05/06/2016

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ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"

A forma como se nasce influencia 
a saúde futura

É no momento do nascimento e na primeira hora de vida que o bebé ganha as primeiras defesas. Ao passar pela vagina, o recém-nascido recebe as bactérias da mãe, que vão ser fundamentais para a composição da flora intestinal. Esta colonização por “bactérias boas”, a primeira de todas, só acontece uma vez. Quando os bebés nascem por cesariana, perdem essa oportunidade. 
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Nos últimos dez anos, a comunidade científica tem estudado a fundo o "microbiota intestinal" e chegou à conclusão que o tipo de parto influencia a saúde futura dos seres humanos. E estabeleceu uma relação entre a forma como se nasce e o risco de as crianças virem a ter problemas, que vão desde dificuldades do sistema respiratório, passando pela obesidade e diabetes tipo 2 e até autismo. 

Conceição Calhau, professora do departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e investigadora do CINTESIS, explica melhor todo este processo.

Em que medida a forma como os bebés nascem vai influenciar a sua vida daí para a frente?
Há dois fatores que podem ser determinantes naquilo que é a saúde do bebé - e depois do adulto que será - no momento do nascimento. A primeira alimentação, ou seja, se vai ou não ter leite materno e também a forma de parto. Temos agora muito mais evidência de que o próprio microbiota, ou seja, as bactérias intestinais, o tipo de bactérias que o bebé tem, também é determinante na saúde. E esse tipo de bactérias que o bebé vai ter no intestino, a colonização, acontece durante o parto. A primeira colonização é logo no momento do nascimento. O que se sabe agora é que esse microbiota também é muito influenciado pelo tipo de parto, ou seja, se tivemos um parto vaginal ou não - isso vai influenciar a qualidade desse microbiota. Já temos aqui dois fatores que são determinantes na saúde futura, que é o ter ou não ter leite materno e a qualidade do microbiota, que é influenciado pelo tipo de parto.

O que é exatamente o microbiota?
Estamos a falar da flora microbiana, intestinal. Este ecossistema, esta quantidade e qualidade de múltiplas bactérias que nós temos, vivem numa família que tem que estar em harmonia. E essa harmonia é muito diferente se tivermos mais de um tipo de bactérias ou menos de outro tipo. Aquilo que já se sabe é que os bebés, principalmente durante o primeiro ano de vida, que tiveram um nascimento vaginal e o sucesso da amamentação — tiveram leite materno durante mais tempo —  têm de facto uma flora intestinal ou um microbiota muito mais rico nas boas bactérias. 
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São floras intestinais muito mais ricas em, por exemplo, bifidobactérias, aquelas bactérias saudáveis. E também se sabe que, por contraste, os que tiveram menos tempo de leite materno, os que tiveram mais precocemente o leite de fórmula ou menos sucesso na amamentação vão ter bactérias menos boas. Ou seja, vão ter outra qualidade de bactérias e isso depois vai ter impacto na saúde.

Que tipo de impacto? 
Esse impacto na saúde foi-se conhecendo sobretudo nos últimos dez anos. A comunidade científica tem dado muito mais relevância à importância do microbiota, principalmente porque, durante muito tempo, pensava-se que uma alteração da flora intestinal poderia significar uma inflamação intestinal, uma diarreia, uma disfunção gastrointestinal. Agora sabe-se que a influência vai muito além disso. Estamos a falar até na relação com a obesidade. O que se admitiu em 2005 foi que os indivíduos que têm obesidade têm bactérias intestinais muito diferentes dos magros. E isso alertou para a importância de estudarmos o microbiota e de tentarmos saber quais são, no fundo, os fatores que influenciam o microbiota do adulto, que já vem com a primeira colonização que se dá no momento do nascimento.

O que acontece num parto normal?
Ao passar pelo canal vaginal, o bebé vai estar logo em contacto com as bactérias da mãe e temos logo uma colonização à custa dessas bactérias. Se não tivermos a passagem pelo canal vaginal, isso será diferente. E depois o tal contributo do leite materno. Passar pelo canal vaginal, estar em contacto com a pele da mãe ao mamar e com o leite materno, tudo isso vai no fundo influenciar a composição do microbiota e depois a saúde do bebé.

E que problemas estão associados a essa questão da flora intestinal, do microbiota?
Atualmente já se dá importância ao microbiota até no autismo e na depressão. Há distúrbios a nível da saúde mental que podem relacionar-se com a saúde do microbiota. Em dez anos, houve muita evolução do conhecimento nessa área. A comunidade científica tem alertado para o primeiro momento do nascimento, do próprio parto. A mera escolha entre um parto vaginal ou um parto por cesariana... Provavelmente, as mães podem não ter consciência do que é que isso depois significa. Pode ser um bebé que depois tem muitas cólicas, pode ser um bebé que vai ter mais diarreias, mas também pode ser um bebé que vai ter muito mais risco de obesidade, de diabetes tipo 2 ou até de algumas perturbações a nível de saúde mental.

E em relação aos problemas respiratórios? Também há uma relação com o parto?
Sobretudo se pensarmos que o tipo de parto pode influenciar o sucesso do aleitamento materno que previne esse tipo de problemas. É um pouco a teoria da higienização. Ou seja, os bebés que têm muito pouco contacto com microrganismos são bebés com maior risco para atopias, para alergias, o que muitas vezes também pode estar associado a maior risco ou maior suscetibilidade de infeções respiratórias. 
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O contacto com o leite materno é completamente crucial. E é curioso como é que no ano passado, no relatório da Direção-Geral da Saúde de 2014, pudemos perceber que em Portugal as mães dão de mamar de forma exclusiva ainda muito poucos meses. O que a Organização Mundial de Saúde preconiza é que nos primeiros seis meses de vida os bebés sejam alimentados exclusivamente com leite materno e o que nós conseguimos perceber é que em Portugal há muito poucas mulheres a dar de mamar exclusivamente até aos quatro meses e ainda muito menos até aos seis meses, fazendo com que a introdução de alimentos sólidos seja feita precocemente. Isso leva-nos a pensar que, provavelmente, isto pode contribuir para o facto de depois nós encontrarmos crianças com excesso de peso e de obesidade até aos dois anos. Já encontramos isso nas nossas crianças. Muito provavelmente, uma coisa pode estar relacionada com a outra. Portanto, acho que tem de se rever a questão dos partos, mas também tudo aquilo que a própria mulher pode ter de facilidades relativamente ao que é o período de cuidar do bebé. E o programar um parto pode acontecer devido à própria pressão do trabalho, porque não é conveniente numa altura e tem de ser conveniente na outra. Isto vale para a amamentação também. Não é muito conveniente que a mulher se ausente do trabalho durante tantos meses, portanto acho que há um conjunto de revisões que devem ser feitas pelo Ministério da Saúde e do Trabalho. Tem de haver alguma reflexão sobre isso.

De que forma o tipo de parto influencia a amamentação?
O tipo de parto acaba por influenciar, ou ser muitas vezes determinante, para o sucesso da amamentação. É importante percebermos que um parto que não é vaginal pode ser a consequência de uma necessidade ou pode ser uma programação. E se pensarmos numa programação — eventualmente o menos biológico, já que é não era o momento ainda do nascimento, mas houve por razões várias uma necessidade de programar —,  muitas vezes pode significar que a mãe não estava ainda preparada para a própria produção do leite e depois há um atraso na subida do leite. Além de que, muitas vezes, o que acontece na cesariana é que o tipo de anestesia ou a quantidade de anestesia que é administrada faz com que o próprio bebé esteja um pouco anestesiado, o que significa que vai estar muito mais adormecido nas primeiras horas após o nascimento, menos reativo, o que significa que vai ter muito menos capacidade de sucção do leite. E, portanto, aquele primeiro contacto com a mãe para amamentar é fundamental e se temos um bebé mais adormecido vai haver essa dificuldade. Há muitas razões que podem explicar que a probabilidade do insucesso do leite materno com um parto não vaginal é muito maior.

Perante a necessidade de uma cesariana, há alguma coisa que possa ser otimizada?
O problema é logo o de base, é o não biológico, o programar. Há hormonas que a mulher tem de sintetizar para depois levar ao parto, para depois levar à subida do leite. Se isso não acontece de forma natural, não podemos estar à espera que, de uma forma natural, a mulher consiga produzir o leite logo no momento em que não era previsto o bebé nascer. E, claro, muitas vezes o que é que acontece? Acontece um outro fenómeno, que é o fenómeno do biberão escondido. Ou seja, uma mulher que está sonolenta, o bebé também está sonolento e aquela não comunicação, o facto de não subir o leite, a primeira refeição que é dada ao bebé é por exemplo leite de fórmula em biberão. E isso às vezes é escondido, muitas vezes as próprias mães não têm a consciência de que os bebés foram alimentados dessa forma logo no primeiro momento. Isso leva depois a perceber que o bebé que pegou na tetina já não é o bebé que vai pegar bem no mamilo. E este pode ser um dos fatores que vai condicionar o sucesso do aleitamento. A amamentação é um processo que tem de acontecer de forma muito natural, muito imediata e respeitando toda a biologia e toda a comunicação entre a mãe e o bebé.

* Devemos aprender com quem verdadeiramente sabe!

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