08/07/2016

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HOJE NO 
"JORNAL DE NEGÓCIOS"

Durão Barroso: 
O peixe graúdo que 
a Goldman Sachs pescou

A Goldman Sachs contratou Durão Barroso para seu "chairman" e consultor. Durão Barroso tinha saído em 2014 da Comissão Europeia e andava dedicado à vida académica

Aos 60 anos, Durão - Barroso para os portugueses, José Manuel Barroso para o mundo e Zé Manel para os mais íntimos -, já escolheu o seu novo destino. Vai ser "chairman" do Goldman Sachs, e consultor do banco norte-americano para o Brexit.
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Durão Barroso entrou pela porta grande na instituição que está em litígio com o Banco de Portugal ainda por causa da resolução do Banco Espírito Santo. Tudo começou quando o regulador português decidiu, já depois da resolução, reenviar para o BES "mau" um crédito concedido pela Oak Finance, por considerar que esta entidade era indirectamente um dos accionistas qualificados em Agosto de 2014, aquando da resolução do BES.

O Banco de Portugal considerou "haver razões sérias e fundadas para considerar que a Oak Finance actuara, na concessão do empréstimo, por conta da Goldman Sachs International, e que esta entidade detivera uma participação superior a 2% do capital do BES". Por isso, retirou esse crédito ao Novo Banco e devolveu-o ao BES "mau".

O processo chegou a tribunal e está a ser julgado em Londres. A Oak Finance contesta que a instituição estava apenas a actuar em nome de clientes que não se queriam identificar. Segundo foi noticiado pelo Wall Street Journal, houve um "esforço conjunto" de vários grandes nomes do banco americano para conseguirem ganhar o negócio com o BES, entre eles José Luís Arnaut, consultor da Goldman Sachs, e o também português António Esteves, que na altura era um dos altos quadros do banco norte-americano de onde entretanto saiu.

Esse papel de Arnaut chegou a ser razão para o PS querer ouvi-lo na comissão de inquérito parlamentar ao BES/GES, mas o advogado acabou por ser dispensado. Tal, aliás, como Durão Barroso que chegou a constar da lista de personalidades a ouvir. Barroso era, na altura da resolução do BES, presidente da Comissão Europeia. Mas não tendo ido à comissão enviou umas respostas por escrito a propósito de ter recebido Ricardo Salgado em Maio de 2014, à data presidente do BES, num encontro onde este lhe revelou dificuldades do Grupo da família. Na resposta à comissão de inquérito, Durão Barroso confirmou a reunião, garantindo ter aconselhado Salgado "a entrar em contacto com as autoridades portuguesas até porque não via em que medida a Comissão poderia ter intervenção útil naquela questão".

Anos mais tarde, problemas com outro banco nacional. Apesar das várias questões colocadas sobre o papel da Comissão Europeia, nomeadamente da Direcção-geral da Concorrência, no desenvolvimento da capitalização do Banif (que culminou na resolução da instituição já em Dezembro de 2015), Durão Barroso acabou, também, por não ir à comissão de inquérito. Em entrevista ao Expresso, em Maio deste ano, afirmou que nem o regulador nem o Governo tinham feito "alertas especiais, pelo menos que eu me recorde, em relação à situação da banca. A Comissão, por exemplo, quando recebeu notícias do Banif, achou logo que aquilo era muito estranho". E o facto de Bruxelas ter recusado planos de reestruturação do Banif foi referido por Durão como a chamada de atenção da Comissão sobre os problemas. Quando o Banif acabou em resolução já Jean-Claude Juncker tinha substituído Durão Barroso na liderança da Comissão Europeia.

Não há mal em trabalhar no privado
Depois de sair de Bruxelas, Durão Barroso – que de 2004 a 2014 foi presidente da Comissão Europeia – esteve em actividade académica. Foi professor convidado de Política Económica Internacional e "fellow" na Universidade de Princeton – onde continuará a dar aulas esporadicamente, segundo disse recentemente ao Expresso -, assim como professor convidado na Universidade Católica, em Lisboa, na Universidade de Genebra, e no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento, também naquela cidade suíça.

Em entrevista ao Expresso, em Maio, Durão Barroso assumiu que se manteria ligado à universidade, e que tinha recebido "algumas propostas interessantes do sector económico e empresarial". "É possível que aceite alguma coisa do ponto de vista não-executivo", admitiu. Trabalhar no privado depois dos mais altos cargos que teve, dizia, "é perfeitamente legítimo, desde que se evite qualquer problema de conflito de interesses. Razão pela qual quis deixar passar algum tempo antes de considerar qualquer ocupação desse género. Precisamente para marcar uma distância no tempo em relação a essa responsabilidade", justificava.

"A política", garantia "para mim hoje em dia, como actividade, é coisa do passado".
Agora junta-se à Goldman Sachs, banco que em várias ocasiões se tornou notícia por levar para os conselhos do banco altos dirigentes ou políticos. Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, ou Mario Draghi, presidente do BCE, são alguns dos nomes associados ao Goldman. Ou ainda Mario Monti, que foi comissário europeu e primeiro-ministro de Itália. Marc Roche, jornalista do Le Monde, colocou o dedo na ferida no livro "O banco – como o Goldman Sachs dirige o mundo".

Para este jornalista, segundo declarações à Lusa, a filosofia Goldman Sachs está presente na política europeia através de um grupo de "iluminados" que são simultaneamente "um grupo de pressão, uma associação de colheita de informações, uma rede de ajuda mútua eficaz, competente e treinada na instituição norte-americana", apesar de se saber muito pouco sobre o que andaram a fazer no Goldman Sachs os "tecnocratas" que actualmente são protagonistas na Europa. Agora, é a vez de Durão Barroso ir para a instituição. De Portugal, também passou pela instituição António Borges, já falecido, que viria a ser assessor da Parpública para as privatizações, no Governo de Passos Coelho.

É também de um clube considerado – no livro do jornalista do DN Rui Pedro Antunes - o "mais poderoso do mundo" que "influencia o destino da nação", que Durão Barroso passou a fazer parte. É o líder nacional do Clube de Bilderberg, em substituição de Francisco Pinto Balsemão. Sempre com ligações ao PSD, Durão Barroso foi, pela primeira vez este ano o líder nesse clube, tendo convidado a ir ao encontro Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças e vice-presidente do PSD, e Fernando Medina, o autarca de Lisboa. Segundo uma investigação de Rui Pedro Antunes, os portugueses que já estiveram nestes encontros anuais acabaram por ascender ou já tinham desempenhado cargos governativos.

Assim aconteceu com Durão Barroso. Participou pela primeira em Bilderberg em 1994, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva, função que iniciou em 1992. Já antes tinha sido sub-secretário de Estado do Ministério dos Assuntos Internos, em 1985, quando a tutela era de Eurico de Melo. Ainda nos governos de Cavaco Silva foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (1987-1991), com Deus Pinheiro como ministro, e foi nessa qualidade que ficou ligado aos acordos de Bicesse, em 1990, que resultaram num cessar fogo em Angola entre MPLA e Unita. Dois anos depois garantiu o cargo máximo da diplomacia nacional, na segunda maioria absoluta de Cavaco Silva. O seu antecessor, Deus Pinheiro, seguiria para Bruxelas para ser o segundo comissário português.

Durão Barroso liderou a pasta dos Negócios Estrangeiros até ao final do Governo de Cavaco Silva, em 1995. Candidatou-se depois à liderança do PSD, perdendo-a para Fernando Nogueira, num congresso cuja frase mais célebre acabou por ser a de Luís Filipe Menezes, referindo-se a Durão Barroso, a quem chamou de "sulista, elitista e liberal". E foi este "sulista" (Durão Barroso nasceu em Lisboa há 60 anos) que ao perder o partido ganhou novo alento na política. É que Fernando Nogueira perderia, nesse mesmo ano, as legislativas, levando ao fim do cavaquismo e permitindo um novo ciclo de governação socialista, com António Guterres ao leme.

A liderança do "cherne"
Durão Barroso aproveitou o momento. Foi para o Parlamento e aproveitou para se doutorar nos Estados Unidos, deixando, aliás, estes estudos como argumento para não disputar a liderança do partido. Até 1999. Sucede na liderança do PSD ao agora Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sem ter tido luta. E perde as legislativas para Guterres, nesse mesmo ano, tendo-lhe sido atribuída a frase: "Tenho a certeza que serei primeiro-ministro, não sei é quando". Foi-o em 2002 e depois de reconfirmado à frente do PSD. A vitória das autárquicas dos sociais-democratas, ou antes a derrota dos socialistas, leva Guterres a demitir-se com o argumento de pretender evitar o "pântano político" e Jorge Sampaio, então Presidente, convoca eleições antecipadas.

Caminho aberto para Durão, primeiro-ministro, mas em coligação com o CDS de Paulo Portas. O "sonho" concretizava-se. Ficou dois anos. Saiu a meio do mandato para aceitar a presidência da Comissão Europeia em 2004. Deixou um vazio que Jorge Sampaio aceitou preencher com Santana Lopes, que assumiu a chefia do Executivo, mas por pouco tempo. O país voltaria a eleições em 2005, com o início da era Sócrates. E foi com o primeiro-ministro socialista ao leme que o Tratado de Lisboa seria assinado em 2007. Durão Barroso era presidente da Comissão Europeia. Os dois nomes ficarão para a história europeia e a célebre frase "Porreiro, pá!" dita por Sócrates a Barroso quando o acordo foi assinado.

Se Barroso diz que a vida política termina agora, ela iniciou-se, no entanto, muito antes das lides governativas. Tudo começou há mais de 40 anos. Antes mesmo do 25 de Abril, quando foi um dos líderes da FEM-L (Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas), do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), de inspiração maoísta. Já depois do 25 de Abril foi expulso do MRPP. Só nos anos 80 aderiu ao PSD, a seguir à morte de Sá Carneiro.
Santana Lopes foi dos que antecipou grandes voos para Durão Barroso. Já subiu toda a hierarquia, mas ainda não se candidatou à Presidência, como muitos ainda antecipam. "Eu acredito que o sonho só é verdadeiramente sonho quando é grande", dizia, em 2002, em vésperas de eleições que levaram Barroso a chefe do Executivo, a sua mulher, Margarida de Sousa Uva, acrescentando que o seu marido tinha essa "imensa capacidade de sonhar".

E foi ao "vender o seu peixe" que Margarida de Sousa Uva acabaria, sem querer, por colar outro epíteto a Barroso: "De certa maneira foi ingrata a maneira de estar aqui a vender o meu peixe, mas o Zé Manel, se fosse peixe, era um cherne". Disse-o para citar o poema de Alexandre O’Neill: "sigamos o cherne". O poema, no entanto, segue dizendo: "Sigamos, pois, o cherne/ antes que venha/ Já morto, boiar ao lume de água".

Ainda não chegou a essa fase. Durão Barroso talvez olhe para o poema e prefira escolher a outra frase: "Desçamos ao fundo do desejo/Atrás de muito mais que a fantasia".

* Um "inginheiro" de tachos.

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