17/04/2016

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 ESTA SEMANA NA  
"SÁBADO"

Toda a história da fábrica de meias 
que ganhou a guerra dos swaps

E a da Fábrica dos Papéis dos Cunhas, a única que repetiu a proeza. Os bancos foram condenados a pagar aos clientes – num dos casos, 2,2 milhões de euros

Álvaro Costa chegou a ser um dos empresários mais bem-sucedidos de Barcelos. Na altura em que um funcionário do BBVA o visitou para lhe propor um contrato de swap, em 2008, o negócio, então com duas décadas, não parava de crescer. A Faria da Costa – Peúgas e Confecções já aquecia pés em 14 países da Europa. A fábrica produzia 20 mil pares de meias por dia e facturava 3 milhões de euros por ano. "Como corria bem, decidimos ampliá-la e fizemos um empréstimo", conta Álvaro Costa à SÁBADO. O empresário estava optimista. Afinal, iam longe os tempos em que, para exportar para a Noruega, tinha de aproveitar a viagem de regresso dos camiões que chegavam carregados com bacalhau (sim, o cheiro continuava lá).
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UM HERÓI
O swap entra na história uns dias depois da assinatura do contrato de leasing, feito para ampliar as instalações. "O funcionário do BBVA dizia que era uma forma de me proteger das taxas de juro, que estavam a subir", acrescenta. "Eu percebia de meias, não percebia de juros. Assinei." Isso havia de custar-lhe várias noites sem dormir. O acordo fixava a taxa em 4,55% – se a Euribor subisse até 5,15%, o banco pagava ao cliente a restante parte; se descesse até 3,95%, era o cliente a pagar ao banco. Quando a Euribor desceu drasticamente, o swap passou a custar entre 1.700 e 2.000 euros por mês. "Era insustentável", diz. Tentou cancelar o contrato. "Pediram-me mais de 50 mil euros. Tentei negociar, mas nunca se mostraram disponíveis." O BBVA não comenta. Álvaro não desistiu.

Durante meses, falou do caso a amigos. "Um deles sugeriu-me um advogado, que me disse que tínhamos hipóteses de ganhar em Tribunal." E ganharam mesmo. A 10 de Outubro de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça anulou o contrato de swap celebrado entre o BBVA e a Faria da Costa e condenou o banco a restituir à empresa 44,7 mil euros, mais juros e custas do processo – no total, perto de 100 mil euros. A vitória da Faria da Costa contra o banco foi histórica – até agora, só se repetiu uma vez (já lá vamos). Por isso, assim que a decisão foi conhecida, Carlos Lages, advogado de Álvaro Costa, recebeu inúmeros pedidos de ajuda. "Fui contactado por mais de 60 em presas que haviam celebrado contratos deste tipo", diz.

O banco tem (quase sempre) razão
A regra não tem sido a Justiça dar razão ao cliente. A 4 de Março, o Tribunal de Londres considerou válidos os nove contratos de swap entre o Santander e as empresas públicas Metro do Porto, STCP, Metropolitano de Lisboa e Carris. Ao todo, o Supremo já tomou posição sobre oito contratos de swap com empresas privadas – em alguns casos avaliou o negócio, noutros decidiu se seria ou não competente para julgar o assunto. Embora o fenómeno seja transversal à banca, sete destes casos são de clientes do Santander Totta. O banco diz à SÁBADO que ainda há cerca de uma dezena de outros processos a decorrer. 

As empresas têm alegado que os contratos eram "meramente especulativos", que o banco não cumpriu o "dever de informação" e que tinha havido uma "alteração anormal das circunstâncias" (ou seja, que as taxas de juro tinham começado a cair, ao contrário do que lhes tinha sido dito ser previsível quando assinaram o contrato). A maioria exigia o cancelamento dos contratos e o reembolso dos juros já pagos. Para a economista Isabel de Oliveira e Sousa, advogada estagiária e especialista em mercados financeiros, as vitórias do banco têm uma explicação: "Os Tribunais não discutiram a natureza do produto, se o que se propôs aos clientes foi ou não um swap – em muitos casos não foi, porque havia barreiras a limitar os ganhos potenciais", diz à SÁBADO. Na perspectiva da economista, os contratos "não permitiam aos clientes, de facto, cobrir o risco, quer a taxa de juro subisse ou descesse". A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) teve a mesma opinião.

Uma vitória milionária
O Santander e a Fábrica dos Papéis dos Cunhas têm versões diferentes sobre o que se passou. Alerta spoiler (ou desmancha-prazeres, em português): no fim, o Supremo dá razão ao cliente e condena o banco a devolver-lhe os 1,5 milhões de euros pagos no âmbito de três contratos swap – mais juros, claro (2,2 milhões de euros ao todo). Foi o único caso que o Santander perdeu. Pelo meio, e com a ajuda de uma liquidação de impostos de 9 milhões de euros, que ainda está a ser contestada em Tribunal, a empresa entrou em insolvência.

Os quatro filhos do fundador, que têm entre 35 e 45 anos, estavam entre os 70 funcionários. Geriam a fábrica. Um deles, formado em Auditoria, era responsável pela área financeira. Todos ficaram desempregados. Dois deles continuam nessa situação, um em Portugal, outro emigrado. O terceiro acabou por abrir um ginásio e o quarto tem um pequeno negócio de venda de artigos de papel.

"O banco também lhes disse que, subscrevendo o produto, seria mais fácil obterem um financiamento futuro", diz à SÁBADO o advogado Pedro Marinho Falcão. O Santander nunca assumiu que tomou a iniciativa de apresentar o produto ao cliente. Em Tribunal lembraria que a mesma empresa já tinha feito, ao todo, incluindo outros bancos, 22 contratos de swap, tendo obtido lucros em 14 deles.

Vários empresários descreveram à SÁBADO um processo semelhante: o banco apresentou-lhes o produto e aconselhou-os a subscrevê-lo. O Totta não comenta. O Supremo consideraria que os swaps subscritos pela Fábrica dos Papéis dos Cunhas podiam comparar-se a um "jogo de azar" – a sua natureza especulativa era uma "ofensa importante à ordem pública". Concluiria ainda que o banco "não agiu como mero intermediário financeiro".

Depois de uma primeira decisão na Justiça dar razão aos Cunhas, o Santander mudou de escritório de advogados – contratou a Uría Menéndez-Proença de Carvalho, um dos maiores do País. A primeira dificuldade com que Marinho Falcão se deparou quando começou a trabalhar neste caso foi a falta de informação: "Pesquisávamos swap no Google e não aparecia nada sobre Portugal – só casos em Itália e Espanha", recorda.

Este advogado teve em mãos quase metade dos processos de empresas sobre os quais o Supremo já se pronunciou – mas isso não lhe garantiu outras vitórias. "O tema é muito complexo". No caso de outra fábrica de papel, a Dogel, de Ermesinde, "com base exactamente nos mesmos argumentos", o Supremo tomou uma decisão contrária à do caso da Fábrica dos Papéis dos Cunhas. "No processo dos Cunhas, ganhámos com um voto de vencido. Ou seja, um juiz conselheiro considerou que, por ele, o banco ganhava o processo. Com a Dogel aconteceu o oposto – o juiz que considerou que a empresa tinha razão estava em minoria", explica. Para o Tribunal, apesar de o contrato ser "meramente especulativo", é "plenamente válido".
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200 reclamações à CMVM 
Desde 2009, a CMVM recebeu 187 processos de reclamação sobre swaps – só sete continuam por resolver, revelou o regulador à SÁBADO. Num documento da CMVM, a que a SÁBADO também teve acesso, o regulador responde a 114 reclamações de clientes do Santander Totta, sobre contratos celebrados entre 2006 e 2009. O regulador dá razão aos clientes – e é muito duro nas críticas ao banco. Reprova "o comportamento desleal" e "a violação da confiança depositada pelo cliente-investidor", cujo interesse, diz, "deveria ter sido prosseguido" e não, como a CMVM entende que foi, infligido para "obter uma vantagem pessoal (ou de terceiro)".

O regulador levanta a hipótese de ter havido conflito de interesses. É que num swap, "um ganho para uma parte implica uma perda para a contraparte". A CMVM considera ainda que o produto é "especialmente complexo, meramente especulativo" e desigual. Defende que ele implica "uma clara desproporção entre o benefício que supostamente o cliente pode receber com o produto e aquele que pode ser obtido pelo banco".

Nenhum dos 45 contratos pendentes na altura em que esta resposta foi enviada a quem reclamou (as restantes queixas tinham sido concluídas por "acordo ou desistência"), a 23 de Novembro de 2011, incluía barreiras para proteger o cliente em casos de descida das taxas de juro. Mais: a informação prestada aos clientes "não [era] clara, completa e verdadeira sobre as características e os riscos dos produtos".

O regulador também defende que a informação que constava dos contratos não coincidia com a que tinha sido fornecida antes do negócio – nomeadamente sobre a expectativa de subida da taxa de juro: "As condições do contrato não vão ao encontro das próprias previsões do Banco Central Europeu e dos analistas quanto à expectativa geral do mercado." Também nenhum desses contratos "inclui informação que permita ao cliente quantificar as perdas financeiras máximas nem determinar a ordem de grandeza do valor a pagar em caso de resolução antecipada".

O regulador concluiu ainda que, para a generalidade dos clientes, o valor dos swaps era "claramente desproporcionado face ao capital social". E dá um exemplo: uma empresa com capital social de 5 mil euros contratou um swap com valor de 5,5 milhões de euros, que resultou em perdas de cerca de 140 mil euros. Esse não foi o único aspecto em que, segundo a CMVM, houve desigualdade entre as partes: a generalidade dos queixosos tinha o 9º ano de escolaridade – ou menos. O Santander conhece o documento e enquadra-o numa fase inicial do processo. O que ali é dito, explica o gabinete de comunicação, "foi depois objecto de esclarecimentos por parte do banco". E "na grande maioria" dos casos chegou-se a acordo.

Acordos antes do Tribunal Nem todos os casos foram decididos na Justiça – alguns clientes chegaram a acordo com os bancos antes. A SÁBADO sabe que no caso do Santander foram mais de 80%. "Quando as taxas de juro desceram significativamente e as empresas começaram a ter dificuldade em cumprir os contratos, houve abertura do banco para procurar alternativas", garante o Santander.

A solução foi discutida caso a caso. Em 2010, uma empresa familiar de construção civil com um swap de 1,5 milhões de euros chegou a acordo com o Santander Totta em cerca de três meses e quatro reuniões, todas na sede do banco. Os prejuízos com o produto eram de cerca de 100 mil euros – o cliente conseguiu receber 85% desse valor. Outro empresário com quem a SÁBADO falou por intermédio do advogado, e cuja empresa tinha o mesmo prejuízo, 100 mil euros, mas subscrito há menos tempo, não conseguiu uma proposta tão boa. O banco não ia além dos 50%. O empresário recusou o acordo – vai a Tribunal.

Os entendimentos não implicaram necessariamente o cancelamento dos swaps. Num acordo fechado em 2015, uma empresa que já acumulava prejuízos de cerca de 500 mil euros (e que podiam ir até aos 10 milhões), o cliente aceitou manter estes instrumentos em troca de um financiamento de cerca de 600 milhões de euros para avançar com a construção de um empreendimento cujos espaços já conseguira vender quase na totalidade.

Miguel Coelho, secretário-geral da Associação Empresarial de Águeda, recebeu "centenas de reclamações" de empresas de todo o País e explica que os empresários – mesmo os que já têm o assunto resolvido – "têm receio de falar sobre o assunto porque continuam a necessitar de financiamento para os seus negócios". Em 2012 – muito antes de aparecerem os lesados do Banco Espírito Santo – empresas que subscreveram estes produtos no Santander criaram o emaillesados@gmail.pt, para avançarem com acções judiciais colectivas. Agora, o endereço está desactivado. Um promotor da iniciativa disse à SÁBADO que muitos desses negócios, na maioria familiares, acabaram por falir. No ano seguinte, a palavra swap foi finalista da Palavra do Ano, da Porto Editora.

* Antropofagia bancária, quase é melhor ter o dinheiro debaixo do colchão.

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