06/07/2016

SÍLVIA DE OLIVEIRA

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Já mentiu hoje?

Esta semana vi um documentário sobre a desonestidade e a mentira -- (Dis)Honesty: The Truth About Lies.

No arranque veem-se vários mentirosos – palavra rude, mas adequada – a explicar, numa simples ideia, o que os levou a mentir. Um convenceu-se que não estava a prejudicar ninguém, outro alegou estar firmemente convicto de estar a fazer o melhor pelas suas filhas, outro fê-lo porque toda a gente à sua volta o fazia, outro, ainda, acreditava que não estava a cometer nenhuma ilegalidade.

Falavam de mentiras graves, que ameaçaram casamentos e levaram pessoas para a cadeia. Antes, claro, nenhum deles pensou vir a ser apanhado. Dan Ariely, um professor de economia comportamental da Universidade de Duke, onde fundou o Centro de Retrospetiva Avançada, ele e a sua equipa dedicam-se a testar e analisar as nossas decisões, a estudar a racionalidade e a irracionalidade. Ou seja, tentam compreender o comportamento humano. 

O mundo da insondável economia comportamental, que, ao contrário da economia dita normal, não assume que somos todos decisores perfeitos, nem que antes de decidir comparamos, sem limitações, as opções existentes. D e forma muito direta, o que este professor tem concluído é que, em geral, somos míopes, maus, irracionais e desonestos. 

De facto, assistimos, todos os dias, a embustes, da política ao desporto, passando pela alta finança. Mas não é preciso chegar a tanto. Pense um pouco, quantas mentiras já disse desde o início do ano? Esta sexta-feira, ficámos a saber pela Conta Geral do Estado, que o Estado deixou de receber, no ano passado, 136,5 milhões de euros em impostos, neste caso, por prescrição das dívidas fiscais. É óbvio que a clara maioria destes milhões acabou por esvair-se porque ainda existe muita gente que não paga os seus impostos, e com a complacência do vizinho. 

Pagar o arranjo do carro “por fora” para fugir ao IVA é uma mentira pequena, orquestrar uma fraude numa empresa é uma mentira gigante. Felizmente, segundo as conclusões de Ariely, existem no Mundo poucos destes últimos, mas um universo imenso dos primeiros, os “pequenos batoteiros”. São estes, na sua opinião, um grave problema com grande impacto económico, os profissionais da pequena mentira , porque são muitos. 

Veja-se: só em 2015 e apenas em relação às dívidas prescritas – as que não são cobradas em oito anos -, o impacto foi de 136,5 milhões de euros. O IVA foi o mais castigado, mas o mesmo sucedeu com o IRS, com o IRC, e sucederá com o seguro automóvel e com uma infindável lista de pequenos eventos da vida que puxam à mentira. Agora, veja-se ao espelho. O que vê? Uma pessoa honesta e maravilhosa, como gostaria que os outros a vissem? Ou, na verdade, faz parte do clube dos pequenos batoteiros, vistos por tantos com uma irritante condescendência, que cedem aos benefícios da pequena desonestidade e que fazem que a vida seja ainda cada vez mais pequenina.

IN "DINHEIRO VIVO"
02/07/16

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