25/07/2016

LUÍS RIBEIRO

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4 exemplos em como a ignorância 
científica não é de esquerda 
nem de direita – é de ambas

A esquerda ri-se porque a direita não leva as alterações climáticas a sério. A direita ri-se porque a esquerda acha que a gripe se cura com pacotinhos de açúcar. Uma e outra acusam-se mutuamente de rejeitarem a ciência. As duas têm razão

Um dos primeiros atos oficiais da nova primeira-ministra britânica, a conservadora Theresa May, foi acabar com o departamento para as alterações climáticas. Mais uma prova em como os partidos de direita negam os factos científicos? Sim. Mas a esquerda não fica melhor na fotografia. Bernie Sanders, que esteve taco a taco com Hillary Clinton na luta pela nomeação democrata para a presidência dos EUA, opõe-se aos OGM (organismos geneticamente modificados), apesar do consenso científico sobre a sua segurança. Em suma: só aceitamos a ciência quando ela não choca com a nossa ideologia. Mas, como diria o talhante, vamos por partes:

4. A esquerda acredita nas medicinas alternativas

Vou escrever isto devagar para que não me falhe nenhuma sílaba: não há uma única prova científica que demonstre a eficácia de homeopatia, acupuntura (e outras formas de medicina tradicional chinesa), reiki, reflexologia, quiropraxia, naturopatia, ayurveda, cristaloterapia e tudo o que envolva a palavra chacras. Nenhuma. E só não incluo aqui a osteopatia porque uma massagem sabe sempre bem. Mas estudos peer-reviewed, double-blind e meta-análises não são suficientes para convencer os partidos portugueses de esquerda da sua inutilidade. Em nome de uma oca liberdade de escolha, as “medicinas” alternativas são constantemente matéria de propostas legislativas e programas eleitorais. Qual é o mal da homeopatia?, pergunta-se muitas vezes. Se não funcionar, mal também não faz. Faz mal, sim. Além da duvidosa ética de regulamentar a magia (a homeopatia, por exemplo, nem sequer tem substância ativa), legitimando à força de lei o que não tem legitimidade, há a questão da substituição. Quantas pessoas deixaram de tomar medicamentos a sério porque um qualquer “médico” homeopata as convenceu que bolinhas de açúcar debaixo da língua são o melhor remédio para o cancro? E quantas já morreram por causa disso?
(Não é medicina, mas fica aqui uma menção honrosa para o embuste das dietas detox, que prometem desintoxicar… toxinas, imagino, já que os proponentes não sabem explicar mais que isto. Que fique claro: o fígado e os rins são os nossos filtros naturais. A única coisa que aquele sumo de quinoa com gengibre e água de coco da Polinésia desintoxica é a carteira.)

3. A direita duvida da teoria da evolução

Não é assunto muito debatido em Portugal, mas nos EUA, onde algumas escolas de estados mais conservadores ensinam “a controvérsia”, doutrinando as pobres crianças na explicação bíblica para a origem do universo, é um problema muito real. E a evolução (salvo seja) da situação faz-me acreditar que muitos destes miúdos não vão chegar a astronautas. A última estocada é a escolha de Donald Trump para vice-presidente: Mike Pence. Quando, numa entrevista, perguntaram ao atual governador do Indiana (cargo que, se tudo correr bem, continuará a ser dele por muitos e bons anos) se acreditava na evolução, Pence respondeu que “Deus criou os céus e a Terra, os mares e tudo o que lá está dentro”. Um dos argumentos dos criacionistas é que a teoria da evolução não passa disso mesmo, uma teoria. Estranhamente, não vemos criacionistas a lançarem-se tranquilamente da janela, amparados pelo argumento de que a teoria gravitacional também é só e apenas uma teoria.

2. A esquerda odeia OGM

Nove em cada dez cientistas que de algum modo estão ligados à genética garantem a segurança e qualidade dos organismos geneticamente modificados (OGM). Um consenso científico da ordem de grandeza do consenso à volta das alterações climáticas. A discussão já devia estar encerrada. Mas enquanto no caso do clima boa parte da esquerda grita “ouçam os cientistas”, nos OGM já berra “os cientistas estão a soldo da Monsanto” – a omnipotente multinacional de biotecnologia que supostamente suborna tudo e todos, apesar de ter metade do tamanho da nossa relativamente modesta EDP. Bernie Sanders tem sido uma das vozes mais ativas nesta batalha (ao mesmo tempo que apoia as “medicinas” alternativas). Não importa que o arroz dourado, enriquecido com vitamina A, tenha o potencial de salvar a vida (ou evitar a cegueira) de centenas de milhares de crianças todos os anos, em países onde a pobreza da alimentação as deixa com carências gravíssimas. A Greenpeace tem lutado contra o arroz dourado com todas as suas forças, e já apoiou a destruição de campos experimentais. Aliás, essa é outra: a esquerda tem como bandeira que os OGM não estão suficientemente estudados, mas combatem todas as tentativas para os estudar. Não pode ser por terem medo dos resultados, pois não?

1. A direita não acredita nas alterações climáticas

Na Europa ocidental, o negacionismo das alterações climáticas não tinha (felizmente) dignidade para entrar no debate político mainstream – isto até Theresa May se mudar para Downing Street. A substituta de David Cameron à frente do Partido Conservador e do país terminou imediatamente com o Departamento de Energia e Alterações Climáticas; como se isso não bastasse, nomeou para o cargo de secretária de Estado do Ambiente Andrea Leadsom, ex-ministra da Energia e uma mulher que, pelo menos até entrar para o governo, duvidava que as alterações climáticas fossem reais. Posições anacrónicas, quando mais de 97% dos cientistas são da opinião – fundamentada numa infinidade de estudos – de que o aquecimento global existe e é provocado pelo Homem. Mas a decisão da primeira-ministra britânica não tem nada de científica. Há muito que a questão ideológica domina as discussões do clima. A principal evidência de que o tema depende das convicções são os inquéritos feitos nos EUA: não é por acaso que apenas 42% dos republicanos acredita nas alterações climáticas, contra 72% dos democratas, de acordo com uma sondagem de 2008. A cor ideológica impede que os factos moldem opiniões. É por estas e por outras que “pensamento político” é uma contradição de termos.

* JORNALISTA

IN "VISÃO"
19/07/16
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