24/01/2016

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ESTA SEMANA NO
"OJE"

“A fiscalização, e consequentes penalizações, continuam a falhar”

Salvador e a sua Associação conhecem como poucos a causa da Mobilidade Reduzida. Por ela, lutam há mais de uma década e em várias frentes. Tudo em prol de uma maior igualdade de oportunidades. 

Quando, em 2003, cria esta Associação com o objetivo de promover a integração das pessoas com deficiência motora na sociedade e melhorar a sua qualidade de vida, que país encontrou? Portugal era então um país ativo e solidário para com esta causa?
No meu entender, Portugal sempre foi um país solidário com as causas sociais. 
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No entanto, nessa altura, existia um maior desconhecimento e discriminação relativamente às pessoas com deficiência. Antes de ter sido adotada a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência na Assembleia Geral das Nações Unidas em finais de 2006 (foi depois ratificada por Portugal, em 2009), a deficiência era percecionada como uma característica inerente à pessoa (ex.: falta de visão, locomoção, falta de audição, etc.). Depois da Convenção, passou a existir uma nova abordagem na qual a deficiência é o resultado da interação entre a pessoa e o meio em que está inserida. Penso que foi um ponto de viragem e um alerta para a sociedade. De facto, se forem criadas acessibilidades, igualdade de oportunidades no acesso ao ensino e ao mercado de trabalho, se não existir preconceito, as pessoas com deficiência motora conseguem viver uma vida perfeitamente normal. Nos últimos dez anos, tem havido uma evolução e um aumento da solidariedade; no entanto, existe ainda um longo caminho a percorrer, para se passar da palavra à ação.

Há pouco mais de uma década, quais eram as maiores necessidades das pessoas com deficiência motora? E em que áreas a sociedade revelava as maiores lacunas?
As principais lacunas são criadas pela sociedade e consistem na falta de acessibilidades e no preconceito, devido ao desconhecimento que existe em relação às capacidades das pessoas com deficiência motora.

Os acessos aos edifícios públicos e privados, sobretudo aos que têm serviços em áreas cruciais como a saúde e o ensino, e as condições da via pública foram sempre os que mais se evidenciaram pela negativa. Continuam a ser focos problemáticos?
Esta continua a ser, sem dúvida, uma área onde há muito por fazer. Apesar de existir um decreto de lei de 2006 que obriga os espaços a tornarem-se acessíveis, sendo o prazo limite para adaptação o final deste ano de 2016. É certo que continuam a ser realizadas obras, nascer edifícios e a abrir espaços sem acessibilidades e a fiscalização, e consequentes penalizações, continuam a falhar.

E no contexto da luta pelas acessibilidades nasceu o site Portugal Acessível? Em que consiste e em que medida ajuda as pessoas?
O Portugal Acessível é um guia que disponibiliza informação sobre acessibilidades físicas em diferentes tipos de espaços, desde alojamento, restaurantes, praias, a outro tipo de serviços. Tem dois objetivos essenciais: por um lado, sensibilizar os espaços para a importância de serem criadas acessibilidades, uma vez que os mais de 3.500 espaços foram visitados presencialmente, e por outro, disponibilizar informação fidedigna às pessoas com deficiência motora sobre locais que podem frequentar sem os habituais constrangimentos com que se defrontam no dia a dia.

E ainda nesta área, apostaram no projeto Lisboa Acessível, aprovado no Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em 2012. Como tem evoluído? Que balanço é possível fazer?
O projeto Lisboa Acessível, que submetemos em 2012 ao Orçamento Participativo da CML, pretende constituir o exemplo daquilo que deve ser uma cidade acessível. 


Escolhemos um eixo central da cidade de Lisboa, entre Entrecampos e o Marquês de Pombal, e propusemos que se tornasse livre de barreiras: passadeiras rebaixadas, passagens de autocarro acessíveis e remoção de obstáculos no passeio. Apesar de o regulamento prever que os projetos aprovados têm 18 meses para se concretizar (maio 2014), apenas agora as obras começam a avançar e com alterações introduzidas pela CML face ao projeto inicial. Estamos desiludidos com a demora, até porque foi um projeto submetido por um conjunto de nove parceiros (instituições relacionadas com a deficiência), mas muito expectantes.

A estas áreas juntou ainda a área do emprego e trabalha ativamente na inclusão das pessoas com deficiência no mercado laboral. Como são recebidas estas pessoas no mercado nacional?
Algumas entidades não se encontram tão abertas a uma empregabilidade inclusiva como seria desejável, o que se deve, por vezes, à falta de acessibilidade dos edifícios ou desconhecimento relativamente à deficiência motora e implicações que esta pode ter na execução de um trabalho. Felizmente, temos tido também bons exemplos de empresas com políticas de integração profissional mais inclusiva, com quem temos vindo a trabalhar, como a L’Oréal e a SAP. Temos verificado através da nossa intervenção, que a sensibilização detém um papel importante no que diz respeito à desmistificação da ideia pré-concebida de que deficiência está intrinsecamente ligada ao conceito de incapacidade. Isto leva a que haja cada vez mais uma maior abertura à integração profissional de pessoas com deficiência motora no mercado de trabalho. Esperamos continuar a contribuir ativamente para uma maior igualdade de oportunidades para estas pessoas e para um mercado de trabalho mais inclusivo e alerta para os aspetos relacionados com a responsabilidade social.

A Associação tem levado as suas lutas até aos decisores políticos? Na sua perspetiva, o que importa e urge ver melhorado através da intervenção do Estado?
Temos abordado os decisores políticos relativamente a vários temas. Considero que os mais prioritários são aqueles cuja mudança pode conduzir a uma vida mais independente das pessoas com deficiência motora: Acessibilidades – é o eterno tema que continua na ordem do dia. Continuam a ser criados espaços sem acessibilidades, a lei prevê demasiadas exceções e existem graves lacunas na fiscalização; Assistentes pessoais – possibilidade de as pessoas com deficiência poderem escolher entre ficar em casa com assistentes pessoais ou ser institucionalizados (o valor que o Estado despende por cada pessoa com deficiência num lar poderia, em alternativa, ser utilizado para pagar a um assistente pessoal para que a pessoa possa viver em sua casa, com a sua família, uma vida normal); Acesso ao mercado de trabalho – muitas das pessoas com deficiência beneficiárias de pensões, não ponderam voltar ao mercado de trabalho pela dificuldade que teriam em retomar novamente a pensão caso fiquem desempregados. Este é um tema que tem que ser simplificado; Valores reduzidos das pensões face às elevadas necessidades das pessoas com deficiência.

Diante de todo este cenário, a Associação foi concebendo e pondo em prática outros projetos que se estendem tanto ao desporto e à sensibilização de empresas como a apoios materiais. Quais os principais projetos em curso?
Atualmente, a Associação Salvador atua sobretudo em três áreas nas quais apoia diretamente cerca de 300 pessoas por ano com deficiência motora. Na Integração, através da atribuição de apoios diretos a pessoas com deficiência motora carenciadas (criação do próprio negócio e formação, obras em casa, desporto); na Integração Profissional (sensibilização de empresas, acompanhamento e encaminhamento de candidatos); na Promoção de Desporto Adaptado (dez modalidades); e eventos de convívio.
Também atuamos na área da Sensibilização, realizando palestras em escolas de todo o país, promovendo a prevenção rodoviária, e ainda criámos uma série televisiva.
Na área do Conhecimento, promovemos a compilação e partilha de informação através de conferências sobre temas relacionados com a deficiência motora, manuais informativos e estudos.

E para tudo isto, a Associação tem de contar com mecenas, parceiros e outros apoios. Apesar da crise, este apoio tem-se mantido?
A sustentabilidade da Associação Salvador é garantida pela consciência social das empresas, instituições e da população em geral. É crítica a participação de todos, pois é pela junção de esforços que se conseguem as verdadeiras mudanças. As empresas privadas e instituições continuam a ser os nossos principais financiadores. No entanto, apesar de haver um núcleo principal que se tem mantido, como a Fundação Calouste Gulbenkian, Liberty Seguros, Locarent, Novo Banco, REN, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e Semapa, os valores têm vindo a ser reduzidos pelo que temos que cada vez mais desenvolver outro tipo de iniciativas, como a aposta na campanha de consignação do IRS ou a campanha “Barrete Azul”, que desenvolvemos recentemente na altura do Natal.

Neste novo ano, por onde vão passar as lutas da Associação?  
Vamos continuar a nossa luta por uma sociedade mais inclusiva, na qual as pessoas com deficiência possam ter
uma participação plena. O nosso objetivo é tirar as pessoas de casa, potenciar os seus talentos e capacidades e torná-las mais ativas e independentes em todas as vertentes: social, desportiva e profissional. Por outro lado, continuaremos o nosso trabalho de sensibilização da sociedade para acabar com o preconceito e criar igualdade de oportunidades.
Uma das áreas em que vamos apostar cada vez mais é a da integração profissional, através da sensibilização das empresas para as capacidades das pessoas com deficiência e da orientação das pessoas com deficiência motora para uma procura ativa de emprego.

* Um trabalho da jornalista SÓNIA BEXIGA

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