29/06/2016

ANDRÉ MACEDO

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Catarina Farage

Talvez uma das raras características com força para juntar todas as pessoas debaixo do mesmo teto seja a convicção íntima sobre o sentido único do progresso humano. A certeza de que o mundo evolui e continuará a evoluir do ponto A ao ponto B e depois ao C e etc., numa quase inabalável rota em frente que, bem ou mal, apenas registará raros e pontuais recuos, sempre corrigidos num tempo mais à frente. 

O pessimismo e a desconfiança que definem hoje os habitantes dos países mais ricos, expressos nas críticas corrosivas aos governos e à política - nem sempre com sentido de justiça -, contrasta e convive bem com este otimismo interior estapafúrdio. 

O filósofo John Gray definiu assim esta trip coletiva: "A maior parte das pessoas acredita que faz parte de uma espécie dona do seu destino. Ora, isto é fé, não é ciência. Nós humanos não falamos de um tempo em que as baleias ou os gorilas serão donos do próprio destino. Porquê então os humanos? Não precisamos de Darwin para vermos que pertencemos à espécie animal. Basta uma pequena observação das nossas vidas para chegarmos a essa conclusão." 

O referendo no Reino Unido é o exemplo mais recente. Uma parte dos que se deram ao trabalho de votar (28% da população não encontrou tempo...) achou que se escolhesse "sair" isso não teria impacto no resultado final nem nas suas vidas - o "ficar" venceria. A tal fé na evolução permanente: eu voto sem pensar muito ou não voto, não me incomodo, não me mobilizo, não penso, castigo os políticos, culpo-os sempre, mas a força do destino é tão espetacular que tudo acabará bem. E não é que metade do Reino Unido (52%) mergulhou de cabeça numa piscina vazia, que se sabia vazia, acreditando na retórica de um lunático culto (Boris Johnson) e na demagogia de um agitador xenófobo, o talentoso senhor Farage? 

O que é extraordinário é que, apesar deste resultado lastimável e perigoso para a Europa, Catarina Martins tenha ainda assim ousado pegar na arma do referendo ainda a fumegar, ameaçando disparar à queima-roupa se Portugal sofrer sanções por ter violado o défice público em 2015. O Bloco de Esquerda não percebeu nada desta história ou então, mais provável, percebeu muito bem. Fazer um referendo à permanência na UE é sempre autodestrutivo, divide, não resolve, não esclarece, radicaliza. Bebe nos piores instintos, alimenta-se da ignorância e da desinformação. Catarina Farage? Os extremos tocam-se de novo.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/06/16

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