28/04/2016

DAVID CARVALHO MARTINS # RITA DOS REIS LOURO

.










A construção civil e os créditos laborais

Os imóveis construídos por uma empresa de construção civil e que se destinem a comercialização ficam abrangidos pelo privilégio imobiliário especial dos trabalhadores?

Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) respondeu, através de um acórdão de uniformização de jurisprudência, à seguinte questão: os imóveis construídos por uma empresa de construção civil e que se destinem a comercialização ficam abrangidos pelo privilégio imobiliário especial dos trabalhadores?
Por outras palavras, os créditos laborais de trabalhadores de empresas de construção civil gozam de uma garantia especial que lhes concede, independentemente de qualquer registo, o direito de serem pagos com preferência a outros credores do empregador?

Ora, o Código do Trabalho determina que os créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade. Numa interpretação ampla, a resposta seria afirmativa, desde que os trabalhadores estivessem funcionalmente ligados ao imóvel. Numa interpretação mais restrita, ficariam abrangidos apenas os imóveis nos quais o trabalhador preste, ou tenha prestado, de facto, a sua atividade. À partida, a jurisprudência tem admitido que esta garantia incide sobre todos os imóveis que integram o património do empregador, afetos à sua atividade empresarial, e não apenas aqueles onde certo trabalhador exerce a sua função (interpretação ampla). Esta norma causa algumas dificuldades nas situações em que não existe um local de trabalho estável ou específico (por exemplo, motorista, teletrabalhador ou trabalhador da construção civil).

Em particular, os imóveis para revenda estão também abrangidos por esta garantia especial?
Segundo o STJ, “cessada determinada obra, o trabalhador deixa de prestar aí as suas funções, mas continua ao serviço da empresa, vinculado pelo mesmo contrato de trabalho, mantendo uma ligação funcional estável com os demais imóveis afetos à atividade desta”. Assim, “será essa ligação funcional que releva e será sobre estes imóveis que pode incidir o privilégio imobiliário especial de que beneficiam os trabalhadores”.

Para o STJ, os imóveis destinados à comercialização integram o património da empresa, mas não integram a organização estável de meios. Trata-se de uma propriedade transitória na medida em que os imóveis são para revenda, ou seja, são o produto da atividade empresarial.
Por conseguinte, o privilégio creditório abrange apenas os imóveis que integram a organização empresarial estável a que os trabalhadores pertencem; ficando excluídos todos os demais imóveis, nomeadamente os que se destinam à comercialização ou revenda (Ac. STJ n.º 8/2006, de 23-02-2016 – Pinto de Almeida).

Esta decisão funda-se no necessário equilíbrio entre a proteção de terceiros de boa-fé – nomeadamente daqueles que fazem fé no registo predial – e a proteção legal dos créditos dos trabalhadores que se concretiza num conjunto de direitos e garantias (v.g. irredutibilidade salarial, impenhorabilidade parcial da remuneração, limitação à cessão de créditos laborais, responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, responsabilidade de sócio, gerente e administrador e o Fundo de Garantia Salarial).

Estes dois pontos merecem particular atenção: em primeiro lugar, este acórdão contou com nove votos de vencido, visto que a exclusão dos imóveis que, sendo propriedade do empregador, se destinam a revenda representa uma interpretação contrária àquela que resulta da letra da lei e do espírito do sistema, desprotegendo estes trabalhadores, cujos créditos ficam em maior risco de nunca virem a ser pagos em caso de insolvência; em segundo lugar, o acórdão debruçou-se sobre a norma do Código do Trabalho de 2003, mas parece-nos que mantém plena atualidade em relação ao atual Código do Trabalho.

Cumpre, por fim, deixar a seguinte questão: de acordo com este acórdão, os trabalhadores com contrato de trabalho a termo incerto com fundamento em execução de determinada obra (por exemplo, construção do prédio X) beneficiam ainda de algum privilégio creditório?

David Carvalho Martins
Docente universitário e advogado responsável pelo departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal
Rita dos Reis Louro
Advogada estagiária do departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal

IN "OJE"
22/04/16

.

Sem comentários:

Enviar um comentário