23/03/2016

FILIPE LUÍS

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O caso das missas nas escolas

Será que, aproveitando a estada de Marcelo em Roma, os sacerdotes da laicidade politicamente correta o queriam entregar aos leões?... Já estivémos mais longe...

Desta vez não serão os filmes bíblicos que passam na televisão, tão repetidos como as comédias portuguesas dos anos 40, que nos recordam que vem aí a Páscoa. Esta semana, fomos lembrados dessa quadra religiosa pela Associação República e Laicidade, através do protesto contra a realização de missas católicas nalgumas escolas públicas do Norte do País. Este tipo de discussão é como os filmes bíblicos: repete-se ciclicamente nas manchetes dos jornais ou nos fóruns de opinião das rádios e canais televisivos de notícias, com temas candentes como o da proibição, ou não, do crucifixo nas escolas. Feliz do despreocupado País que não tem mais nada com que se ralar...

O Ministério da Educação do Governo do PS apoiado por toda a esquerda parlamentar, insuspeito, portanto, de beatice, lembra que a tradição dos festejos religiosos nalgumas escolas visadas, dura há mais de 20 anos, e que a celebração de missas faz-se no rigoroso princípio da não exclusão de ninguém - leia-se, de não crentes ou dos que professam outra fé. Assim, só participam os alunos devidamente autorizados pelos pais, enquanto os outros se ocupam com outras atividades extra-curriculares, providenciadas pela escola. Muitos preferirão, por exemplo, jogar à bola no recreio... Mesmo assim, de uma forma um tanto ou quanto jacobina, a Associação referida denuncia esta prática "incompreensível na escola pública de um Estado laico" achando, pasme-se,que esta prática coloca em causa "a laicidade do Estado". Que exagero!

Mas que laicidade tão frágil, que corre perigo, só porque uma ou duas escolas disponibilizam espaço para que alunos crentes participem numa celebração religiosa (pressupondo-se que a possibilidade está aberta a qualquer outra religião).

Outras vozes insurgem-se contra o facto de que outros ritos, de outras religiões, possam ser excluídos. Calma: para já, a Páscoa é um período com raízes em festividades judaicas, celebrado pelos católicos. Quando for altura, por exemplo, do Ramadão, falaremos, neste caso, dos alunos muçulmanos...
Entendamo-nos: vivemos numa república laica e ainda bem que assim é. O Estado não deve patrocinar a catequização de nenhum cidadão num rito qualquer, não deve promover a prática de qualquer religião nem favorecer ou discriminar com base em crença religiosa. Assim como não deve reprimir os que praticam uma ou outra religião. Isso, aliás, está defendido na Constituição e perfeitamente consagrado na lei, pelo que não existe qualquer questão religiosa nas escolas. Precisamente por não existir qualquer questão religiosa é que proibir, em condições transparentes, a celebração da Páscoa católica em instalações escolares, é perfeitamente desnecessário. Da mesma forma, permitir que outros credos, igualmente sem interferir na atividade letiva, possam ser autorizados, nalgumas datas especiais, a desenvolver atividade em instalações escolares, também não me parece que possa ofender uma laicidade e uma república seguras de si...

A Igreja Católica perdeu força e influência e tornou-se, hoje, um alvo fácil. A vigilância anti-religiosa, ou melhor, anti-católica (mas muito mais tolerante, por exemplo, com o Islão...), identificada com uma certa esquerda, tem os tiques de uma espécie de inquisição ao contrário. O que, a prazo, pode revelar-se contraproducente para a própria causa da laicidade.

As redes sociais estão cheias disso. Veja-se a pancada que o Presidente da República levou, por causa do ósculo ao anel papal, na recente visita ao Vaticano. Alegadamente, Marcelo Rebelo de Sousa, ao beijar a mão do Papa Francisco, teria subalternizado o Estado português à tutela do Vaticano, pondo em causa a laicidade da República... Onde isto já vai! Marcelo representa o Estado português, é verdade, mas não foi o Estado português que beijou o anel do Papa. Foi o cidadão crente Marcelo Rebelo de Sousa, cumprindo um gesto normal para qualquer católico (fé que o ex-candidato Marcelo nunca escondeu ao longo da sua vida nem em campanha eleitoral). Um pouco de bom senso e flexibilidade é o suficiente para ilibar o PR desse "pecado" lesa República, à conta do qual a Santa Fogueira do facebook o fez arder, durante dias seguidos.

Ou será que, aproveitando a estada do Presidente em Roma, os sacerdotes da pretensa laicidade politicamente correta o queriam entregar aos leões?... Já estivémos mais longe...


IN "VISÃO"
18/03/16


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