 17 que os integram, definiu sete novos propósitos, sendo que um dos mais importantes consiste em proporcionar "oportunidades de educação ao longo da vida", enquanto o processo que começa no nascimento e se prolongará ao longo dos demais ciclos da vida.

O presente e extenso relatório, denominado GEM, na sigla em inglês (Global Education Monitoring Report), explora as complexas relações existentes entre a educação e as demais facetas do desenvolvimento sustentável, ao mesmo tempo que monitoriza as implicações, progressos ou obstáculos inerentes ao ODS 4. Com uma secção temática que sublinha as evidências, práticas e políticas que demonstram como a educação pode servir como catalisador para o alcançar das 17 metas dos ODS, o relatório integra ainda recomendações concretas para a alteração urgente de políticas, analisando ainda, a nível nacional, regional e internacional, os obstáculos e potenciais sinergias para a sua consecução. Adicionalmente, tanto os sistemas educativos como os de financiamento são igualmente analisados.

De acordo com Irina Bokova, a directora-geral da UNESCO, são três as mensagens cruciais que o relatório pretende transmitir. E com urgência.
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A primeira prende-se exactamente com a necessidade premente de novas abordagens às questões educativas. Se as tendências actuais se mantiverem, apenas 70% das crianças residentes em países de baixo rendimento irão completar o ensino básico até 2030, objectivo que deveria ter sido atingido em 2015.

Como segunda mensagem, Irina Bokova alerta também para que, e se realmente o mundo pretende encarar com seriedade a questão crucial da educação, as acções para ir ao encontro do ODS 4, terão de exigir uma urgência “multiplicada” e um verdadeiro compromisso de longo prazo. A responsável da UNESCO recorda, mais uma vez, que o fracasso em atingir este objectivo não só afectará sobremaneira a educação, mas impedirá igualmente o progresso no que respeita aos demais objectivos: seja na redução da pobreza, na erradicação da fome, na melhoria da saúde, na igualdade de género e empowerment das mulheres, ou na produção e consumo sustentáveis, no aumento da resiliência das cidades e na criação de sociedades mais iguais e inclusivas.

Por último, é fundamental alterar a forma de “pensar a educação” por parte dos decisores nacionais e globais, apostando-se no papel crucial que esta desempenha no bem-estar humano e no desenvolvimento global. Para Bokova, agora e mais do que nunca, a educação acarreta a responsabilidade de promover o estilo “adequado” de competências, atitudes e comportamentos que possam conduzir ao crescimento inclusivo e sustentável.

Todavia, e se todos nós já conhecemos este discurso, o qual parece crescentemente vazio e impraticável, o relatório ajuda a ter uma ideia mais completa do estado de (des)graça da educação global, como se fosse necessário afastarmo-nos de um quadro pintado em tons carregados para melhor perceber os seus contornos.

Assim, e em termos gerais, o mundo acusará, no geral e em média, 50 anos de atraso no atingir dos seus compromissos globais de educação. Se as actuais tendências se mantiverem, a educação primária só estará “terminada” em 2042, a educação secundária (de primeiro nível) em 2059 e a educação secundária (de segundo nível ou 12 anos de escolaridade) em 2084, grupo em que Portugal está incluído. Em média, os países pobres irão atingir a educação primária universal um século mais tarde face aos países ricos.

Os efeitos-cascata da aposta séria na educação
Apesar de estes exercícios de projecção sugerirem que as (sete)metas relacionadas com o ODS relativo à Educação possam não vir a ser alcançadas, o relatório assegura também, numa espécie de “mal menor”, que mesmo os progressos considerados modestos poderão fazer uma enorme diferença no que respeita ao futuro da próxima geração. Assim e para transmitir um quadro menos abstracto de como a expansão da educação contribui para os demais ODS, o GEM analisa igualmente de que forma é que esta pode ajudar a salvar vidas (reduzindo a mortalidade infantil e aumentando a esperança de vida nos adultos), retirar as pessoas e respectivos países das malhas da pobreza (através do crescimento económico dos agregados e da redução das situações de pobreza extrema) ou reduzindo a vulnerabilidade aos desastres naturais, responsáveis pela morte de milhares pessoas todos os anos.

De acordo com o GEM e por exemplo, se a educação secundária completa fosse atingida em 2030, a taxa de mortalidade infantil para crianças com menos de cinco anos, na África subsaariana, passaria de 68 para 54 mortes por cada 1000 nascimentos até 2030, e de 51 para 38 mortes por cada 1000 nascimentos até 2050. Na medida em que a saúde infantil pode beneficiar, e muito, da difusão de práticas e comportamentos mais saudáveis ao nível comunitário (graças à educação), a mortalidade infantil poderia assinalar uma quebra ainda mais significativa do que sugerem estas estimativas.
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Em declarações ao The Guardian, o director do GEM, Aaron Benavot explica que, em particular para as mulheres, só o facto de estas (na África subsaariana) poderem completar o primeiro nível da educação secundária até 2030, poderia traduzir-se na prevenção de 3,5 milhões de mortes de crianças entre 2050 e 2060, pois as mulheres que têm maiores níveis de ensino aprendem a tomar medidas preventivas para proteger os seus filhos. “Elas sabem em que consiste uma dieta mais nutritiva, ao mesmo tempo que têm maiores probabilidades de possuírem competências básicas que lhes permitam encontrar um emprego decente, libertando-as da pobreza e abrindo caminho para um melhor sustento dos seus filhos”, acrescenta ainda.

Por outro lado, a educação tem também a capacidade de estimular o rendimento per capita através do aumento da produtividade laboral e da aceleração do desenvolvimento tecnológico. Nos países de baixo rendimento, a universalização do ensino secundário completo poderia traduzir-se num aumento do rendimento per capita na ordem dos 75% até 2050. Mesmo que o objectivo 4.1 dos ODS – “até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes” – não seja suficiente para eliminar a pobreza até 2030, poderá “acelerar” a sua supressão em 10 anos.

 Adicionalmente, a educação poderá também ajudar a reduzir as mortes relacionadas com desastres de ordem variada, definidos pela ONU como “choques abruptos que afectam os sistemas sociais, económicos e ambientais de uma população e que envolvem perda de vidas e/ou de propriedade”. Na medida em que pessoas com maiores níveis de educação tendem a exibir também uma maior consciência dos riscos a que estão sujeitas, em conjunto com um nível mais elevado de preparação e respostas apropriadas aos mesmos, na eventualidade de a educação secundária universal ser atingida até 2030, entre o período de 2040 e 2050, seriam evitadas entre 10 mil a 20 mil mortes relacionadas com estes tipos de desastres, maioritariamente naturais, comparativamente às 250 mil que ocorreram entre 2000 e 2010 (no caso de a sua frequência se manter constante).

Progresso educativo dependerá – e muito – da aceleração do financiamento
Quem o afirma é Jeffrey D. Sachs, conselheiro especial da ONU para os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, no prefácio do GEM e que considera o presente relatório como “magistral e inquietante” mas e, sobretudo, “angustiante”. O reconhecido economista, autor, professor e director do The Earth Institute, na Columbia University, considera igualmente a educação como o factor-chave que permitirá ao mundo compreender por que motivo o desenvolvimento sustentável consiste num conceito vital para o futuro comum da humanidade.

Elencando os “frutos” diversificados de uma maior aposta na educação, seja ao nível de uma maior prosperidade, de avanços na agricultura, de melhores resultados na saúde, de menores níveis de violência, de maior igualdade de género, em conjunto com um capital social mais elevado e com a melhoria do ambiente natural, Sachs manifesta também o seu profundo descontentamento face aos alargados fossos que continuam a subsistir na educação que temos hoje e nas promessas que a mesma acarreta para 2030. “Os gaps existentes nos níveis de escolaridade entre ricos e pobres, no interior e entre países, são simplesmente chocantes”, escreve, recordando que em muitos países, as crianças pobres enfrentam obstáculos tão intransponíveis que nem sequer podem almejar a uma educação básica, quanto mais a uma educação de qualidade.

Apesar de conseguir compreender os “cínicos” que, de imediato, afirmaram não ser de todo possível atingir o ODS 4, sugerindo, ao invés, uma mera “aceitação da realidade”, Jeffrey Sachs afirma que este tipo de complacência não é apenas irresponsável, como imoral. “Se deixarmos a actual geração jovem sem um ensino adequado, estamos a condená-la – e ao mundo – a uma pobreza futura, a doenças ambientais e a situações de violência social e de instabilidade no decorrer das próximas décadas”.

Exortando a uma acção “imediata e urgente”, sem precedentes, para o economista norte-americano parecem não existir dúvidas quanto ao caminho a seguir: não só acelerar as vontades como, e sobretudo, acelerar o financiamento. Para Sachs, sobre a quebra brutal de ajuda ao desenvolvimento face, por exemplo, a níveis de 2009 (o ano que se seguiu ao deflagrar da crise financeira) recai a responsabilidade por estes gaps persistentes.

No relatório é sublinhado que, em 2014 e de acordo com dados relativos a 138 países, 51 destes gastaram menos de 4% do seu PIB em educação .

Complementarmente, o relatório destaca também o facto de este tipo de análises não só contribuir para chamar a atenção para os países nos quais os escassos gastos públicos em educação poderão contribuir para o fracasso dos objectivos em 2030, mas também por revelarem igualmente a inexistência, em muitos casos, de qualquer tipo de informação sobre esta questão em particular.

Como refere o relatório, não mais de 60% dos países têm disponíveis dados sobre os seus gastos totais em educação enquanto percentagem do PIB para qualquer que seja o ano desde 2000, sendo que as taxas de cobertura aumentam para cerca de 70% para os países que disponibilizam dados pelo menos uma vez em cada três anos. Mais ainda, alerta o relatório, os dados disponíveis apresentam, na generalidade, um desfasamento considerável: 45% dos países reportaram os seus dados relativos a 2012 apenas em 2016.


Para o conselheiro especial da ONU, esta quebra da ajuda ao desenvolvimento perpetrada pelos países ricos revela uma falta de visão surpreendente. “Será que estes países acreditam realmente que estão a ‘poupar dinheiro’ ao desinvestirem na ajuda para a educação nos países com níveis de rendimento mais baixos do mundo?”, questiona, acrescentando logo de seguida: “Depois de lerem este relatório, os líderes e os cidadãos do mundo de rendimentos elevados irão perceber, e de forma aprofundada, que investir na educação é fundamental para o bem-estar global, e que o nível actual de ajuda, que ronda os 5 mil milhões de dólares anuais para a educação primária – representando cinco dólares anuais por pessoa nos países ricos – é um investimento tragicamente baixo para o desenvolvimento sustentável e para a paz no futuro.

O director do GEM, Aaron Benavot, partilha uma visão comum face ao mesmo problema. Ao The Guardian afirma que depois do relatório ter analisado a ajuda recebida por 170 países desde 2003, o que se conclui é que o investimento em causa depende muito mais de interesses comerciais do que de verdadeiras necessidades. E exemplifica: “A Mongólia já alcançou a educação primária completa, mas recebe 15 vezes o valor de ajuda à educação, por criança, que é oferecido ao Chade, onde apenas um quarto das crianças está a completar a sua educação básica”. O que parece dispensar comentários.

Nota: Na medida em que os países não partilham de uma nomenclatura normalizada no que respeita aos seus graus de ensino, a UNESCO desenvolveu a denominada Classificação Internacional de Educação. Todavia, e no que respeita aos dados acima mencionados, não são relevantes as distinções, tendo-se optado por uma homogeneização dos termos sempre que possível.

* Pedimos-lhe para ler esta notícia com muita atenção, se o fizer será menos um iletrado, repita a leitura se achar necessário.

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