26/06/2016

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ESTA SEMANA NA 
 "VISÃO"

Eleições em Espanha: 
A confusão do costume

Seis meses depois das últimas eleições, os espanhóis voltam às urnas para tentar resolver o impasse de governo em que o país mergulhou, mas o imbróglio pode manter-se, pois qualquer um dos quatro candidatos continua com aspirações a poder ser primeiro-ministro. Preparados para o grande jogo das coligações? 
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Um galego de direita, isolado mas muito resistente, que volta a pôr em jogo o poder que ainda mantém. Um madrileno socialista, com ar de modelo, que vive sob a ameaça do afundamento do mais histórico dos partidos políticos espanhóis. Outro madrileno mais de esquerda que, com o seu rabo de cavalo a presidir ao seu estudado desalinho e as suas provetas de laboratório politológico, ameaça virar de pernas para o ar o tabuleiro espanhol. E um catalão, de imagem responsável, também nascido da alquimia da mercadotecnia, como um produto desenhado para servir de antídoto centrista ao candidato do rabo de cavalo. Com estes respetivos perfis, Mariano Rajoy (Partido Popular, PP), Pedro Sánchez (Partido Socialista Operário Espanhol, PSOE), Pablo Iglesias (Unidos Podemos, UP) e Albert Rivera (Ciudadanos, C’s) enfrentam as eleições mais originais que Espanha já viu, desde 15 de junho de 1977, as primeiras depois de quase 40 anos de ditadura de Franco.

As eleições de 26 de junho de 2016 (26-J, como escrevem os espanhóis) são únicas porque nunca se tinham realizado tão cedo, apenas seis meses depois das falhadas de 20 de dezembro. Houve legislaturas curtas, como a Constituinte, de menos de dois anos, ou a última de Felipe González, que não chegou a três anos, mas nunca houve uma como a última, que quase nem começou, pois o Congresso dos Deputados não conseguiu levar a cabo a sua primeira e mais relevante missão, a de nomear o presidente do Governo, o que desembocou na sua dissolução automática, assinada pelo rei Filipe VI, que assiste no início do seu reinado, como testemunha impotente, ao inédito bloqueio institucional.

São também umas eleições singulares porque o cenário está mais em aberto que nunca. Segundo as sondagens, o próximo chefe de governo tanto pode voltar a ser Mariano Rajoy como outro candidato do PP ainda não identificado, mas também Pablo Iglesias ou, inclusive, Pedro Sánchez, ainda que as opções deste último pareçam mais remotas, o que se liga a outra das grandes novidades que o ato eleitoral do 26-J oferece a priori: o ocaso do decano dos partidos espanhóis, o PSOE, fundado em 1979 por outro Pablo Iglesias. Desde 1977, o PS espanhol tem sido a única formação que esteve sempre nos dois primeiros lugares, fazendo binómio primeiro com a UCD, o partido de Adolfo Suárez, e depois, a partir de 1982, com a Aliança Popular, rebatizada em 1989 como Partido Popular. Todas as sondagens coincidem em que desta vez o PSOE vai ser terceiro em votos e provavelmente também em lugares.

Novo terreno de jogo

Nada é como dantes, como confirmou o insólito debate eleitoral organizado pela Academia da Televisão a 13 de junho. Foi o primeiro a quatro, entre os líderes dos principais partidos. Na não muito rica história de duelos televisivos eleitorais espanhóis o habitual era que se defrontassem os aspirantes do PP e do PSOE, ou que não houvesse o frente a frente devido à recusa de um deles em participar. Na campanha do 20 de dezembro estes hábitos começaram a mudar, pois houve o debate tradicional, entre Rajoy e Sánchez, e outros dois que integravam os candidatos dos chamados partidos emergentes, Iglesias e Rivera, juntamente com Sánchez. Num deles, Rajoy deixou a sua cadeira vazia e no outro enviou a vice-presidente Soraya Saénz de Santamaría. 

Sem vontade de dar força a Pedro Sánchez, situando-o num nível mais elevado que o resto dos candidatos e com vontade de alimentar a bipolarização com Iglesias, Rajoy aceitou desta vez medir forças com os candidatos da UP e do C’s, juntamente com o do PSOE. A expectativa que o debate gerou acabou por ser maior do que o seu conteúdo, que foi pobre. Mas o mais relevante foi que estabeleceu um novo terreno de jogo, com quatro candidatos a primeiro-ministro, plenamente reconhecidos como tal pelos seus rivais, enquanto desapareciam da cena mediática os partidos nacionalistas da Catalunha e do País Basco, que no passado foram vitais em diversas ocasiões para formar governo e cujo concurso, no entanto, também continuava a ser relevante no sudoku sem solução que saiu das urnas.

Os primeiros minutos do duelo televisivo serviram para constatar que entre os líderes nada se mexeu em relação ao bloqueio que levou à repetição das eleições. Diante da pergunta sobre o que fariam para evitar um terceiro ato eleitoral consecutivo, Iglesias sublinhou que o PSOE tem de escolher entre pactuar com o PP ou com ele, ainda que em dezembro o Podemos e os socialistas só alcançavam a maioria se incluíssem o independentismo catalão, a cujo apoio Sánchez renunciou porque o obrigaria a negociar o referendo de autodeterminação da Catalunha. Rivera advogou a favor dos pactos para fazer mudanças, isto é para substituir Rajoy, se o entendimento fosse com o PP, ou para apoiar Pedro Sánchez, como tentou em março, pese a que o PSOE e o Ciudadanos não tinham maioria. Sánchez reiterou a sua disposição de ser presidente do Governo, mesmo que para tanto necessite, pelo menos, de ficar em segundo e formar a maioria que não conseguiu aglutinar há três meses. E Rajoy voltou a ser uma pedra. Em lugar de apostar na negociação com os rivais que, no mínimo, pedem a sua cabeça, convidou-os a deixá-lo governar se, como tudo indica, voltar a ser o mais votado, ainda que lhe faltem uns 50 lugares ou mais para ter os 176 que lhe dariam a maioria.

A recusa de Rajoy foi o único veredito claro do ato eleitoral de 20 de dezembro, pois os espanhóis não só lhe retiraram a maioria absoluta que lhe tinham dado em 2011, como além disso o deixaram sem opções para formar governo. Para evitar que o Ciudadanos pedisse a sua cabeça, a fim de tentar investir outro candidato do Partido Popular, a 22 de janeiro, Rajoy renunciou a tomar posse, iludindo assim a encomenda do rei. Depois, foi Sánchez que tomou a missão de formar governo, mas só conseguiu o apoio de um Rivera que aproveitou para fazer de centrista. O líder do PSOE transformou-se assim no primeiro candidato a primeiro-ministro que, com a Constituição vigente, falha a formação de um governo. Mas ganhou o direito a apresentar-se de novo às eleições. A manobra de Rajoy também salvou Sánchez, de maneira que os dois grandes partidos mantêm nestas eleições os seus fracos candidatos.

A única mudança no tabuleiro chegou vinda do laboratório da Facultade de Ciências Políticas da Universidade Complutense, de onde provêm Iglesias e os outros fundadores do Podemos. Estes politólogos desenharam uma coligação com a Izquierda Unida (IU), a marca eleitoral do Partido Comunista de Espanha que, em dezembro, se manteve a custo no Congresso dos Deputados, com dois assentos. Com 3,7% dos votos, a IU obteve apenas 0,6% dos deputados, castigada por um sistema eleitoral desenhado para favorecer o bipartidismo, enquanto que o Podemos e os seus aliados quase contornavam as penalizações ao alcançarem 20,7% e o Ciudadanos, com 13,9%, sofria-as mas não numa medida tão elevada quanto a Izquierda Unida. Ao somar a IU à sua coligação, os partidários de Iglesias alteraram o resultado de 20 de dezembro, pois teriam conseguido 85 lugares, mais 14 do que tiveram o Podemos e a Izquierda Unida, em separado, enquanto que o PP baixaria de 123 para 116, o PSOE, de 90 para 88 e o Ciudadanos, de 40 para 36. São variações que se devem à divisão dos deputados com o método de Hondt no peculiar sistema eleitoral espanhol que, com os seus 52 círculos num parlamento de apenas 350 lugares, introduz consideráveis distorções na proporcionalidade.

Solução à esquerda

Ao integrar a IU na sua aliança, o Podemos já teria ultrapassado o número de votos do PSOE em dezembro, de 24,4% contra 22%, ainda que tivesse ficado com menos três deputados do que os socialistas. Assim, Iglesias teria obtido, em teoria e em votos, o famoso sorpasso (adiantamento em italiano), uma das palavras-chave desta campanha. Além disso, a coligação Unidos Podemos tem efeitos adicionais, pois contribui para mitigar o traço conservador do sistema eleitoral espanhol que, ao atribuir um mínimo de dois deputados a cada província, dá mais valor ao voto rural, favorável à direita. Em dezembro, a soma do PSOE, Podemos e Izquierda Unida superou a do PP e do Ciudadanos em 933 316 votos, mas conseguiu menos dois deputados, sobretudo pelo castigo que a IU sofreu, que só elegeu deputados na província de Madrid e deitou para o lixo mais de 700 mil votos no resto de Espanha. O Congresso parece agora que vai escorar-se mais no centro-esquerda, ainda que não se saiba em que medida, pois a divisão em 52 círculos dificulta muito as estimativas de deputados nas sondagens.

Se em dezembro a chave residia em haver uma maioria de deputados do PP e do Ciudadanos, que no final não se concretizou, agora, no meio da queda dos Ciudadanos e da ameaça de uma maior abstenção, a questão parece radicar em se Unidos Podemos e o PSOE a conseguem. Se existir essa maioria de centro-esquerda, os socialistas ficarão perante um dilema quase impossível: tanto podem deixar governar o PP, como parece querer a maioria dos poderes fácticos internos, como se pactuam com o Podemos, como poderá desejar uma maioria dos seus eleitores. Mariano Rajoy acredita que, com a independência destas somas, o PSOE se veja obrigado a claudicar perante ele, sobretudo se ficar em terceiro. Pedro Sánchez sonha com uma carambola que o mantenha na segunda posição e obrigue o Podemos a fazê-lo primeiro-ministro. Pablo Iglesias aspira a conseguir o sorpasso e a forçar o PSOE a pô-lo à frente do governo. Albert Rivera tenta erigir-se em árbitro da situação, para abrir una etapa distinta com um novo inquilino na Moncloa, colocado por ele. E pelo meio podem aparecer outra vez os partidos nacionalistas. É a nova política espanhola, que tem ainda muito da velha.

* Hombre, conho!....

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