17/01/2016

ARTUR PEREIRA

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Corrupções

Lembram-se do concubinato com Ricardo Salgado? Marcelo Rebelo de Sousa, no exercício das funções de Presidente da República, é muito mais perigoso e maior fator de instabilidade do que Cavaco Silva alguma vez foi.

Isolado, sem estar integrado e fazendo parte de todo um programa politico global sustentado em profundas alterações e reformas, do ponto de vista da distribuição da riqueza, do desenvolvimento económico, de mais justiça social, de melhor educação e formação cívica, de criação de hábitos de usufruto das artes e cultura, o combate à corrupção é apenas manchete de tabloide.

Sem uma efetiva compreensão do fenómeno da corrupção, das suas raízes culturais e históricas e ramificações financeiras, sem uma apropriada capacidade de meios técnicos e de investigação, e legislação eficaz adequada aos tempos e ao modo, o combate à corrupção torna-se parte manipulável do próprio agente corruptor.

Não existe um programa político sério sem ter como referência o combate à corrupção, mas a corrupção não pode ser por si só um programa político.

Se a corrupção for apresentada como a razão e origem de todos os males sociais, e que terminando com a corrupção tudo ficará bem, estamos no grau zero da demagogia, a democracia corre perigo e o estado totalitário espreita.

São as políticas de exploração, as injustiças sociais e económicas, a errada distribuição de riqueza, o vazio cultural e a promoção do efémero e uma justiça pesada e ineficaz que são o campo fértil onde nasce e prospera a corrupção.

O discurso contra a corrupção é em essência, muitas vezes, um discurso básico de conteúdo, provinciano, populista, a raiar o infantil no que respeita aos argumentos, hipócrita, manipulado e seletivo na informação.
Os fascistas italianos, em 1922, tinham a luta contra a corrupção como bandeira; em 1933, os nazis seguiram-lhes o exemplo; e essa foi também a cartilha dos falangistas de Franco em 1936.

Para todos eles, a democracia, os parlamentos, os deputados eleitos, os partidos políticos e sindicatos eram fomentadores de corrupção. Sabemos o que aconteceu a seguir.

A corrupção é um fenómeno que tem de ser tratado com determinação, seriedade e coragem. As generalizações e campanhas como as de Paulo Morais não são só uma oportunidade perdida, são meros exercícios de demagogia.

São ataques inconsequentes à democracia e às suas instituições, sendo objetivamente úteis ao corruptor.
O facto de as suas declarações de identificação do património imobiliário terem zonas opacas, não referindo um conjunto de dados essenciais que permitem avaliar o seu real valor, e de só ter entregado a obrigatória declaração de rendimentos de cessação de funções dez anos depois de ter deixado a Câmara do Porto, em 2005, não ajuda à transparência da retórica do candidato.

Marisa Matias, confrontada se tinha votado favoravelmente no Parlamento Europeu a intervenção militar externa na Líbia, afirmou de forma perentória que votou contra e sugeriu a consulta das atas. As atas confirmaram que, efetivamente, votou a favor. Teria sido mais simples admitir o lapso. Agora, não só errou ao votar a legitimação da intervenção militar como mentiu ao negar que o tivesse feito.

A forma como entendemos os nossos erros e ainda tentamos retirar vantagem deles também é uma forma subtil de corrupção.
A minha intransigência em relação a uma esquerda snob e pateta, que sobrevive ansiosa por ser reconhecida nos antípodas como inteligente e respeitável, todos os dia se intensifica.

É bem verdade que, na sua maioria, estas inúteis alimárias, que só têm peitinho e tagarelo para zurzir na esquerda séria que é a sério, nos intervalos dos projetos falidos, mantêm uma excitada admiração por vetustos exemplares de direita que bitolam de sobredotados.

Bom, diga-se em abono da verdade que não sabemos exatamente que parte do corpo dos admirados eleitos é que as prosaicas criaturas cobiçam com nota máxima.

Não sei o que é mais dolorosamente caricato, se assistir ao candidato da direita esganiçar-se que é independente e que é da esquerda da direita – o desespero e a falta de noção do ridículo revelam um burlesco Marcelo no seu esplendor –, se observar os dislates de uns desamparados rabaceiros esquerdistas a cantar hosanas ao adversário político.

Não tenham receio nem peçam desculpa por votar contra o professor, não só por razões ideológicas, mas também pelo seu trajeto político e comportamento ético.

Lembram-se da defesa das políticas de direita no que respeita à redução das prestações sociais? Lembram-se da posição na campanha do referendo da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, com direito a vídeo no YouTube? Lembram-se da posição sobre o salário mínimo? E sobre o Serviço Nacional de Saúde, recordam-se? E do concubinato com Ricardo Salgado, esqueceram-se? E do conselheiro de Cavaco, lembram-se? E das mentiras reiteradas que diz com a leveza de uma graçola que, pelos vistos, tanto vos deleita?

Marcelo Rebelo de Sousa, no exercício das funções de Presidente da Republica, é muito mais perigoso e maior fator de instabilidade do que Cavaco alguma vez foi.

Para isso, precisa de ter neutralizado e iludido uma parte do povo de esquerda, coisa que foi realizando ao longo de anos de rábulas nas televisões, como numa hipnose telegénica.

Não precisava de falar para a direita, que o reconhecia como filho. Era para uma esquerda perdida entre o acessório e o fundamental que Marcelo durante anos fabricou o boneco de “um tipo de direita afável, igual a nós”.

É essa esquerda que candidamente o acha muito “simpático, amigo dos animais, com um lado brincalhão quase infantil”, e que, se não fosse cá por coisas, até votava no professor.

Num pátio onde quase todos são primos, já comeram alguém da família ou dormem com o inimigo, onde nunca se sabe se a palavrinha impressa hoje não vai ser o aborrecimento de amanhã, e onde, quando se cruzam, os camafeus logo regurgitam um “tenho uma grande estima pelo senhor doutor”, compreendo que não é fácil andar ereto.

Mas tenham vergonha, e assumam-se pelo menos uma vez como, já não digo de esquerda, mas pelo menos da direita da esquerda, e vamos lá a cumprir o dever cívico sem que a mão trema ou a consciência hesite. Não é caso para isso.

IN "i"
14/01/16

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