04/03/2016

MARTA CRAWFORD

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E quando se responde 
ao silêncio…

Querido Júlio,

Não se escrevem repostas ao silêncio. Talvez sim… A velocidade dos dias vividos apressadamente levam-nos frequentemente a cometer falhas graves que acarretam interpretações pelas quais não nos podemos queixar. O atento, o atencioso, o cuidadoso não se esquece e por isso deve tropeçar em menos interpretações do que o esquecido ou a esquecida, neste caso. Por muito que possa justificar o que se passou, de facto, a carta não seguiu para norte. Ficou presa nas intenções. Seguiu para destinatário diferente. Mil desculpas, desta lisboeta que o estima.

Não se escrevem respostas ao silêncio? Direi que sim. Nem que seja com um falso monólogo, para fazer crer ao outro que respondeu à «resposta» que não teve, fazendo-o agir. Seria bom poder responder sempre aos silêncios que fomos deixando que acontecessem nas nossas vidas, nas nossas relações. A Maria está chateada com o Rui, e já nem lhe apetece responder. A seguir a um resmungo dele, entredentes, vem o silêncio e, perante o silêncio dele, instala-se o dela. Seria diferente se ela lhe respondesse? Penso que sim. A resposta é uma oportunidade que promove uma resposta, uma atitude, uma ação, um pedido de desculpa.

Quando pensamos que já não vale a pena responder, é nesse preciso momento que devemos ir mais longe e aventurar-nos. Acredito que todos temos dentro de nós um marinheiro que ambiciona navegar por águas nunca «d’antes navegadas», mesmo que nos falte a Amália na voz e tenhamos medo do escuro. Por mais que achemos que já sabemos o que nos espera, que já adivinhamos a resposta, na verdade podemos ser mil vezes surpreendidos com o resultado. Responder com silêncio ao silêncio nem sempre é sinal de esquecimento, de desinteresse ou de indiferença. É muitas vezes sinal de falta de coragem, de medo, de falta de iniciativa.

A Filipa foi surpreendida pela Ana com as suas três prioridades para a vida. A primeira dizia apenas respeito a si própria; a segunda dizia respeito, eventualmente, às duas; e a terceira implicaria o acordo de ambas. Se a primeira dificulta a segunda, talvez a segunda impeça a terceira e tudo acabe em bem. Mas o melhor é manter o silêncio, pensava a Filipa. E será que o facto de se remeter ao silêncio sobre as prioridades do outro quer dizer que concorda ou discorda? O que pensará o outro do silêncio? Será que mesmo não falando o silêncio não influencia a conduta de ambas? Se eu quero ter um filho e tu não o desejas, deverei continuar contigo, sabendo que isso é importante para mim e não para ti? Será que quero, mas não tenho pressa, e por isso o que quero não interfere no que ambas queremos para já, e depois logo se verá? E quando chegar o momento de decidir? Será que o desencontro entre duas vontades se resolve com o silêncio?

«O que um não quer, dois não podem.» Ouvi esta expressão algures, já não me recordo do seu autor, mas faz sentido. E se o outro não quer o que eu desejo, devo privar-me do que quero ou devo forçar o outro a querer o mesmo?

IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
28/02/16

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