The Elephant in the room
Uma irlandesa minha conhecida, recebeu um mail do
empregador a recomendar-lhe que tire o passaporte britânico ou, pelo
menos, a permissão de residência permanente. Só podem estar a gozar
comigo”, desabafou .
Sabem qual é o elefante no quarto da maioria dos
londrinos? O Brexit. A questão dos londrinos é só uma: vamos ignorar o
elefante ou vamos falar dele? Vá, escolham. Apostem. Porque – de
certeza, certezinha – ele é o centro de gravitação consciente ou
inconsciente desta metrópole. Da House of Commons, à City de Londres,
aos Ministérios e ao Whitehall, às pequenas, médias ou grandes empresas,
multinacionais, NHS, reuniões da família Real ou da família da esquina.
E já nem falo do vendaval que o elefante levantou além fronteiras: em
Bruxelas, Itália ou EUA. Este elefante indesejado, metido à força nas
nossas vidas pelo resto do país (pelo país descontente) e que para mal
dos nossos pecados não podemos devolver à procedência. O Sr. Elefante,
de peso maciço, aterrado sem pára-quedas sobre as nossas cabeças: é
preferível falar dele ou sublimá-lo? É que custa admitir não haver
território à prova das balas que, à sua conta, se disparam. “Ai votaste
Brexit/Remain? Isso é crime de lesa –majestade, com potencial para
estragar famílias e amizades.
Custa ver os políticos a matarem-se e esfolarem-se para conquistar o
poder. Recobre-se, agora, o fôlego para a maratona que temos pela
frente, porque o elefante não vai dispersar. Esse hóspede que consome
grande parte das energias emocionais e nos desfoca do que antes era a
vida – Ai, o que é feito dessa vida? E as saudades que temos dela – vai
continuar no sofá a marcar passo, a marcar presença. A despertar o medo
de se tornar morador perpétuo. De que nos roubou o futuro. De que nos
atirou – no mínimo – para uma recessão; no máximo, aí uns dez anos pela
escada abaixo. Tudo o que resta é manter a esperança – o wishful
thinking- de que, amanhã de manhã, o paquiderme será menos mau do que
parece.
Desde o dia 23/06 que os europeus de Londres convalescem de uma nódoa
negra; e os ingleses de Londres de uma vergonha ignóbil. E em três
semanas, já a grande maioria ousou ter conversas inimagináveis em tempos
prévios ao Sr. Elefante. Gente que aqui vive há décadas, deu tudo por
esta cidade – nela investiu carreira, poupanças, enraizou os filhos –
pondera se terá de deitar tudo a perder. Tornar-se-á esta terra pouco
amistosa, ao negociar o seu divórcio com a UE?
Casais estrangeiros ou mistos avaliam um cenário B - uma saída de
emergência do país - se o peso do elefante arruinar as contrapartidas de
aqui viverem. Secretamente, nunca se apreciou tanto estar casado com um
cônjuge europeu e poder “dar de frosques”. Nem nunca se cobiçou deste
modo um passaporte europeu. “Tu vais poder sair daqui? Eu não..” - já me
disseram dois ou três amigos, antecipando a claustrofobia do isolamento
ilhéu.
Como era boa, gostosa e sossegada a vida antes deste elefante. Em
três semanas, já o governo reverteu a política de austeridade
prosseguida sem desvios desde 2010. Porque a prioridade deixou de ser o
défice público, passou a ser acalmar investidores, estimular o consumo,
evitar a escalada do desemprego.
As reações individuais são extremadas. Há quem decida que é tempo de
lutar por permanecer no país, preencha 90 páginas, faça um teste e pague
emolumentos, na saga de adquirir cidadania britânica. Há quem se recuse
a ser forçado a dar esse passo. Uma irlandesa minha conhecida, recebeu
um mail do empregador a recomendar-lhe que tire o passaporte britânico
ou, pelo menos, a permissão de residência permanente. “Só podem estar a
gozar comigo”- desabafou – “Eu sou visceralmente anti-inglesa.” Há quem
aproveite a oportunidade para negócio singulares, como pôr a casa à
venda num mercado que atingiu o pico dos picos, e arrende
provisoriamente enquanto aguarda o inevitável desabamento.
Na rua, uma artista distribui crachás com dísticos “Amo a UE”. De
alto a baixo do seu casaco, há um painel de letreiros: “Estou
despedaçada” (I’m shattered)“Uma de 48%” (One of 48%)“Refém Europeia”
(EU Hostage).Há quem diga que nos vamos habituar de tal modo ao elefante
que ele irá progressivamente apagar-se, tornar-se invisível. Por agora,
só há mesmo uma forma de lhe escapar. É fazer as malas e ir de férias. E
quando voltar, esperar que estejamos todos mais habituados à sua
presença. Ou quem sabe, esquecidos dela. Existiu alguma vez um elefante
destes? Neste país?
Relembrem-me, por favor.
IN "i"
18/07/16
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