08/12/2015

PAULO TRIGO PEREIRA

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Uma nova legislatura, 
um melhor parlamento?

1. A democracia é votação e participação (a aplicação da regra da maioria num sistema político com pesos e contrapesos) e deveria ser também deliberação no espaço público.  Acabo de escrever num livro a ser reeditado “A razão pela qual a deliberação, e não apenas a votação, é tão importante em democracia é que dá estabilidade às decisões políticas pois funda-as num conhecimento e numa argumentação sólida. Se determinada decisão política está bem fundamentada em conhecimento técnico e numa argumentação livre e equilibrada no espaço público, resiste de forma muito mais sólida a eventuais mudanças sucessivas nas maiorias parlamentares. Se, pelo contrário, a decisão política apenas se baseia numa maioria política conjuntural, sem efetiva deliberação no espaço público, essa decisão durará apenas enquanto durar essa maioria e será revertida a seguir. No caso de reformas estruturais de longa duração, maior a importância da reflexão crítica, do contraditório, do bom diagnóstico e da análise das alternativas viáveis, quer no espaço político quer no da cidadania." Esta ideia aplico-a obviamente a este como a todos os governos e tem várias implicações. Apesar da legitimação política democrática total que resulta simplesmente de ter a esquerda (PS-BE-PCP-PEV) uma maioria de mandatos na Assembleia, é importante reforçar essa maioria democrática numa maior força argumentativa. Depois, é importante ter uma noção das decisões políticas de carácter mais estrutural, das de caráter mais conjuntural e sobre as primeiras deve ser dada muito maior importância à fundamentação quer de análise, quer de debate argumentativo no espaço público. Finalmente, é importante distinguir o que são propostas relativamente consensuais das que não são, e neste caso se estão ou não no programa do governo do PS.  

2. A nova maioria de esquerda rejeitou um governo PSD-CDS. Rejeitou-se a continuação de um governo que convive bem com o aumento das desigualdades e a pobreza; com a decadência das condições de fornecimento de serviços públicos e a degradação  dos serviços do Estado; que desconfia deste, que acha que o privado é sempre (não às vezes) melhor que o público, mesmo na prestação de serviços públicos; que ignora a noção de activos estratégicos do Estado e acha que se conseguiria saldar a dívida pública com a sua venda; que considera que somos recebedores de instruções de Bruxelas e não parceiros europeus. Mas não basta a rejeição de políticas para construir uma nova maioria, plural é certo, numa nova legislatura. Será preciso visão estratégica, percepção da diferença em relação ao outro, estar alerta para riscos orçamentais, cooperar e ter um novo modus operandi parlamentar. Apenas dois exemplos ilustrativos. A possibilidade de procriação medicamente assistida (PMA) a todas as mulheres, é um tema que consta do programa do XXI Governo, mas para o qual o PCP necessita mais tempo. Conforme terá dito Paula Santos do PCP (Publico 26/11): "Afirmamos a nossa inteira disponibilidade para aprofundar este debate, para aprofundar a nossa reflexão colectiva e para aprofundar também a reflexão com as associações e entidades, o meio académico e científico". A PMA baixou à comissão parlamentar, sem votação. Outra iniciativa legislativa, desta vez pela mão do PCP e do Bloco de Esquerda é a proposta de abolição das provas de admissão na carreira docente para docentes (a PACC) introduzida num governo PS. O que consta do programa do governo é a suspensão da prova e proceder “à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Países que têm dos melhores sistemas educativos do mundo, como a Finlândia, apostam na qualidade da formação de professores e têm semelhante prova.(1). É uma matéria que exige maior deliberação, e esse é o aspeto comum à anterior iniciativa da PMA. Há, porém, uma diferença entre as duas iniciativas legislativas: a primeira está explicitamente no programa de governo e a segunda não.

3. Escrevi aqui que a “pressão para a supressão das medidas extraordinárias, quer de aumento da receita quer de diminuição da despesa, é enorme.” (Público 12/04/15).  De forma algo compreensível vários sectores profissionais almejam por melhores condições de carreiras ou remuneratórias. O programa do governo é claro em relação às medidas mais importantes e incorpora as medidas dos acordos. Como é sabido houve cedências. É importante que os partidos à esquerda do PS tenham a perfeita noção de que não há margem orçamental para acomodar medidas adicionais que agravem o saldo orçamental. Tanto mais que a herança com que se iniciou este governo é, ao contrário do que o anterior governo quis fazer crer, ainda bastante pesada. O peso da dívida pública no PIB, perto dos 128%, é um dos maiores do mundo. Este, e o problema do crescimento e do melhor emprego, são os problemas a resolver nesta legislatura no contexto português e europeu.

4. Sejamos claros, esta nova maioria de esquerda propicia certas reformas, com um governo duradouro de legislatura, e impede ou dificulta outras, nomeadamente as que necessitam maioria qualificada. Propicia a transparência, simplificação  e requalificação do Estado; a promoção dos direitos individuais e sociais. Promove uma nova cultura democrática de inclusão, que poderá ser alastrada a Espanha, que com a França e a Itália serão certamente mais pró-activos na alteração da governação económica da zona euro e na promoção de estratégias de crescimento e emprego na União. Uma das reformas que está, infelizmente, excluída do acordo, porventura por má interpretação da proposta do programa do PS, é a alteração do sistema eleitoral. Isto resulta de se pensar, erradamente, que ela diminui a proporcionalidade, afectando os pequenos partidos. Outra medida estrutural difícil de implementar é a introdução da moção de censura construtiva, pois exigiria revisão constitucional. Em relação às reformas adiadas, ou a temáticas que merecem reflexão alargada na sociedade (e.g. segurança social, justiça, dívida pública) seria bom aproveitar a legislatura para que se realizem bons estudos, diagnósticos com propostas alternativas. Aqui o papel da sociedade civil (Institutos, Fundações, etc.) é fundamental na promoção do debate público e político.

5. Paradoxalmente o parlamento não é o lugar da deliberação pública que seria desejável, e há certamente lugar a grandes melhorias que dependerão dos políticos, mas também dos media. Os políticos são atores racionais e comportam-se influenciados pelo impacto das suas intervenções. Se um deputado faz uma intervenção a arranjar cognomes ao Ministro das Finanças e se os media reproduzem isso, na próxima vez ele, ou outro, arranjará diferente sound bite. Mas se ao invés os media se ativerem a questões de substância e não a sound bites certamente que a qualidade do debate parlamentar melhorará e a democracia agradecerá. Depois há a questão da educação, civilidade e respeito mútuo que existe em qualquer indivíduo de uma família ou organização, e que, sendo largamente maioritária, não é porém universal entre os deputados. Dentro dos apartes, distingo três níveis crescentes: o primeiro perfeitamente aceitável desde que exercido com moderação, o comentário, crítico ou jocoso; depois a insinuação ou desconsideração pessoal; e finalmente o insulto. Não havendo análises empíricas, suspeito que que haverá respectivamente 85%, 13% e 2% de cada tipo. Reduzindo, o peso da segunda e terceira categorias, talvez simultaneamente melhore a imagem do parlamento bem como do seu funcionamento. Nunca é demais frisar, que o comportamento dos deputados e a ajuda dos media serão essenciais para a  dignificação e eficácia dos trabalhos parlamentares.

*Professor do ISEG/ULisboa e deputado do PS.

IN "PÚBLICO"
07/12/15

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