10/06/2016

CATARINA CARVALHO

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The Good Wife, o feminismo
e a sua versão para TV

A série que agora termina pôs tudo em causa, até as versões mais estereotipadas do feminismo. E da sua história.

Nesta semana acabou The Good Wife, a série de culto, deixando órfãos os que a seguiam. O título não foi traduzido em português. E não por acaso. Como fazê-lo? A boa esposa? A boa mulher? A mulher devota? Pois. Tudo soa muito mal e retira a ironia que o título em inglês esconde.

Durante toda a trama, foi sempre isso que esteve em causa. Quem inventou a personagem de Alicia Florick – Juliana Marguiles, numa versão madura da enfermeira que contracenou com George Clooney na série ER – desafiou os estereótipos do que é ser uma boa mulher. E, com isso, transgrediu as regras e os modelos a que estamos habituados com heróis e heroínas – ou anti-heróis e anti-heroínas – televisivos.

Alicia foi a mulher traída que fica – e não fica – com o marido. A mulher livre no privado mas casada em público. Que se apaixona mas tem problemas de consciência. A «esposa» que volta ao trabalho depois de os filhos estarem crescidos mas vive no dilema de não ser uma boa mãe. A política reticente e a advogada que defende os clientes para além do bem e do mal.

O subtexto de The Good Wife é o da definição do papel da mulher na sociedade contemporânea – na mouche nos tempos que correm. Nesse sentido, um final em que Alicia fica, sobretudo, sozinha é um marco. Mesmo no variado panorama televisivo, as mulheres acabam sempre dependentes de personagens masculinas – veja-se o maior exemplo disso, Scandal, também a passar em Portugal na Fox Life. Para serem felizes precisam de se casar, ficar com alguém, são alvo e objeto de paixões arrebatadas, mas muito poucas vezes dominam a narrativa, sobretudo se forem personagens principais.

«De forma notória, estavam ausentes da série as discussões sobre as mulheres poderem ter tudo», escrevia o jornal inglês The Guardian. «Alicia era a mulher que tinha tudo – e cada vez mais, ela não estava certa de querer tudo.» Alicia foi-se tornando cada vez mais forte, mais decidida. Mesmo que as decisões tenham sido sempre dela – deixar de viver com o marido, retomar a paixão da faculdade, sair da firma que a acolhera, voltar, candidatar-se a um cargo político, desistir –, a sua força foi sobretudo sendo revelada ao longo da série. A força, até, de abraçar as zonas cinzentas da sua personalidade. Como, por exemplo, o elevado sentido de humor.

Tudo isto se enquadra da discussão tantas vezes contraditória do que é o feminismo hoje. E há duas confrontações interessantes com os estereótipos feministas neste final de The Good Wife. Uma é dita pela futura e inesperada nora de Alicia, que, ao elogiá-la por ter «ficado com o seu homem», preconiza um género cada-mulher-é-livre-de-fazer-o- que-lhe-apetece. A outra centra-se no questionamento das típicas amizades femininas.

The Good Wife termina, como começou, com uma estalada na cara. No primeiro episódio, Alicia era a traída e a autora da agressão. No último, ela é a traidora e a vítima de um bofetão que lhe é dado por Diane, e que põe fim não só à amizade entre as duas como ao sonho de fazer a maior firma de advogadas de Chicago. The Good Wife trouxe para os mass media a modernidade e a revolução dentro do feminismo. E por isso ganhou um lugar na sua história.

IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
05/06/16

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