1912. Fundação do
Comité Olímpico Português
Novo livro de Gustavo Pires
Foi lançado, a 10 de Maio do corrente, no Salão
Nobre da Faculdade de Motricidade Humana, um novo trabalho de G. Pires.
Um estudo rigorosamente documentado, baseado em fontes impressas, uma
pesquisa minuciosa que se lê de um folgo tal o interesse que desperta e
uma escrita que conduz o leitor – não por um penoso trabalho académico,
como muitos são – mas por uma investigação que se acompanha como se de
um livro policial se tratasse. A trama gira à volta de duas questões: a
primeira, desde os finais de 1800, quando o mundo europeu começava a
mudar para aquilo que conduziria ao que conhecemos hoje, será possível
encontrar alguma relação, entre os adeptos da ginástica sueca, higiénica
e da educação física, com o fenómeno desporto? Segunda questão, qual
foi, de acordo com os documentos reunidos, a verdadeira data da criação
do Comité Olímpico Português?
Em síntese, teria existido alguma
relação entre os adeptos da ginástica sueca, higiénica e da educação
física e os adeptos do fenómeno desporto – em particular no que respeita
a criação do Comité Olímpico Português? Na sequência da criação do
Comité Olímpico Internacional (COI), que representava a vontade de P. de
Coubertin de usar o desporto como um factor de união das diferentes
nações entre si - o que viria a desencadear a criação dos Comités
Olímpicos Nacionais (CON), em que ano foi de facto criado, oficialmente,
o Comité Olímpico Português? Perante dúvidas e inexatidões, que se
levantaram desde há uns anos, quais as razões para que tal tenha
ocorrido?
Ainda que estas questões possam não interessar a todos
os adeptos do desporto e os mais apaixonados pelo desporto, elas fazem
parte do conhecimento da vida humana e social e, também, de uma cultura
desportiva. E, por outro lado, não deixam de se prender com o arranque
de uma outra realidade marcada pela vontade de transformar a população
portuguesa e, ainda, a atitude generalizada de desinteresse e de apatia
que, no geral, a dominavam. Em contrapartida, o que se propunha?
Através da iniciativa individual e coligada, também, em sociedades e
associações diversas (por exemplo, o Real Ginásio Clube Português, o
Centro Nacional de Esgrima, a Sociedade de Propaganda da Educação
Física, entre tantas outras e as associações recreativas, culturais e
desportivas, os múltiplos clubes e uniões desportivas) actuava-se no
sentido de fomentar uma profunda mudança nacional. E essa transformação
das pessoas e das coisas – o estado de marasmo dominante – segundo
aquilo que se pensava e as propostas que chegavam do estrangeiro,
nomeadamente a Suécia e a Inglaterra, mas também a Alemanha, França,
Suíça, Bélgica, e outros países – essa transformação, acreditava-se, só
seria possível ou através da educação formal, marcada pela disciplina, a
ordem, a submissão a um modelo que se apresentava como o mais avançado e
seguro nos seus efeitos por ser baseado em princípios científicos, tais
como a anatomia, a fisiologia e a mecânica ou, segundo outros, através
do desporto, factor de energia, iniciativa, coragem, determinação e
fortalecimento, um processo animado de paixões múltiplas, marcadamente
social que, através do mais puro divertimento, proporcionava um
espectáculo extraordinário, uma forma poderosa de associação, um exemplo
único de iniciativa e de imaginação, de dinamização de energias, um
poderoso factor de afirmação social.
É por toda esta agitação que a
investigação de G. Pires avança. Na dispersão das referências
informativas, das propagandas em confronto, pela ginástica e a saúde,
pelo desporto e pela vida social e colectiva, pelas sociedades que se
constituíam de cada um dos lados em oposição, pelo meio de todos os
intervenientes (poucos são aqueles que não são mencionados,
participantes a diferentes níveis e em diferentes espaços de
intervenção), a persistência do investigador prossegue a desbravar
caminho no sentido do conhecimento. Do molhe de gente interveniente,
médicos e militares são as figuras destacadas pela sua presença e
intervenção a vários níveis de que a imprensa informa e difunde uma
fecunda quantidade de artigos de opinião de especialistas das matérias
em causa: a educação física, e os seus esforços no sentido da legislação
e integração obrigatória no sistema escolar ainda incipiente em 1920, o
desporto e os seus regulamentos, as suas leis, técnicas, os primeiros
indícios de preocupação com o treino.
Empenhado no presente, e
nas dificuldades que persistem no sentido da compreensão destas
dinâmicas sociais em confronto, o autor conduz-nos por um passado do
qual organiza os dados por forma a permitir que o leitor, simples
interessado, estudioso ou cientista social, siga com vivo interesse os
caminhos e as questões, raciocínio e lógica que se alinham por forma a
clarificarem um tempo e um espaço complexo, denso e tenso. Primeira
questão, as dinâmicas em causa...interessam a alguém? Talvez não.
Talvez interessem apenas a uns quantos curiosos, a alguns apaixonados
pela história, talvez não interessem a mais ninguém. Se for esse o caso,
não é um bom sinal. A desvalorização da história, tal como o seu
branqueamento, a sua instrumentalização, podem ser perigosas. Não só
fará prevalecer o desinteresse, o indiferentismo, como – o que acontece
sempre – alimenta a ignorância. É que as perguntas formuladas - que
lançam o investigador determinado e persistente, como o demonstra ser G.
Pires, às voltas com as questões por resolver durante 16 anos, para os
caminhos da investigação – as perguntas só podem ser formuladas no seio
de um presente onde, precisamente, há coisas que não fazem sentido. Onde
é necessário estar atento, em particular, numa área social onde tanto a
impunidade, quanto o oportunismo, parecem ser um campo sem limites.
No
entanto, se a falta de interesse de uns é grave, o manifesto
desinteresse das instituições académicas pelo esclarecimento de
múltiplas questões que persistem – problemas de fundo ligados a esta
investigação, e a outras, emergem – traduzido na desatenção e na mais
completa ausência de uma genuína atitude culta, resulta na omissão, na
opção por escolhas dispendiosas, com a apresentação absolutamente
inacreditável de dados, diante de uma interpretação e explicação
ausentes. Sejamos claros: a luta de poder, de que trata a investigação
de G.Pires, entre os adeptos da ginástica e os adeptos do desporto –
como, aliás, bem refere o autor – esse jogo de poder persiste. Não
houve, ao longo de todos estes anos, mais de um século, a capacidade, a
maturidade para resolver este impasse que só pode servir pequenos grupos
em prejuízo de todos. Se então se lutava por um lugar, em cada um dos
lados, hoje o confronto desloca-se, não apenas entre a academia e os
campos dos desportos. Ela vive-se no seio da própria academia que,
fechada em si própria, voltada para os seus pequenos interesses e
intrigas, distraída das indicações apresentadas por investigadores
experientes como Alexandre Quintanilha, insistem em barricar-se na
medida, na ‘perspectiva cartesiana’, nas certezas cerradas que não
permitem a dúvida, no colocar(-)se em causa, na abertura ao conhecimento
da vida – entendida para além da sua dimensão natural, biológica,
física. A vida do humano e do social, sem a qual, justamente, os redutos
onde a discriminação e o preconceito dominam, ficam sem explicação –
conveniente. Até quando se manterá este provincianismo? Dezasseis anos
de trabalho, como é o caso deste trabalho, mereciam apoio, atenção,
investimento institucional. Onde ficou a atitude culta de tantos que nos
formaram – a todos? O desporto, a prática dos desportos, ou a sua
ausência e dificuldade de acesso, o interesse e a paixão que desperta, a
sua organização, a integração de meios e de gente de todos os
quadrantes, de todos as regiões do mundo, veja-se a unanimidade
parlamentar em matérias que – subitamente! – são despoletadas e revelam a
unanimidade no espectro político, não suscitará perguntas que só as
áreas sociais e humanas poderão tentar descobrir as razões e propor
explicações? A relação entre tudo isso e o desenvolvimento das ciências
do desporto (como são, em geral, denominadas), terão alguma relação com o
imenso impacto do desporto na vida das sociedades modernas? É que, de
acordo com Alexandre Quintanilha, que nos lembra aquilo que o desporto
nos ensina, cada um de nós não é absolutamente nada sem os outros. Os
outros todos, sem exclusão.
E no campo do desporto, no futebol
em particular, é fundamental manter os princípios de respeito pelo
adversário, pelos adversários a todos os níveis para que dessa forma
esteja, realmente, a valorizar o desporto, a servir a sociedade. Que não
se perca mais tempo com questiúnculas pois servir a sociedade, informar
e formar é uma responsabilidade dos professores, mas é também uma
responsabilidade de todos, imprensa e media incluídos. É preciso
estudar, aprofundadamente - dedicadamente. Do trabalho de G. Pires
ressalta, não só a paixão pelo desporto mas, acima de tudo, e apesar de
tudo, a vontade de servir o desporto e a sociedade. O que, diante das
dificuldades criadas, activa ou passivamente, só pode dar força a todos
para melhorarmos. E, desse modo, afirmar o poder. O nosso, genuíno – que
não precisa de destruir (ou excluir) os outros para sobressair, de se
impôr – pois é evidente.
Tal como no desporto, na academia, a
ciência e o conhecimento, o conhecimento e o saber - não podem viver em
permanente conflito. Chegará o tempo em que todos vamos saber isso. De
outro modo, ninguém avança, ninguém melhora. Ou seja, não melhoramos,
não avançamos – nem no conhecimento ou na ciência (que representa o
caminho para descobrir e compreender aquilo que não se sabe nem se
compreende) nem tão pouco no saber. Sendo o desporto um factor de
civilização, um símbolo da nossa sociedade ocidental, é preciso que
aqueles que animam os desportos e a vida social, aquilo que o permite,
sejam também estudados segundo uma atitude culta. Uma atitude marcada
pela abertura ao mundo, ao desporto, aos desportos, a todas as áreas e
níveis da vida.
A terminar, uma outra nota positiva: a editora,
a edição, o editor. Uma nova editora (Primebook) que acolhe o estudo
do desporto ao qual oferece uma edição atraente, exigente, excelente,
dirigida por um editor, Jaime Cancela de Abreu – a lembrar, quem sabe a
continuar, o trabalho pioneiro do grande editor Rogério Moura,
apaixonado pelo desporto e o único, ao longo de décadas que, contra
quase todos, investia nos estudos do desporto na sua editora Horizonte. O
apoio do Instituto Português do Desporto e Juventude, assinalado na
contracapa só pode ser louvado.
*Professora Agregada da Universidade de Lisboa, Faculdade de Motricidade Humana
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IN " A BOLA"
13/05/16
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