13/03/2016

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ESTA SEMANA NA
"DELAS"

Endometriose
“Estarei doida? Serei fraca?
 Serei mariquinhas?”

Sempre tive dores menstruais. Desde os 11 anos. Todos diziam que era normal. Aos 15, comecei a tomar a pílula para regular as menstruações e por picos anémicos devido à perda de sangue por longos períodos de tempo. Foram várias as pílulas. Mais tarde, para além das dores menstruais, comecei também a ter dores nas relações sexuais.
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Tinha 21 anos quando casei a 8 de março de 2008. Estava cheia de planos para o futuro. Sonhava ter filhos… Dois meses depois começaram as idas às urgências: dores abdominais e pélvicas muito fortes. Quando as dores coincidiam com a menstruação, os médicos diziam-me que a solução era engravidar; fora do período menstrual, as dores eram apendicite ou infeção urinária – doenças nunca confirmadas por análises ou exames. Fui encaminhada para um hospital público de referência em ginecologia. O médico disse que o que melhor se encaixava na minha sintomatologia era a endometriose. Fiz indução de menopausa durante seis meses.

Doença psiquiátrica?
Já em agosto de 2009 realizei uma cirurgia que viria a confirmar a endometriose. Cinco meses de melhorias e voltou tudo novamente: dores exuberantes, idas ao hospital, mais exames, novas terapêuticas. Como nada resultava, seguiu-se uma segunda cirurgia, em julho de 2010. Três meses depois dei entrada no hospital com hemorragias, imensas dores e ninguém me conseguia explicar como era possível. Continuei com a indução da menopausa. Nesta fase, as dores já se tinham alastrado para a coluna e para a perna direita. Todos os médicos diziam que não existiam causas plausíveis para estes sintomas e que não poderiam ser causados pela endometriose.

Nesta fase surgiam-me várias perguntas: Estarei doida? Serei fraca? Serei mariquinhas? Serei hipocondríaca?
No hospital decidiram que o melhor seria fazer um tratamento de fertilidade para engravidar. A lista de espera era muito grande e o desespero era muito. Decidi pedir uma segunda opinião. O médico particular que consultei achou muito estranha a minha história. Depois do exame ginecológico e de uma ressonância à coluna disse-me que engravidar não era o mais indicado e que achava que eu tinha endometriose do nervo ciático. Referiu ainda que em Portugal não havia forma de tratamento e que o único médico que operava este tipo de situação estava na Suíça.

Falei sobre tudo isto ao médico-cirurgião do hospitalar que me tinha operado. “A Tânia é muito nova, esta doença é muito perturbadora e às vezes as dores que permanecem são psicossomáticas, eu tenho um amigo psiquiatra e gostava muito que a visse” – foi a resposta dele. Será que o médico tinha razão? Eu estava era com problemas psíquicos?! Entretanto, a dor na perna piorou ao ponto de começar a coxear. Decidi regressar ao médico de infertilidade do hospital privado e pedir que me ajudasse. Como não tinha um diagnóstico certo e o meu médico-cirurgião do serviço público não concordava que eu tivesse qualquer tipo de problema, o estado português não financiaria o tratamento no estrangeiro.
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Desesperada, em março de 2011 decidi ir por minha conta a uma consulta na Suíça, com o Professor Doutor Marc Possover, neuropelveologista e ginecologista. Disse-me que tinha de ser operada, por ter uma compressão do nervo ciático, causada pela endometriose. Mandou-me parar com a terapêutica que estava a fazer de indução da menopausa e tomar um medicamento que só existia na Alemanha.

De volta a Portugal e com a ajuda do médico de infertilidade do hospital privado consegui comprovar este diagnóstico. Através de um centro hospitalar público e com o apoio de uma médica dedicada e especializada em endometriose, para quem fui encaminhada pelo médico privado, consegui ser operada em junho de 2011 na Suíça. O resultado da cirurgia foi estrangulamento do nervo ciático a nível do glúteo e da coluna, por varicoses, devido a mal formações vasculares e fibroses pela endometriose. Depois da cirurgia voltei a tomar pílula contínua e fiquei sem conseguir mexer a perna direita. Estive de cadeira de rodas durante uns meses, fiz reabilitação, recuperei parte dos movimentos da perna. Quando estava a retomar a minha vida normal, voltaram as crises de dores intensas. Em dezembro de 2011 dei entrada nas urgências devido a dores exuberantes e a fortes hemorragias.

Fui procurar a médica especialista em endometriose que tratou do meu processo para ir à Suíça. Após novos exames e terapêuticas, avançamos para uma nova cirurgia e fui então operada – a quarta vez – em fevereiro de 2012, onde me foram retiradas fibroses, aderências dos ligamentos útero-sagrados e diversos focos de endometriose.

Reforma aos 27 anos
Mais uma vez fiquei bem durante pouco tempo. Voltaram as dores fortes, as idas às urgências. No final do verão voltaram as dores na perna direita que foram sempre piorando. Em 2013, após meses de muita agonia, de dependência em morfina e de muita dependência física – ao ponto de necessitar de ajuda para tomar banho, não conseguia andar, não tolerar os lençóis, nem meias, nem sapatos, nem a água do duche –, decidi arriscar e colocar um neuroestimulador neuromedular com o objetivo de inibir a passagem de dor melhorando assim a mobilidade. Seguiram-se três cirurgias para ajudar a diminuir a intensidade das minhas dores e para eu voltar a andar, mesmo que com a ajuda de canadianas. No final de contas, fui reformada por invalidez. Com apenas 27 anos senti, mais uma vez, que a endometriose me estava a roubar tudo.

Além da situação extremamente dolorosa da perna, mantive sempre quadros agudos e bastante intensos de contrações pélvicas, como se estivesse em trabalho de parto. Foram imensas idas às urgências por dor excruciante no abdómen e pelve. No verão de 2014, desenvolvi ainda contrações intensas da bexiga e do intestino. O ponto crítico deu-se no final de agosto em que já tinha de ser algaliada e em que todos os dias perdia imenso sangue do intestino. Perante este quadro, decidimos avançar com uma cirurgia inovadora de bloqueio do plexo hipogástrico, que foi sem dúvida uma dádiva: consegui voltar a ter um funcionamento normal da bexiga e do intestino.

Na passagem de ano de 2014/2015 fiz outra intervenção inovadora de paralisação do meu útero com Toxina Botulina, o que também – finalmente e felizmente – teve um resultado excelente e permitiu, após tantos anos, o controlo das contrações uterinas.

Voltei foi a sentir dores intensas na perna direita. Concluiu-se que deveria haver novas compressões do nervo ciático e que o melhor seria regressar à Suíça. Mas após ouvir diversos médicos que acompanham o meu caso, decidiu-se que o mais sensato seria ir a uma consulta a Santander (norte de Espanha) a um médico especialista em tratar ciáticas de origem não discogénica.

Novamente, por minha iniciativa, fui à consulta com Dr. Perez Carros, em julho de 2015. Verificou-se que mais uma vez há compressão do nervo ciático e que necessitava de fazer uma artroscopia da anca, por síndrome do glúteo profundo, com o objetivo de melhorar em 75% a dor e em 30% a locomoção, sendo esta cirurgia mais simples e menos invasiva do que a que realizei na Suíça em 2011. Neste momento, se não tivesse o neuroestimulador não teria qualquer mobilidade da perna direita. Contudo, como o nervo estava extremamente estrangulado, o aparelho já não era suficiente para que não sentisse dores constantes e conseguisse movimentar-me devidamente. Era necessário recorrer a esta nova cirurgia.

Campanha solidária
Este tipo de intervenção não existe ainda em Portugal. Infelizmente, a equipa médica que me acompanha, por diversos motivos, não conseguiu enviar-me para Espanha, através do programa que há no SNS.
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Um grupo de amigos juntou-se e criou um movimento solidário chamado “APOIA A TÂNIA – DE SALVATERRA A SANTANDER COM A ENDOMETRIOSE”, para angariar o dinheiro necessário para fazer a cirurgia. Em um mês conseguiram mais do que esse valor.

Fui operada a 30 de setembro de 2015, em Santander. Na cirurgia descobriu-se que, afinal havia várias compressões e por isso a cirurgia foi mais extensa e era suposto ter uma recuperação muito lenta, muito dolorosa e prepararam-me para a possibilidade de ficar com perda total e permanente de movimentos no pé direito. Por indicação médica, às oito semanas, deveria iniciar a recuperação motora, mas apenas e somente em meio aquático. Mais uma vez, pelo SNS não havia possibilidade pois não havia nenhum centro capacitado de meios aquáticos e que me permitisse fazer uma recuperação intensiva ao estilo de Cuba.

Devido à grande onda de solidariedade, conseguiu-se ultrapassar significativamente o valor necessário para a cirurgia e, por isso, o dinheiro que sobrou seria para eu usar na minha recuperação. Após pesquisas intensivas, telefonemas e várias questões, decidi que o único sítio que poderia conceder-me tal recuperação seria um centro termal específico em Portugal.

Entrei nas termas de cadeira de rodas, sem qualquer tipo de movimento no membro inferior direito, com muitas alterações de retorno venoso e de sensibilidade. Hoje, após quatro meses, o milagre aconteceu: estou a andar sem qualquer tipo de apoio, sem qualquer tipo de ajuda! SIM, SOZINHA!!…

Infelizmente a endometriose é mais teimosa e chata do que eu – e acreditem que sou bastante teimosa – e já tenho novos focos. Num futuro próximo uma nova batalha irei travar com esta minha “amiga”.

Ainda procuro o meu final feliz e quero acreditar que um dia ele vai chegar. É esta esperança que me mantém de pé todos os dias e não me deixa baixar os braços na procura de respostas para o meu problema, que até ao momento, é único no país, devido à sua complexidade.

* Testemunho de Tânia Santos, 29 anos, de Foros de Salvaterra de Magos.
Uma senhora de muita coragem!

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