14/06/2016

FILIPA SÁRAGGA

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Saudade 
é o amor que fica

Ultimamente tenho ouvido, das mais variadas pessoas, a seguinte frase: "Tenho tanto medo de um dia perder o meu pai, ou a minha mãe." Isso tem-me feito pensar, talvez por também ter a mesma inquietação.

Segundo a lei natural da vida, é isso que irá acontecer. O contrário é contranatura, e essa sim, é a maior de todas as dores.

Uma das maiores tristezas e perdas que tive na vida foi a morte de um tio meu, José Maria Horta e Costa, casado com uma irmã muito querida do meu pai. Este meu tio era, na minha vida, muito mais do que um tio: era o meu grande amigo, foi a primeira pessoa que me ensinou a acreditar em mim, talvez umas das pessoas mais cultas com quem já me cruzei e, por isso, tive o privilégio de crescer a ouvir as suas histórias e a conhecer de perto a sua sabedoria.
Num dia que jamais esqueceremos, decidiu mudar de casa e foi obrigado a fazer um seguro de vida. Descobriu de repente, aos 50 anos, que estava com um cancro em estado avançado nos pulmões. Lembro-me, como se fosse agora, dessa tarde em que o meu tio foi a minha casa e nos informou a todos, com a maior amizade e fé do mundo, que estava com uma doença grave e que iria ter de submeter-se a tratamentos muito dolorosos.

Foram poucos meses até a vida o levar. É raro o dia em que não penso no meu tio e na falta que me faz. Gostaria tanto de ainda partilhar consigo tantas histórias e tantos momentos. De certa forma, continuo a fazê-lo porque tenho fé e isso ajuda-me a acreditar que um dia voltaremos a estar juntos.

Mas existe um detalhe essencial que ainda não contei, e que atenua brutalmente esta minha tristeza...

É que no penúltimo dia, mesmo antes de o meu tio morrer, tive a oportunidade de me despedir. Perguntou-me, já quase sem forças, quando seria a minha primeira exposição de pintura individual. Respondi-lhe que não sabia, mas que seria em sua homenagem, e foi! E depois de me abraçar, disse-me para eu não chorar, porque prometia continuar a estar sempre presente na minha vida e a proteger-me.

No meio de tanta emoção e tristeza, disse-lhe ainda que o meu primeiro filho iria chamar-se José Maria e esse foi o momento em que lhe vi pela última vez um sorriso. Depois, abracei-o e, durante muito tempo, fiquei apenas a dizer-lhe o quanto gostava dele e a importância que ele tinha na minha vida.

Hoje, anos depois, e quando a saudade fala mais alto, lembro-me sempre daquelas palavras e lembro-me com muita alegria que tive a sorte e a oportunidade de lhe dizer o quanto o admirava.

É por isso que se temos este medo de perder aqueles de quem mais gostamos, nunca devemos perder a oportunidade de lhes dizer. Nunca devemos ir para a cama zangados ou tristes com quem é importante para nós, pois não sabemos se amanhã acordaremos. E, aí sim, a perda triplica o sofrimento. Porque vamos ficar a vida toda a pensar que talvez aquela pessoa tenha partido sem saber o quanto gostávamos dela.
Um dia, contaram-me uma história que nunca mais esqueci, de um médico oncologista que também viveu de perto a despedida de uma criança de 11 anos.

A certa altura da sua vida este médico começou a frequentar a enfermaria infantil e apaixonou-se pela oncopediatria... Até que um dia uma criança de 11 anos, calejada por dois anos de tratamentos diversos, manipulações, injecções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de químicos e radioterapias, passou por ele.

Certo dia,chegou ao hospital bem cedo e encontrou aquela criança sozinha no quarto. Perguntou-lhe pela sua mãe.

E ela inocentemente respondeu-lhe que às vezes a sua mãe saía do quarto para chorar escondida nos corredores... E depois disse-lhe ainda que quando ela morresse, a mãe iria ficar com muitas saudades. Mas acrescentou ainda que não tinha medo de morrer.
E o médico perguntou-lhe o que representava para ela a morte, ao que ela respondeu:"Quando somos pequenos, às vezes vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos na nossa própria cama, não é? Um dia, eu vou adormecer e o meu Pai vem buscar-me. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!"
O médico ficou pasmado com a maturidade que o sofrimento acelerou na visão e na espiritualidade daquela criança. E,no fim, ela acrescentou: "A minha mãe vai ficar com saudades."
Emocionado, o médico perguntou-lhe o que significava para ela a saudade. E a criança respondeu:
"Saudade é o amor que fica!"

Hoje, o médico lança o desafio a várias pessoas para definirem a palavra "saudade". Garante que nunca encontrou nenhuma resposta melhor do que esta.

Saudade é o amor que fica!

IN "SÁBADO"
13/06/16

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