08/02/2016

PEDRO MARQUES LOPES

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A epifania de Passos

Apesar das promessas de que não iam existir cortes de salários e pensões, feitas a poucos dias das eleições, ninguém pode dizer que Passos Coelho não disse ao que vinha. Tanto durante a campanha eleitoral como antes em declarações públicas, o líder do PSD foi absolutamente claro: o seu programa pouco ou nada tinha que ver com a história do partido, com a matriz social-democrata que sempre teve. Foi ele próprio que, em entrevista ao Expresso, em maio de 2011, não hesitou em concordar que a social-democracia no PSD não passava dum resquício histórico. Mas nem seria preciso afirmá-lo de forma tão clara, bastava ler o livro que escreveu, ou o projeto de revisão constitucional que apadrinhou ou as declarações dos seus compagnons de route: Passos Coelho meteu a social-democracia na gaveta. E, há que dizer, era uma atitude absolutamente defensável, clara e que representava uma pedrada no charco no ambiente político português, em que os dois principais partidos pouco se distinguiam nas opções fundamentais.

Foi assim uma opção claramente assumida, anunciada e concretizada - apesar de ter sido de maneira pouco esclarecida e dando a ideia de que só se tinha lido a badana dum livro de liberalismo para totós. Declarações que o programa da troika era o programa do governo e que era mesmo preciso ir para além dele, as profissões de fé na liberdade de escolha na educação e na saúde - que definem em larga medida um desinvestimento no serviço nacional de saúde e na educação pública -, as privatizações a todo o transe e sem qualquer tipo de critério que não o de deixar qualquer tipo de setor fora do alcance do Estado - mesmo monopólios naturais ou empresas estratégicas como a ANA ou a REN -, o olhar para o Estado como um mal necessário foram linhas condutoras, entre muitas outras, que não tinham nem têm rigorosamente nada que ver com o mais pálido pensamento social-democrata.
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Nada de mais surpreendente, face ao exposto, que ver agora Passos Coelho a escolher como slogan para a sua recandidatura a presidente do PSD, "Social-democracia, sempre".
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Tentando antecipar-se à evidência da realidade da sua governação, alguns dirigentes do PSD vieram dizer que tinha havido a necessidade de deixar de lado a cartilha social-democrata por causa da crise. A própria ideia de uma ideologia servir para uns tempos mas não servir para outros diz tudo sobre a convicção com que se defendem valores políticos.
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Passos Coelho e a sua equipa sabem, pelo menos, duas coisas: que o que permitiu manter grande parte do eleitorado habitual do PSD foram algumas características pessoais do líder - capacidade de decisão, força, resistência à adversidade - e que estas, sendo muito importantes numa eleição, não chegam para fazer sair o partido desse eleitorado.
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Mais, a passagem do tempo fará que a perceção daqueles aspetos da personalidade do ex-primeiro-ministro se dilua. E, nessa altura, mais significado e importância terão as escolhas ideológicas. Manter a agenda liberal, que definiu Passos Coelho como candidato e como primeiro-ministro, não chegará, quando as eleições ocorrerem, para captar sequer o eleitorado que agora o PSD conseguiu manter. Quer se queira ou não, a grande maioria do eleitorado é de centro, considera que o Estado tem um papel importante a desempenhar e rejeita programas marcadamente de direita ou de esquerda. 
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Só circunstâncias muito especiais, como o cansaço absoluto com José Sócrates e o desejo de mudança nas eleições de 2011 e a desastrosa campanha de António Costa, a competentíssima estratégia da máquina de spinning do PSD que convenceu as pessoas que as opções do governo eram inevitáveis e a personalidade de Passos Coelho fez que o discurso liberal de badana ganhasse em 2015. E, mesmo assim, com aquele que terá sido o segundo pior resultado de sempre do PSD.
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Por outro lado, os atuais dirigentes do PSD pressentem que, com o encostar do PS ao lado esquerdo, a bandeira social-democrata pode entreabrir-lhes as portas do centro.
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O efeito da eleição de Marcelo é outro indicador que leva a esta cambalhota ideológica. Marcelo é agora a principal figura da área do PSD e está muito longe do que era até agora - pelo anunciado - o pensamento de Passos Coelho. Com um discurso de centro, rejeitando muitas das ideias da anterior governação, falando de desigualdade, de proteção dos mais desfavorecidos, da necessidade dum forte sistema nacional de saúde e de escola pública, rejeitando a conversa do "piegas" e das "zonas de conforto" conseguiu mais 410 mil votos do que o PSD e o CDS juntos. Digamos que ter um PSD com um discurso ideológico diferente dum presidente da República que foi seu líder - e é das suas figuras de referência - não seria sustentável.
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Não parece possível atingir a maioria absoluta com um discurso como o que o PSD teve nos últimos cinco anos, e se há coisa que os novos tempos políticos anunciaram é que não mais se poderá governar sem esse tipo de maioria.
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Uma coisa é o que o PSD foi de 1974 a 2011, outra o caminho que Passos Coelho escolheu nos últimos cinco anos. Resta saber se os eleitores acreditam que Passos Coelho teve uma epifania e renasceu como social-democrata. Convenhamos, não será tarefa fácil.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
07/02/16

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