05/07/2016

ANTÓNIO BARRETO

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A deriva europeia

Em percentagem do total mundial, a população europeia está a diminuir. Além disso, é a mais envelhecida. A parte da União Europeia no produto global, perto de 15%, está em decréscimo. As taxas de crescimento da economia europeia são das mais reduzidas do mundo. A União deixou de ser uma grande potência industrial. E é cada vez menos uma potência financeira insubstituível. A capacidade científica da Europa atrasa-se em relação aos Estados Unidos e já está ameaçada por outros continentes. Sem a América e sem a Grã-Bretanha, a defesa e a segurança da União Europeia são quase inexistentes.

A Europa tem o mais generoso, solidário e acolhedor Estado social. É o continente onde mais se gasta por habitante em saúde, educação, cultura, apoio à família e ao rendimento, segurança social e apoio ao desemprego. É o único continente onde todos os países são democracias. É o continente que atrai maior número de turistas internacionais.

Em contas aproximadas, valores proporcionais e conceito alargado, a Europa tem actualmente cerca de 3,5 milhões de refugiados. É o continente que recebe mais refugiados vindos de outros continentes. Este é um enorme esforço de que muitos europeus podem ou devem estar orgulhosos.

A Europa parece transformar-se num parque temático. Ou num sítio do Património da UNESCO. O Estado social europeu, em qualquer das suas versões, da alemã à portuguesa, da inglesa à sueca, é uma obra-prima de solidariedade. Mas também é a condenação à bancarrota inevitável.

Poderá a Europa receber ainda mais refugiados e imigrantes em desespero? Talvez. Mas não esqueço os 3,5 milhões que já cá estão. Há limites, mas raras são as pessoas que querem falar dos limites. Sabe-se que se trata de questão difícil. Como estabelecer os limites? A que níveis? Com que regras?

Vai ser muito difícil encontrar uma resposta equilibrada para qualquer daquelas perguntas. Uns querem abrir as portas, sem limites. Outros querem fechar as portas, sem excepções. Uma solução equilibrada é aquela que não põe em causa (ou o menos possível...) os direitos dos cidadãos, as liberdades públicas, os valores culturais europeus, a solidariedade humana e os direitos universais.

A recusa europeia de considerar a imigração e a corrente de refugiados como uma questão política a tratar a tempo e horas, com rigor, tornou tudo mais difícil. A recusa europeia de aceitar que poderia haver uma política de controlo e de gestão dos imigrantes e dos refugiados atrasou e agravou os problemas. A ponto de entrarmos em crise ameaçadora. A evolução política de cada país, como na Inglaterra agora e noutros a seguir, revela as ameaças.

O mar do Sul, o "cemitério" mediterrâneo, os campos de refugiados, as multidões nas fronteiras e os conflitos políticos em tantas cidades europeias estão aí para revelar o que já sabemos, uma crise sem precedentes. As reacções políticas dos eleitorados, as derivas xenófobas, confirmam o mal-estar crescente. Não basta dizer que se trata de xenofobia e de racismo. Às vezes é, às vezes não é. Os cidadãos europeus têm o direito de preferir viver com imigrantes ou sem imigrantes.

A política será chamada a resolver, a encontrar as soluções equilibradas. Mas, por enquanto, tem contribuído para tornar tudo mais difícil. A direita defende valores europeus, as tradições culturais e o legado cristão. A esquerda defende valores universais, o laicismo, a solidariedade internacional e o multiculturalismo. A direita quer fechar, para preservar a Europa. A esquerda quer abrir, para mudar a Europa. Nenhuma parece ter razão.

Os Europeus têm o direito de querer mudar. Os Europeus têm o direito de querer conservar. Ambos têm razões. Nenhum tem a razão. O caminho é abrir, mas com critério e controlo. E integrar, com generosidade e liberdade.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
03/07/16

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