22/05/2016

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ESTA SEMANA NO
"SOL"
Crime em Braga: 
 empresário morto 
denunciou advogados à PJ

«Tornar-se-á mais fácil, na minha opinião, ligar todas as pessoas ao esquema montado, nomeadamente o tal Emanuel Paulino e o Pedro Bourbon. Possuo documentos que o comprovam». Foi em outubro de 2014 que João Fernandes fez esta declaração à Polícia Judiciária, depois de decidir contar tudo sobre o esquema de ocultação de bens a que a sua família tinha recorrido para evitar penhoras. Tinha perdido tudo, estava desesperado e, por isso, decidiu entregar dois dos homens que agora são suspeitos de o matar. Um deles, Pedro Bourbon, seu amigo de longa data.
 
SIMULAÇÃO

A investigação acredita que João foi sequestrado e assassinado em março por ser uma peça-chave num esquema criminoso de apropriação indevida de património. Conhecia os intervenientes, sabia muitos dos seus segredos e carregava consigo o peso de ter arrastado o seu pai e a sua mãe para a teia que lhes tirou o pouco que sobrava de uma vida de riquezas.

Os problemas com a fortuna da família começaram em 2008, quando as empresas de construção do seu pai entraram numa situação financeira que nunca mais viria a ter retorno. Por indicação de João Fernandes, consultaram o advogado Pedro Bourbon, que os aconselhou a «proteger» o património pessoal dos arrestos. Fernando e Maria das Dores, os pais, perceberam de imediato que o que lhes estava a ser sugerido não era legal, mas confiaram no plano do advogado.

Segundo a queixa-crime que viriam a apresentar mais tarde, em 2014, a partir do momento em que os bens passaram para uma ‘sociedade cofre’, a MonaHome Lda, administrada por pessoas da confiança de Bourbon, os pais de João Fernandes ficaram «nas mãos» do advogado.

Apesar do medo em embarcar nesta história, a amizade de João Fernandes com Pedro Bourbon sustentou a confiança da sua família na altura de transferir tudo o que tinha para uma sociedade que não lhe pertencia.

O contrato-promessa
Para que não fossem levantadas dúvidas sobre a venda do património à MonaHome, numa altura em que era previsível que se aproximassem arrestos – dadas as dívidas das empresas do pai – , o advogado Pedro Bourbon arquitetou um plano de que viria a gabar-se junto do seu círculo mais próximo. O objetivo era ter uma sentença de tribunal a obrigar Fernando a entregar os seus bens à MonaHome. Parece difícil? Mas não foi.

Corria o ano de 2010, quando foi acordado que a compra de todo o património – avaliado em cerca de dois milhões de euros – seria sinalizada no contrato-promessa de compra e venda pela sociedade MonaHome com um milhão de euros, sendo o resto dado na escritura. Apesar de ficar escrito que o sinal seria um milhão, só foram entregues 100 mil euros aquando do contrato (e esses 100 mil entregues a Fernando eram do próprio Fernando), havendo a promessa de que os outros 900 seriam pagos até à escritura. O que, apesar de acordado por escrito, nunca aconteceu.

Como em caso de incumprimento o vendedor tem de devolver o sinal em dobro, Bourbon deu ordens a Fernando para faltar à escritura, colocando-o assim de forma voluntária numa situação de incumprimento, que o viria a obrigar a pagar dois milhões à MonaHome. A decisão foi das Varas Cíveis do Porto. Ou seja, o pai de João Fernandes foi obrigado a entregar tudo o que tinha à MonaHome, mascarando ainda mais o plano para esconder património.

«Esta sentença foi o culminar da estratégia para esvaziamento do património pessoal», vieram a revelar mais tarde às autoridades Fernando e a mulher, Maria das Dores, acrescentando que por diversas vezes Bourbon se gabou de que «o esquema estava tão bem montado que até tinha o aval de uma sentença judicial transitada em julgado e que, como tal, era inabalável e indestrutível».

Quando ditou o seu fim
João acompanhou tudo. Até porque antes da solução encontrada para proteger os mais de dois milhões do seu pai também ele já havia recorrido aos advogados para salvaguardar créditos que tinha e aos quais queria evitar arrestos.

Os problemas surgiram a partir do momento em que Pedro Bourbon, o seu irmão Manuel e os restantes suspeitos agora detidos passaram a comandar os destinos do património da família. Entre os créditos de João Fernandes e os bens dos seus pais, estão em causa perto de quatro milhões de euros.
Tudo parecia correr bem até 2013. «O comportamento do Sr. Dr. Pedro Grancho Bourbon alterou-se radicalmente no último ano, tendo começado por protelar a entrega [a Fernando e Maria das Dores] do dinheiro das rendas dos imóveis arrendados e a venda de algum património para realizar dinheiro», lê-se na queixa-crime apresentada pelo casal em 2014, a que o SOL teve acesso.

Na mesma participação lembram que foi aí que a situação saiu do seu controlo: «O acordado seria precisamente que os participantes administrariam sem reservas o património».

Insistências e o primeiro ‘não’
Após a mudança de comportamento, os pais de João Fernandes – que terá sido sequestrado e morto em março – insistiram várias vezes, pedindo que fosse vendido pelo menos um prédio para que pudessem fazer face a algumas dificuldades: «Perante a insistência (...) Bourbon acabou por dizer que [o casal] não tinha direito a rigorosamente nada».

Enquanto bloqueava o acesso aos donos, a MonaHome ia-se desfazendo de parte do património por valores bem inferiores aos de mercado.

Quando os Fernandes souberam disso, as relações azedaram de vez. E, receando perder tudo, acabaram por se juntar a um dos credores a quem tinha tentado fugir com este esquema. Depois de abrirem o jogo, foi decretado um arresto à MonaHome tendo em conta as dívidas de Fernando à empresa desse credor a quem confessaram tudo.

Na chamada ‘empresa cofre’,a MonaHome, havia muitas incongruências: era uma sociedade com capital social de 5 mil euros, detida por dois homens da confiança de Bourbon, Luís Monteiro e Nuno Ferreira, e com um património de dois milhões.
Além disso não era a única sociedade do género ligada ao advogado de Braga, o que pode indiciar que este esquema estava a ser utilizado com diversos clientes.

Queixa arquivada
A queixa-crime apresentada em 2014 pelos lesados pedia uma investigação ao círculo de Pedro Bourbon, bem como às empresas MonaHome, Admirável Légua, Mocho Elegante, Construções Teixeira e Cunha, Tolo Investments e Construccions La Posa, por considerarem haver indícios de burla qualificada e associação criminosa. O Departamento de Investigação e Ação Penal de Braga concluiu, porém, não se verificarem os requisitos da prática de qualquer um dos crimes e decidiu arquivar.
No que toca ao crime de burla, esclareceu o MP que não podia fazer nada, uma vez que «a saída dos imóveis do domínio dos participantes foi realizada com o acordo destes». Foi aberta instrução, mas o juiz confirmou a decisão de arquivamento.

A ‘sentença’ de morte
Na sequência desta queixa-crime, João Fernandes decidiu abrir a boca e apresentar, também ele, uma participação à Justiça. Um passo difícil que só deu após uma conversa com um elemento da PJ.
«Aproveito para lhe informar que após ter estado a prestar declarações, e de uma reflexão, decidi eu próprio dar o passo de apresentar queixa-crime contra as mesmas pessoas, pelo que me fizeram a mim pessoalmente», escreveu no e-mail enviado à PJ e a que o SOL teve acesso.

As autoridades acreditam agora que foi nesse momento que esta guerra ganhou outros contornos. Além de informações sobre os outros elementos do gangue – entre os quais Emanuel Marques Paulino, conhecido como o ‘Bruxo da Areosa’ –, João tinha na sua posse uma prova de que a venda dos terrenos à MonaHome não passava de uma simulação. Isto porque a dada altura tinha conseguido que um dos sócios desta sociedade de fachada lhe cedesse por escrito algumas quotas da mesma. Na prática o documento não tinha grande valor, uma vez que não estava assinado pelos dois sócios, mas em tribunal poderia ser a chave para todo o esquema.

Sobre o ‘Bruxo da Areosa’, apontava-o como o número dois de Pedro Bourbon. «Era o mentor de burlas e esquemas que fazem, semelhantes ao que fizeram com o meu pai», contara nessa altura à PJ.

O dia em que foi raptado
O grupo, constituído pelos dois advogados Pedro e Manuel Bourbon, o ‘Bruxo da Areosa’ e outros quatro elementos ligados a cobranças difíceis, decidiu atacar a 11 de março. Segundo a descrição feita pela filha de João Fernandes, de oito anos, os homens que os abordaram estavam encapuzados e começaram de imediato a agredir com violência o empresário. A criança contou ainda que ouviu os homens gritarem «vamos matar-te». João, que estaria a ser seguido há já vários dias, terá apenas tido tempo para pedir ao grupo que não fizesse mal à filha.

Durante os últimos dois meses, os investigadores colocaram os suspeitos sob escuta e terão concluído que todos sabiam do assassínio do empresário. Em algumas chamadas, os elementos terão mesmo brincado com a esperança da família em reencontrar o empresário vivo.
Nas buscas realizadas esta semana, foram encontradas «várias armas de fogo, gorros, algemas, elevadas quantias de dinheiro e viaturas, entre outros objetos e documentos com relevância probatória».

Os arguidos continuavam ontem à noite a ser ouvidos pelo juiz de instrução.

* Que se faça justiça!

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