02/12/2015

PEDRO MARQUES LOPES

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A ver vamos

1- Bastava ter lido e ouvido os praticamente unânimes elogios à composição do novo governo para se perceber uma ânsia de normalização política. Não é que não existam legítimas dúvidas em relação a escolhas para alguns ministérios. Mas, e não negando o equilíbrio que me parece existir entre conhecimento das diversas áreas e capacidade política do novo executivo, o aplauso às escolhas de António Costa indicam mais vontade de fechar o período de turbulência por que passámos nos últimos meses do que propriamente a ideia de que estaremos perante um governo à prova de bala.
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Marcelo Rebelo de Sousa - que mostra a cada passo que será como Presidente o oposto absoluto de Cavaco Silva - resumiu bem o sentimento: "Os portugueses estão fartos do clima de crise e de brincar ao cai não cai do governo." Mesmo gente que embarcou na história da ilegitimidade e da golpada se mostra disposta a dar o que todos os governos formados à luz dos princípios democráticos devem desfrutar no início dos seus mandatos: o benefício da dúvida.
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É bom, aliás, que o PSD e o CDS percebam rapidamente que o discurso da ilegitimidade pode ter consequências muito negativas para eles próprios. Em primeiro lugar porque, apesar de a comunidade parecer estar radicalizada, toda a gente percebe que não será bom para ninguém viver em crise política permanente e que é primeiro preciso avaliar, pelo menos, os primeiros atos de governação. Como diria o antigo Cavaco Silva: deixá-los trabalhar.
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Em segundo lugar, quanto mais cedo o PSD e o CDS montarem um discurso político alternativo e de verdadeira oposição melhor. Há quem defenda nesses partidos que se deve apostar tudo em tentar derrubar este governo mesmo antes de poder haver eleições mantendo o discurso da ilegitimidade. Mas será um enorme erro político: não só porque caso isso não aconteça - e é quase impossível isso suceder, logo que seja aprovado o primeiro orçamento - o PSD e o CDS ficam sem discurso, mas também porque, sobretudo, o PSD é um partido com responsabilidades específicas. Ninguém ia entender uma posição mais própria de partidos revolucionários, parecida com aquela que tem sido até agora a do BE e do PC, que mal perdem eleições pedem logo outras.
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Em terceiro lugar, não é possível conciliar a linha da ilegitimidade e de tudo chumbar (como foi anunciado precipitadamente) com as linhas programáticas e ideológicas do PSD e do CDS. Em aspetos que digam, por exemplo, respeito aos compromissos europeus o eleitorado desses dois partidos não ia entender eventuais votos contra.
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Isto, aliás, remete-nos para uma novidade quase absoluta da nossa democracia: uma verdadeira centralidade política do Parlamento. A verdade é que sempre foi no seio do governo que as mais importantes questões políticas se resolveram. Os partidos que apoiavam o governo limitavam-se a receber ordens e a agir em conformidade. Não será, como é óbvio, a realidade que vamos ter pela frente. E apesar de essa situação poder ser vista como recomendável sob o ponto de vista da representação e da transparência, exigirá uma enorme capacidade negocial, processos de decisão mais lentos e levará a que as maiorias formadas não sejam, em várias situações, as que geraram este governo.
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No fundo, a obrigatoriedade permanente de negociar é um dos preços a pagar por António Costa por não ter conseguido, como teria sido desejável, levar o BE e o PCP para o governo. E, seja por incapacidade ou falta de vontade, não irá ajudar nada ter formado um governo em que a maioria dos elementos estão longe de ser esquerdistas e sem uma única figura sequer vagamente próxima dos bloquistas ou comunistas. Temos, assim, um governo suportado no Parlamento pelas esquerdas mas formado por gente do centro.
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A solução governativa é frágil, o desafio de reverter o caminho seguido até aqui é muito complicado, os acordos necessários a uma ação coerente e sólida serão difíceis e de geometria variável. A ver vamos.
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2- Outro dos maiores desafios à durabilidade deste governo prende-se com a autonomia estratégica que cada partido tem de ter, sabendo que a essência de uma organização partidária reside na defesa de um património político e ideológico. Face à atual situação e ao que teremos pela frente, em termos muito simples, o eventual sucesso deste governo será, no futuro, um problema eleitoral, nomeadamente, para o BE - não será necessário discorrer sobre as características do eleitorado que flutua entre os socialistas e bloquistas.
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Por outro lado, uma colagem absoluta do CDS e do PSD trará problemas graves à sobrevivência do CDS. Não é em vão que o PSD parece ter em alguma medida já assumido o seu papel de normal oposição e o CDS continua com um discurso muito exaltado. Tendo a PAF acabado no momento da tomada de posse de António Costa, o CDS não pode assumir-se como seguidor cego do PSD, terá de redesenhar as suas linhas vermelhas e isso terá, como é natural, consequências na sua relação com o PSD e com o PS. Um partido só sobrevive se as pessoas perceberem que tem bandeiras diferentes das dos outros e, quer se queira quer não, o primeiro mandamento de um partido é a sua própria sobrevivência.

IN "DIÁRIO  DE NOTÍCIAS"
29/11/15


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