17/08/2016

HELENA GARRIDO

.




O choque do turismo

O emprego está a aumentar e por via de um dos sectores, o turismo, que contribui também para corrigir as contas externas. Uma das poucas boas notícias que estamos a ter. Agora é preciso não estragar.

Neste Verão que não vamos esquecer por causa do terrível incêndio na Madeira e noutros pontos do país e marcados por um tempo de incerteza em todas as frentes da economia, abre-se uma excepção. O emprego está a aumentar por via de um dos sectores, o turismo, que contribui também para corrigir as nossas contas externas. Nem tudo é mau.

O que se passou e está a passar no sector do turismo merecia ser estudado. Portugal beneficiou dos males dos outros, como os problemas no Norte de África e mais recentemente o terrorismo na Europa. Criou-se uma oportunidade. Mas nós temos sido especialistas em perder oportunidades. O que não aconteceu desta vez.

Autarcas, em Lisboa com António Costa, no Porto com Rui Rio, pequenos e médios empresários que não foram impedidos pela burocracia e um ex-secretário de Estado do Turismo que soube como promover o país criaram um circulo virtuoso que nos permitiu aproveitar uma conjuntura que nos era favorável.

A política de Adolfo Mesquita Nunes, nomeadamente na estratégia que escolheu para promover Portugal, colocou Portugal no mapa. Em vez de fazer filmes ou escolher slogans absurdos – lembram-se do Allgarve? – o então secretário de Estado do Turismo usou os recursos para trazer a Portugal quem influencia a escolha dos turistas, como as revistas especializadas.

Claro que beneficiou do facto de o país já estar nessa altura a mudar. Autarcas e Governo conseguiram evitar que a criatividade e iniciativa de muitos micro e pequenos empresários não fossem destruídas pelo emaranhado burocrata que é a marca do país. Pequenos negócios, como os Tuk-Tuk ou os hostels, deram à cidade diversidade. Claro que assistimos à habitual batalha dos instalados, como os hotéis tradicionais e os taxistas, para combater essas iniciativas. Mas conseguiu-se resistir à tentação de proibir e regulamentar de tal maneira que só grandes empresários poderiam entrar no negócio.

Esta é outra das características diferenciadoras do que se passou no sector do turismo. Abriu as portas a muitos pequenos negócios, alguns com um nível de sofisticação na sua oferta que nada tem a ver com luxo mas sim com a procura de experiências. Do turismo rural ao enoturismo, dos hostels ao sofá lá de casa para passar a noite, dos pequenos hotéis com mais do que apenas um quarto para dormir, é extraordinária a iniciativa e criatividade de algumas ofertas no turismo.

Há muitos anos que os economistas viam no turismo uma oportunidade para a economia portuguesa. Primeiro fizemos asneiras. O que aconteceu em algumas zonas do Algarve e mesmo em Troia é um exemplo. O problema é que quem se dedicada àquilo não tinha no negócio do turismo a sua principal actividade. Era na realidade um construtor civil. Fez cimento e não uma oferta turística de qualidade. O que de positivo se está hoje a passar é que, em muitos casos, a construção nem entra na cadeia de valor.

Outro aspecto que fazia com que alguns economistas vissem aspectos negativos no turismo era a condenação de Portugal às baixas qualificações. Criava emprego sim, diziam, mas empregados de hotéis e de restaurantes. Mas a procura dos turistas mudou. Hoje temos esses postos de trabalho mas há muitos outros que proporcionam aos turistas experiências que só quem é qualificado consegue criar. Enoturismo, turismo de natureza com passeios dos mais diversos, turismo gastronómico ou simplesmente de conhecimento do país são uma marca criadora de valor muito superior ao sol, praia, café e restaurante.

Há ainda a uma outra característica da oferta turística que cria um valor enorme para a sociedade. Os pequenos negócios, que a internet possibilitou, abriram espaço ao desenvolvimento de sistemas económicos locais e viabilizou muitas pequenas localidades. Alugar a casa que se tem e não usa, um quarto lá em casa ou até o sofá da sala dá a quem viaja uma experiência única e às famílias de praticamente todo o país, se assim o quiserem, um rendimento adicional. Que se contagia ao sítio onde vivem.

Todo o sistema de criação de valor deste novo turismo é extraordinário. O que é preciso agora é não estragar. E há riscos. Os estados devoradores e regulamentadores que temos podem cair na tentação de ver ali mais uma mina para os seus tesouros ou podem ainda ceder aos grupos de pressão que pululam nos corredores do poder. E que adoram as regulamentações que criam barreiras à entrada de pequenos empresários.

Até agora não tem acontecido. Mas de vez em quando lá surgem algumas tentativas como a mais recente de queixas por falta de casas para arrendar.

Claro que o turismo não chega para nos trazer o crescimento económico de que precisamos. Mas, para já, nestes tempos de crise, foi um importante amortecedor. A recessão teria sido pior sem os turistas. E o que aconteceu no sector dá uma importante lição: as pequenas e médias empresas podem gerar um crescimento equilibrado quer para as pessoas quer para as regiões. Um dos erros que cometemos no passado foi querer criar “uma das maiores empresas” disto e daquilo.

IN "OBSERVADOR"
11/08/16

.

Sem comentários:

Enviar um comentário