HOJE NO
"PÚBLICO"
"PÚBLICO"
O templo dos tristes tigres
É uma história de terror com uma das espécies mais icónicas do planeta; num templo budista na Tailândia, em vez serem protegidos, os tigres sofriam abusos e eram traficados pelos monges.
Era um segredo mal guardado o que se passava no Templo dos Tigres.
Nesta grande atracção turística da Tailândia, a cerca de 160 quilómetros
da capital, Banguecoque, monges budistas vestidos com as suas
fotogénicas túnicas cor-de-açafrão cobravam 17 dólares de entrada aos
turistas para verem tigres interagir com as pessoas. Para tirar
fotografias com as suas poderosas cabeças no colo, ou a fazer-lhes
festas e alimentá-los – os animais estavam claramente drogados,
queixavam-se alguns turistas –, os monges iam sempre cobrando mais por
cada gracinha. O negócio renderia cerca de sete milhões de dólares
anuais.
As denúncias de maus-tratos aos animais começaram a ser
feitas há anos e por várias entidades de defesa da natureza, baseando-se
em testemunhos. Mas o templo liderado pelo abade Phra Acham Phoosit
(Chan) Kantitharo, que tinha tigres desde 1999, tinha conseguido escapar
sempre a represálias das autoridades. Agora, num raide que durou mais
de uma semana, o Departamento de Parques Nacionais resgatou finalmente
137 tigres vivos. Mas descobriu 40 crias num congelador industrial que
pareciam ter sido recentemente congeladas e 20 outras que estavam
preservadas em frascos.
.
“Embora as circunstâncias destas mortes
continuem por esclarecer, lamentavelmente estas crias representam apenas
uma pequena proporção da enorme extensão do negócio ilegal em torno da
vida selvagem, que está a levar as espécies à beira da extinção”, disse a
Agência para as Drogas e a Criminalidade das Nações Unidas, num
comunicado divulgado após o início das buscas no templo.
Como se
estas descobertas não fossem suficientemente macabras, a cerca de 50 km
de distância, encontraram uma casa numa zona isolada, cercada por uma
alta vedação onde estavam quatro tigres vivos e várias jaulas vazias.
Havia ali uma sala com uma grande mesa de corte e uma enorme variedade
de facas.
“Acreditamos que esta casa era usada pelo Templo dos
Tigres como matadouro dos tigres. Ali seriam mortos para lhes retirarem
as peles, carne e ossos para serem exportados, ou enviados para
restaurantes na Tailândia que servem carne de tigre para grupos”, disse à
Associated Press o coronel Montri Pancharoen, subcomandante da Divisão
de Supressão do Crime, que supervisionou a operação.
Esta é a
suspeita que recai sobre o Templo dos Tigres; longe de ser um local
idílico de equilíbrio entre seres humanos e um grande predador – do qual
se estima existirem menos de 3900 em estado selvagem, está na Lista
Vermelha das Espécies Ameaçadas de Extinção da União Internacional para a
Conservação da Natureza – era um importante nó numa rede de tráfico de
animais.
Negócio de 19 mil milhões
O negócio do tráfico de
animais selvagens é um dos mais lucrativos do mundo – só é superado
pelo comércio clandestino de armas e drogas, disse à agência Efe Luis
Suárez, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). O tráfico vale pelo
menos 19 mil milhões de dólares por ano (16.750 milhões de euros), diz a
Agência para as Drogas e a Criminalidade da ONU.
O secretário do
monge que lidera o templo foi apanhado pela polícia a tentar fugir do
recinto numa carrinha com duas peles de tigre, dez dentes e cerca de mil
amuletos com pedacinhos de pele de tigre. Vários outos monges e devotos
foram detidos e acusados de estarem na posse de produtos feitos com
espécies de protegidas. O abade deverá prestar declarações.
Numa altura em que os tigres desaparecem do seu habitat natural,
cerca de 6000 estão neste momento a ser criados em cativeiro na Ásia,
na maior parte das vezes ilegalmente. Uma decisão da Convenção sobre o
Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres
Ameaçadas de Extinção (CITES) estipula que “os tigres não devem ser
criados para comercializar partes do seu corpo ou derivados”.
Mas
um estudo da organização Traffic sugere que pelo menos 5000 estarão a
ser criados na China – país que maior apetite tem por produtos de luxo e
de medicina natural derivados de tigre –, 1450 na Tailândia, 180 no
Vietname e talvez 400 no Laos. Em vários outros países asiáticos há
jardins zoológicos e colecções privadas, diz o jornal The Guardian.
O
aumento do poder de compra na China e noutras populações do Sudeste
asiático fez aumentar tanto a procura como o preço destes produtos nos
últimos anos – 60% dos mais mil milhões de chineses utilizará estes
medicamentos “naturais”, diz o jornalista especializado em temas
relacionados com espécies ameaçadas de extinção Graig Kasnoff, na página
online Tigers in Crisis. O uso de produtos de tigre é visto como “um
símbolo de alto estatuto social e riqueza” e o regresso a práticas
tradicionais é alimentado por um orgulho na cultura chinesa e um
sentimento de que a medicina ocidental nem sempre tem a resposta
adequada, sublinha.
O preço dos ossos de tigre disparou: entre 140
e 370 dólares por quilo (123 e 326 euros), consoante a sua dimensão. Em
Taiwan, uma tigela de sopa de pénis de tigre (que tradicionalmente se
julga que estimula a virilidade) custa 320 dólares, e um par de olhos de
tigre (considerados um remédio para a epilepsia e para a malária) 170
dólares. Um pó de úmero, o grande osso da articulação dos membros
dianteiros, é usado para tratar úlceras, reumatismo e tifo e meio quilo
pode valor 1450 dólares (1278 euros) na Coreia do Sul, diz Kasnoff.
.
.
Chips de desaparecidos
No
Templo dos Tigres, os monges não tinham autorização para fazer criação.
Mas juntavam fêmeas e machos e, era óbvio, o número de tigres aumentou
muito desde o primeiro animal, de 1999, que terá chegado ao tempo
ferido, em busca de ajuda, segundo reza a lenda. Era sempre necessário,
aliás, ter animais jovens, para que os turistas pudessem alimentar ao
biberão, passear com trelas, brincar com eles, fazer festinhas – tudo
isso se torna difícil, senão impossível, com animais adultos.
.
Por
isso a suspeita é de que não só criavam tigres como os criavam de forma
acelerada – retiravam as crias às fêmeas logo que nasciam, para que elas
entrassem de novo em cio rapidamente, para que pudessem ter pelo menos
duas ninhadas por ano, em vez de uma a cada dois anos, como seria
natural, diz a revista National Geographic. Assim a população
de tigres passou de 18 em 2007 para os 137 que foram retirados agora do
templo. Além disso, as fêmeas seriam trocadas frequentemente com outros
locais onde se faz criação de tigres, diz a revista. Por isso a suspeita
é que ao começar a investigar o templo, se descubra a ponta de uma
vasta rede de tráfico de animais.
Antigos trabalhadores e
defensores do bem-estar animal denunciaram inúmeras vezes os abusos de
que eram alvo os tigres, relatou a National Geographic:
batiam-lhes, drogavam-nos, deixavam-nos à fome, precisavam de cuidados
veterinários, eram alojados em jaulas de betão pequenas, sem terem
oportunidade de fazer exercício ao ar livre – os monges negavam estas
acusações.
A questão do tráfico começou a ser levantada em 2015,
quando Somchai Visasmongkolchai, que durante muito tempo foi veterinário
no templo, se demitiu e foi apresentar às autoridades três microchips
que disse terem sido retirados de três tigres que tinham desaparecido do
templo. A investigação não só confirmou o desaparecimento, como que 13
dos tigres do templo não tinham chips – e foi ainda encontrada a carcaça de um tigre no congelador.
Este caso foi tornado público no início de 2015, e nenhuma acção tinha sido tomada contra o templo – até agora.
* Como para qualquer religião, o negócio é que conta.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário