18/08/2016

JOSÉ NETO

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 Transição de Carreira – causas versus consequências


PARTE  I

Recordo este momento do ano transato onde evidenciei em alguns artigos, estudos referenciados da pré época e que a bola.pt muito me honrou tornar público e que ainda se encontram registados na página e que, já agora, aconselho a revisitar.

Agora que terminamos um espaço competitivo nivelado nalguns casos à máxima expressão substantiva, irei refletir com os meus estimados leitores numa matéria algo preocupante e de premente atenção, como é a transição de carreira desportiva, sua causalidade e possíveis consequências.

O abandono de carreira ou transição da mesma, deverá merecer uma especial atenção, logo a partir do momento que a mesma se inicia, no sentido dos atletas se prepararem individualmente de acordo com os recursos pessoais, experiências e estratégias a percorrer. Esse acontecimento pode representar para uns estados de pressão, intranquilidade e crise, enquanto para outros, dum estado de alívio.

Sabe-se que o tempo de prestação em alto rendimento e o seu elevado grau de exigência para a função é muito mais curto do que a maioria das carreiras. Para muitos, o desempenho de elevada competência, exercido e potenciado pela sua entrega total, pouco tem a ver com a inclusão noutras áreas e, por isso, por vezes vacilam e desistem.

Por outro lado, o investimento na prestação atlética e competitiva poderá proporcionar uma série de privilégios, insuscetíveis de perpetuação, após o afastamento da atividade. Tal facto pode por vezes colocar a questão sobre o porquê de uma carreira tão limitativa, no seu aspeto temporal. A razão apontada para a generalidade dos jogadores é uma e apenas uma: a paixão pelo que se faz, o amor ao futebol. Os benefícios retirados de uma carreira com sucesso, ao mais alto nível, refletem-se muitas vezes, nas palavras dos próprios, no índice de auto realização pessoal, mas também no robustecimento do “aspeto financeiro”. Fatores esses que, no mundo da transição, podem funcionar no sentido contrário, levando a que entrem em declínio, por não viverem no mundo real.

Nos diversos estudos realizados, alguns autores: Lavalle e Wylleman (2000); Maurphy (1995) e Olgilvie (1998) e eu próprio, Neto, J.; (2010), referimos como fatores mais significativos da causalidade na transição de carreias, a idade, a existência de lesões, a simples dispensa ou a livre escolha do próprio.

Um outro elemento a ser referido como causa perturbadora na transição de carreira tem a ver com o medo de ser dispensado. Essa brutal realidade de deixar de merecer confiança da equipa técnica ou dirigente na manutenção de capacidades, até então superiormente desempenhadas, pode assumir uma expressão mesmo dramática para o atleta.

Outras causas derivadas da anterior, podem resumir-se no facto da incapacidade de respostas físico-atléticas devido ao avanço da idade. Por vezes é o próprio atleta, por sua iniciativa a retirar-se, tendo assim a possibilidade de estar mais tempo com a família, ou abraçar outros projetos de vida; no entanto existe sempre um certo grau de dificuldade no momento do abandono, muito em especial quando os níveis de performance assumiram um estado de excelência, demonstrando essa identidade atlética perante uma plateia difícil de reeditar noutras vertentes profissionais.

Os autores atrás referidos juntamente com Werthner & Orlick (1996) e confirmados por mim próprio (2011), referem o caso dos atletas que se retiraram devido à existência e prevalência de graves lesões, experienciaram severo stress psicológico, manifestado em depressões, uso e abuso de substâncias, incluindo pensamentos e tentativas de suicídio. Ainda se acrescenta um conjunto de reações experienciadas como seja: formas extemporâneas, e por vezes persistentes, dum estado de luto, perda de identidade, separação e solidão, medo e ansiedade e até um estado crítico de angústia pela perda duma importante parte do seu “eu”. Um eu social, porque este eu, digamos, personalístico, é um constructo mental e social.

Sabemos que, duma forma geral, os atletas, devido à dedicação extraordinariamente profissional à aquisição e manutenção de altas competências, declinam a atenção noutros vetores educacionais e formativos na aprendizagem da vida, tendo por conseguinte, muita dificuldade de integração noutras áreas profissionais após o abandono da carreira desportiva.

Seguindo esta linha de orientação, surgem alguns casos de revelado interesse para objeto de reflexão. Algumas medidas reativas do afastamento que conduzem ao abuso do álcool, aumento do tabagismo, negligência de higiene pessoal, abandono da manutenção e controle duma condição física adequada. Pelo contrário, os atletas que se mantinham ocupados, continuando a treinar de forma regular, formulando novos objetivos de conquista, sujeitos a um grande apoio social e preparando antecipadamente a sua retirada, apresentaram baixos níveis de ansiedade e maior capacidade de confronto com os problemas inerentes à transição de carreira já evidenciados.

Como é também a esta luz que importa interpretar alguns casos de longevidade desportiva ao mais alto nível de atletas, como Paolo Maldini ou do próprio Luís Figo.

“Porque o Futebol é organ (trabalho criativo e gostoso) e não ponos (trabalho duro e punitivo), é nomos (regra e respeito), mas também ludus (jogo, brincadeira) – e a ludicidade é o catalisador por excelência da criatividade e da auto – realização” (Antunes de Sousa, 2010).

Neste âmbito, será importante programar um conjunto de medidas no sentido de ajudar os atletas a ultrapassar as dificuldades que se podem reportar a uma transição de carreira, inserindo-os num novo estado participativo da vida, que muito espera de quem pelo desporto lhe deu o suor misturado tantas vezes com as lágrimas da ingratidão … ou porventura abençoadas pela força da razão.

Procurarei referenciar algumas dessas medidas no próximo artigo.

29/07/16

PARTE II

A transição da carreira desportiva deverá assumir-se como um processo dinâmico que necessia de ter o seu início nos primeiros anos da carreira (formação) e prosseguir ao longo da carreira profissional de futebol. É um processo que deverá ocorrer a um nível multidimensional envolvendo a interação de vários fatores: emocionais, psicossociais, comportamentais e cognitivos que afetam o indivíduo e seu ambiente.

Para que se possa experienciar uma transição de carreira desportiva, estimamos que o atleta se deve iniciar em atividades de preparação orientadas para desenvolver a atenção, compreensão e estratégias de coping associadas com a transição de carreira desportiva, antes do final da sua carreira profissional futebolística.

As estratégias sugeridas para mitigar o efeito negativo na transição da carreira desportiva, incluem:

- Fazer algum tipo de formação, ao nível académico (gestão desportiva, curso de treinador, scouting, etc…)

- Participar em aconselhamento e análise vocacional identificando e participando em áreas de interesse que possam não ser propriamente desportivas.

- Integrar o estudo e avaliação dum programa de apoio académico (ao nível das novas oportunidades) e programa de apoio para abertura de novas empresas ou negócios.

Como sabemos, os ex - atletas apresentam um grau de consciência bastante elevado, sendo por isso possível, sugerir, em função das preocupações transmitidas por estes, que os jogadores possam se avisados e aconselhados quanto aos desafios sociais, psicológicos e comportamentais passíveis de serem experienciados durante a sua transição de carreira desportiva da Liga Profissional de Futebol. As questões que precisam de ser equacionadas são principalmente:

- Identidade atlética – atletas que são capazes de se definirem a si próprio de uma forma vincada. Estes experienciam adaptações mais negativas no processo de transição de carreira, não tanto enquanto participantes ativos, mas na adaptação a novo estilo de vida.

- Dor física – incapacidade de responder fisicamente às exigências perante o “conflito” competitivo com duas respostas: ganhar e voltar a ganhar.

- Dor emocional – a modulação de resposta emocional também parece estar ligada a um certo lastro de segurança familiar e financeira – quem se auto perceciona como tendo recursos, projeta-se mais seguro no pós – competição. A contrária, é por isso, igualmente válida para aqueles que não se consideram tão bafejados pela sorte. Para estes, os riscos inerentes à imprevisibilidade do futuro aumenta significativamente.

- Perda de amizades, estatuto de celebridade, camaradagem.

-Risco de comportamentos negativos, como por exemplo, beber excessivamente, abuso de substâncias prejudiciais à saúde.

Se estas questões forem trabalhadas com qualidade, os jogadores poderão experienciar uma transição de carreira desportiva com muito sucesso.
Não devemos também esquecer a importância do contributo e da responsabilidade social dos clubes/SAD como forma de garantir a sustentabilidade do Homem que se encontra por detrás do jogador – estrela que se foi.

Esta área da Responsabilidade Social Corporativa (CSR) que tem atraído considerável interesse no que à gestão diz respeito a nível do estrangeiro, mas que raramente tem sido avaliado e explorado na área da pesquisa nacional. Segundo Breitbarth e Harris (2008) “ao realizar a literatura de markting, desporto e gestão, este artigo considera que o papel da CSR no negócio do futebol apadrinhará a competitividade do jogo e criará valor adicional para os acionistas”, propondo “ um modelo conceptual que delineie um papel de agente de futebol tendo em vista a criação de um valor humanitário, cultural, político, social e de segurança”.

Uma medida fundamental para que o processo da transição de carreira não conduza aos estados de declínio existencial referidos no número anterior e para além do que já foi mencionado, será a relevância à continuidade de prática desportiva, proporcionando o crescimento em termos de valores da amizade, responsabilidade, respeito, coesão de grupo, capacidade de superação, regímen alimentar e continuidade do respeito pelos hábitos de rotina, para além do fenómeno mais importante que é a contribuição pela prática desportiva para o estado de uma vida saudável.

Um apelo para que as organizações desportivas (Federações, Liga, Associações, Clubes, Sindicatos, Autarquias) assumam a sua responsabilidade social no enquadramento dos desportistas durante o seu ciclo de vida, preparando o Homem para o futuro, condição que garantirá o sucesso durante o período de transição pós carreira desportiva.
O desporto só pode ser visto como instrumento de formação para a qualidade de vida e não uma mera indústria, cuja principal matéria/prima são as pessoas e jamais devemos permitir que essas, que outrora enchiam os estádios com hossanas de encanto, venham a ser trituradas sem possível reciclagem. Outrora robustecidas por focos geradores duma paixão coletiva, passam de ícones de aplauso ao desencanto prostrado pelo silêncio do desconhecido.

Porventura todos observamos as exigências do tipo comercial (lei do mercado) que coisificam e degradam até à condição de mera mercadoria o atleta de alto rendimento.

A acompanhar tudo isto e em termos de formação, o ainda deveras preocupante no afã depósito de muitos pais e outros agentes, que ao detetarem numa criança sinais de talento, a fazem entrar à força numa espécie de forja de craques, sugando-lhe aquilo que para ela se torna mais importante: o espaço lúdico para crescer.

Quando se quer à viva força enxertar no homem o craque, este, a acontecer, é à custa do homem que aparece e após a fulguração da estrela cadente, o vazio, o abandono e a solidão!...

* Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto/Futebol; Formador de Treinadores F.P.F.- U.E.F.A.; Docente Universitário.

IN "BOLA"
10/08/16

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