24/07/2016

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ESTA SEMANA NA  
"SÁBADO"

Ir à escola no intervalo da quimioterapia

Sessões individuais por Skype, testes no hospital e apoio de professores no IPO. Quando o cancro muda a vida de uma criança, a esperança pode estar nas aulas

O exame nacional de Física e Química chegou ao Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto escoltado pela polícia. À espera da prova, numa sala do piso térreo do hospital, estavam dois professores vigilantes e apenas um estudante do 11º ano: Alexandre Curopos, de 17 anos. 
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Durante três horas – teve direito a meia hora extra por estar doente – respondeu "às questões que sabia" e saiu "confiante num resultado para passar". Depois, regressou ao isolamento no serviço de Pediatria, onde entrara pela primeira vez seis meses antes, em Janeiro de 2014. "Deixei de ir às aulas quando comecei a fazer quimioterapia, no início desse ano. Tive 6,5 a Física e Química, mas como a nota do 1º período eram boa (17), acabei a disciplina com 13", diz, explicando que o enunciado da prova foi transportado pelas autoridades de segurança como acontece em todas as escolas.

O diagnóstico de Alexandre chegara a 31 de Dezembro de 2013: linfoma de Burkitt, um cancro agressivo, cuja extensão pode duplicar em apenas 24 horas. "Sentia uma dor de barriga forte e, como não passava, fui ao hospital", conta o adolescente, que três dias depois da prova de Física e Química, fez a de Geometria Descritiva. "A minha irmã explicou-me a matéria e dessa vez tive 17,5 valores", constata Alexandre

Mesmo doente conseguiu entrar na licenciatura em Engenharia Informática. Está, neste momento, na época de avaliações do 2º semestre – e o linfoma parece ter ficado para trás. "Levo uma vida completamente normal", afirma o agora voluntário no IPO.
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Em 10 meses de internamento, nos quais fez sete ciclos de quimioterapia e um autotransplante (usando as próprias células), passou por períodos longos de isolamento. "A escola foi fundamental nesse processo de recuperação, tal como a família e os amigos", considera o pai, Henrique Curopos. "Havia dias em que não era possível, mas quando o Alexandre estava bem-disposto estudava e tinha aulas individuais por Skype."

Maria de Jesus Moura, directora da unidade de Psicologia do IPO de Lisboa, diz que a escola é determinante. "Mantém os projectos de vida das crianças. A dada altura tudo se concentra na doença: há sintomas, tratamentos, amigos e familiares que fazem visitas e falam sobre o tema. A escola é uma maneira de quebrar este contacto constante. Tem uma função adaptativa e, ao mesmo tempo, de protecção."

Há escola no hospital
Por se tratar de uma doença que altera profundamente o quotidiano das crianças, que as debilita e deixa sequelas físicas (perda temporária de cabelo, de sobrancelhas, inchaço, etc.), os IPOs de Lisboa e do Porto criaram escolas nos seus edifícios – em cada uma há três professores.

"Algumas crianças mantêm a escolaridade de forma regular com a instituição de origem", explica a docente Dina Ribeiro, do IPO de Lisboa. "Outros necessitam de uma intervenção mais complexa – nestes casos temos um papel mais regular e incisivo", acrescenta.
Em Lisboa e no Porto, alunos de várias idades reúnem-se no mesmo espaço para tirar dúvidas, resolver exercícios ou desenvolver actividades didácticas. Às vezes fazem testes. "A escola de origem envia-nos o enunciado e eles resolvem aqui", diz Dina Ribeiro.

Cada aluno tem um plano curricular adaptado ao tratamento e ao ano escolar. "É preciso encontrar o momento e a forma de apoiar cada um. Não temos um programa rígido. Muitas vezes estão connosco e são chamados para um tratamento ou consulta", explica a mesma professora. António Teixeira, do IPO do Porto, afirma: "Não temos um programa obrigatório. O nosso papel ultrapassa em muito o do professor tradicional."

A lei portuguesa prevê que as crianças com cancro continuem a ter um acompanhamento académico que as mantenha intelectualmente activas – mesmo em tratamento. Em Janeiro, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, disse que o Governo estava a trabalhar num diploma para regulamentar o acesso destas crianças à escola. O gabinete do ministro disse à SÁBADO não ter ainda novidades sobre o tema.

Em alguns casos o apoio é feito à distância. Foi o que aconteceu a Teresa Madeira, de 8 anos, que deixou de ir à escola em Outubro, quando lhe detectaram uma leucemia. "Entre tratamentos e idas ao IPO, assiste às aulas por Skype, faz perguntas à professora e interage com os colegas. Se projectarem alguma coisa no quadro, aparece também no ecrã da Teresa", conta a mãe, Florbela Pires.

"Habitualmente começam às 9h e normalmente deixo-a sozinha nesse período – seria assim em circunstâncias normais. Só intervenho se houver uma falha tecnológica", refere a advogada.
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As aulas fazem-na feliz. "Ficou triste com a perspectiva de não acompanhar os colegas. Por isso é importante para ela passar de ano", conta Florbela Pires, sublinhando que a filha não se incomoda com a falta de cabelo. "Foi outra menina do IPO que disse à Teresa que ela ia ficar careca. O pai mostrou-lhe fotos de cantoras e actrizes que também faziam quimioterapia e ela reagiu bem." Neste momento, está na última fase do tratamento (manutenção) e, pouco antes de as aulas terminarem, voltou aos Salesianos do Estoril para visitar os amigos. "Estavam todos numa grande excitação. Ela pediu -lhes para fazerem uma fila: deu abracinhos a todos. Ofereceram-lhe um livro e a directora chamou-a ao palco para lhe dar as boas-vindas", recorda Florbela.

Como vai ser o futuro?
A maioria dos tratamentos contra o cancro infantil não tem hoje um impacto cognitivo nos doentes, garante Filomena Pereira (na foto), directora do serviço de pediatria do IPO de Lisboa. "Os pacientes com hipóteses de apresentarem défices cognitivos são os que fazem radioterapia ao sistema nervoso central, mas esta opção terapêutica abrange cada vez menos crianças", refere a oncologista.

O que é comum a quase todos as crianças com cancro é a fadiga. "Muitas continuam a queixar-se do cansaço, mesmo depois do tratamento. É claro que isso pode prejudicar os resultados escolares", diz a psicóloga Maria de Jesus Moura.

Não foi o caso de Frederica Peixoto (na foto), de 13 anos. Apesar da leucemia e de dois episódios em que esteve à beira da morte, continua a ser a melhor da turma, mesmo a fazer quimioterapia. "Era aluna de quadro de mérito e continua assim", diz a mãe, Susana do Canto.

Uma das grandes preocupações dela quando soube que estava doente foram os estudos. "Tinha medo de chumbar", acrescenta.

No último ano lectivo, Susana do Canto deslocou-se todas as semanas à escola da filha, na Portela, concelho de Loures. "Ia buscar ou entregar trabalhos ou fichas", conta. Frederica transitou para o 9º ano com o apoio dos professores do IPO de Lisboa e com a ajuda de aulas individuais por Skype. "Rende mais assim do que com a turma", diz a adolescente, que chegou ao fim do ano lectivo com quatros e cincos. "A melhor nota foi num teste de Ciências: 100%", conta, assumindo as saudades da escola. "Ainda não sei se volto em Setembro."

Fazer desenhos e pedir ajuda
Ao contrário de Frederica, José Ramos, de 15 anos, regressou à escola durante o tratamento. Depois de uma cirurgia delicada em que lhe removeram um tumor cerebral maligno, a mãe e as professoras do IPO conseguiram convencê-lo a voltar em Setembro de 2015. A véspera, porém, foi passada a chorar. José tinha medo de enfrentar os colegas – caminhava com dificuldade e estava sem cabelo. "Deixou de mover o lado esquerdo, depois da operação. Cai muitas vezes e está muito magro", explica a mãe, Mónica Ramos. "Às vezes dizia-me que não tinha amigos – tinham-se afastado." Apesar disso, a nova turma na escola de Marinhais, Salvaterra de Magos, surpreendeu-o. "O director de turma apresentou-o como um aluno normal. Isso foi importante." 
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A pensar precisamente no regresso, o Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) desenvolve acções de formação em escolas. "Os professores e os auxiliares não sabem como receber o aluno, como lidar emocionalmente com ele. Têm muitas dúvidas: devem protegê-los de perguntas? Podem manter o nível de exigência?", explica Patrícia Gomes (na foto), psicóloga responsável pelo projecto, sugerindo que devem agir naturalmente. Paralelamente, tentam sensibilizar as outras crianças da turma. "É importante explicar-lhes o que é o cancro – em casos de leucemia, por exemplo, deve desenhar-se o corpo humano num papel de cenário para eles perceberam que a doença está pelo organismo todo", aconselha. E acrescenta: "Às vezes aparecem com soluções engraçadas: ‘Então e se lhes tirássemos o sangue e puséssemos um novo?"

A acção de três semanas, implementada até agora em três escolas do distrito do Porto, também pretende esclarecer os pais dos alunos saudáveis. "Por mais estranho que pareça, há quem acredite que o cancro é contagioso", nota a especialista.

Enquanto o processo decorre, prepara-se o doente. "Dizemos-lhe que tem os amigos à espera, apresentamo-lo como um super-herói. E no dia do regresso, pomos-lhe uma capa e tiramos fotos", diz Patrícia Gomes. Há que ter sempre em conta a idade da criança. "Nos mais novos, a preocupação é o afastamento dos cuidadores e dos amigos. Os mais velhos centram-se na ideia de dor e sofrimento. Alguns intelectualizam a doença e sabem exactamente o que têm. Interpretam análises e exames." 
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João Rocha, de 14 anos, domina bem os termos médicos. Ainda não voltou ao colégio, em Vila Nova de Cerveira (frequenta o 9º ano), mas está optimista quanto à recuperação. A 18 de Setembro de 2015 detectaram-lhe um linfoma, que se manifestou com dores intensas no ombro. "A médica disse-me que a minha cura tinha duas vertentes: uma parte competia-lhe a ela e à medicina; a outra cabia-me a mim e ao meu ânimo. Respondi-lhe logo: ‘Dra., trate da sua parte porque a minha está assegurada.’"

* Histórias de arrepiar e encantar.


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