07/12/2015

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HOJE NO
"OBSERVADOR"

Portugueses saem de Angola:
 a salvação já não é aqui

No colégio de Sofia metade dos alunos portugueses saiu. As empresas não têm como pagar os ordenados e até no Facebook se tentam trocar kwanzas por dólares ou euros. Quem não pode mais, volta.

Sofia Ferreira está em Angola há quase cinco anos. Vive em Viana, a cerca de 20 quilómetros de Luanda, onde é educadora num colégio que a própria criou. “Quando abri o colégio a maioria dos alunos eram portugueses. Hoje, a maioria são angolanos. O nosso ano letivo reabre, tal como em Portugal, em setembro. Mantivemos muitos dos alunos portugueses inscritos até aí, mas de setembro até agora muitos deles foram embora.”
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Muitos dos pais destes alunos trabalhavam na construção civil, a maioria deles em construtoras portuguesas, como a Somage, Mota-Engil, Teixeira Duarte ou Soares da Costa, garante Sofia. “Mas como as obras públicas do Estado angolano pararam, as empresas tiveram que dispensar trabalhadores, outros têm salários em atraso. E vão regressando.” Mesmo os que continuam empregados também partem. “A maior parte dos trabalhadores portugueses em Angola e que trabalharam, por exemplo, em empresas portuguesas e de construção civil, tinham o ordenado depositado diretamente em Portugal, em euros, e as ajudas de custo, na alimentação, no alojamento, eram pagas em kwanzas em Angola. Agora é tudo pago em kwanzas. E por norma a transferências demora uns dois meses a ser feita. Às vezes mais, dependendo dos bancos. E essa espera não é compensadora.
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Houve mais mudanças. Muitos dos portugueses que passaram a receber em kwanzas trocavam-nos por dólares no banco. E viajavam com eles de cada vez que vinham (ou que tivessem quem viesse) a Portugal. “Sim, era possível viajar com dólares. Até 10 mil por pessoa. Era necessário ir ao banco, apresentar o bilhete de viagem, e dizer que se queria comprar dólares para viajar. Antes, por lei, tínhamos direito a 10 mil dólares por adulto e mais 2 mil e 500 por criança. Mas há mais de um ano que não viajamos com dólares. Não há nos bancos”, explica Sofia.


Comprar dólares na rua… 
Mas havia. Nos bancos e nas ruas. “Em Angola, quando cá cheguei há mais de quatro anos, havia tantos dólares quanto kwanzas a circular. Por exemplo, se eu pagasse em kwanzas uma despesa, podia receber o troco em dólares.” Agora, só nos kinguilas.

O que são os kinguilas? “Os kinguilas são mulheres. Sobretudo mulheres. Parece que estão na rua a passear mas estão a vender dólares. São quase como os traficantes de droga. Quem quer, sabe sempre em que rua encontrá-los. E se pararmos os carros, vão logo a correr perguntar se queremos dólares. Por norma, o câmbio é mais do dobro do que seria nos bancos. E há portugueses que precisam mesmo do dinheiro e pagam. Mais vale pouco que nada.”
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No fundo, 0s kinguilas representam o mercado paralelo de câmbio, mas é uma atividade aceite no país. “Aquelas pessoas estão na rua, não se escondem da polícia. É um mercado que é tolerado. Com a escassez de dólares, as pessoas recorreram ao mercado informal. É como o arroz. Se há escassez de arroz, as pessoas vão comprá-lo ao mercado informal e vão pagar o que os vendedores pedirem por ele.” Carlos Rosado de Carvalho é jornalista económico em Luanda. E recorda que o negócio dos kinguilas esteve quase a desaparecer, mas regressou com a saída do dólar de circulação no país. “Quando a taxa de câmbio era boa não havia kinguilas”, salienta.

O problema é que agora, mesmo na rua, os dólares escasseiam e são muito caros. Se nos bancos 150 kwanzas compravam um dólar, na rua são precisos 270 kwanzas para o mesmo valor. O segundo problema é que o kwanza é “dinheiro de monopólio”, como classificou ao Observador um português que trabalha em Luanda. Os kwanzas só servem para usar em Angola, não se podem tirar de lá e não valem em mais lado nenhum do mundo. “O que acontece é que as pessoas que têm toda a sua vida aqui têm poucos problemas, pagam tudo em kwanzas. Pior é para quem tem despesas para pagar em Portugal, porque não recebe nem dólares, nem euros“, sublinha. E para quem está nesta situação, há duas hipóteses: ou espera que os bancos façam o câmbio, e isso está a demorar entre 90 a 120 dias — enquanto há dólares para isso — ou troca os kwanzas na rua e basicamente duplica o valor das suas despesas, uma vez que precisa de duas vezes quase mais kwanzas para comprar o mesmo valor de dólares, tal como fazia nos bancos.
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E não são apenas os trabalhadores que tentam arranjar dólares a alto preço. Os próprios empresários já recorrem ao mercado paralelo para conseguirem fazer face às despesas que têm. Porque também eles se vêem entre a espada e a parede, uma vez que muitos trabalhadores portugueses têm contratos que prevêem que a maior parte do salário seja transferida diretamente para Portugal. Então, novamente, das duas uma: ou os donos das empresas esperam pelo tempo que os bancos demoram a efetuar as transferências (os que ainda as fazem) — provocando atrasos nos salários que vão dos 90 aos 120 dias — ou tentam trocar os kwanzas no mercado paralelo, e basicamente um trabalhador passa a custar-lhes o dobro.


… ou no facebook 
Mas os kinguilas, com a crise do petróleo e a falta de divisas, não ressurgiram só nas ruas. Surgiram onde não tinham surgido antes: nas redes sociais. Mais concretamente no Facebook. Há dólares, euros – e tudo se troca, em Lisboa ou Luanda, por kwanzas. Estão ali, em grupos privados e à distância de uma mensagem, os negociantes e os que procuram, desesperadamente, quem negoceie consigo. E negoceiam-se desde centenas a milhares de euros e dólares. Às claras.

80 mil com ordenados em atraso?
Angola foi, por anos a fio e durante a última década, um paraíso para as empresas portuguesas investirem e para muitos portugueses emigrarem em troca de salários que nunca iriam conseguir obter em Portugal. Foi uma tempestade perfeita: a crise em Portugal convidava a sair; o dinheiro que por cá escasseava,  na petroeconomia angolana havia a rodos, e o Estado angolano, com a economia em expansão, queria gastá-lo, queria crescer. E crescer envolvia construir tudo o que anos e anos de Guerra Civil destruíram ou impediram que se construísse.
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As construtoras civis disseram presente, tinham a mão-de-obra qualificada, tinham os meios e o saber, e avançaram para Angola, rapidamente e em força. Mas como qualquer petroeconomia, quando a cotação do petróleo nos mercados cai, tudo se desmorona em seu redor. Foi o que aconteceu nos últimos longos meses. As obras que deviam ter arrancado, não arrancaram. As que se deviam ter concluído, não se concluíram e arrastam-se ad aeternum, a conta-gotas. Mas o pior são os ordenados que não aparecem nas contas bancárias em Portugal.

O Sindicato da Construção Civil em Portugal fala em mais de 80 mil trabalhadores portugueses, só neste setor, com ordenados em atraso. O número representa quase 40% de todos os trabalhadores nacionais da construção civil em Angola. O sindicato culpa a crise petrolífera. Recorde-se que o barril de crude vale hoje 47 dólares (44 euros) quando no ano passado, por altura da elaboração do orçamento do Estado de Angola para 2015, estava a valer 81 dólares.

Albano Ribeiro, o presidente do Sindicato, garante que “há situações muito, muito complicadas” nesta altura e fala de “dois a seis meses” de salários em atraso. Em muitos dos casos, os trabalhadores, afirma o sindicalista, “nem têm dinheiro para regressar a Portugal de avião”. E outros há que “se vierem a casa pelo Natal, como vêm quase sempre, não voltam a Angola de certeza”. Albano Ribeiro terá sido contactado, segundo diz, por muitos destes trabalhadores, que pediram ajuda ao Sindicato, mas ainda não se reuniu com as empresas, com quem já terá solicitado o agendamento de reuniões.
 
Governo português acha 80 mil demais 
Fonte governamental contactada pelo Observador garante que nem a Embaixada Portuguesa em Angola nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros ou a Secretaria de Estado das Comunidades receberam qualquer pedido de ajuda. “Mas o Governo tem procurado saber, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, se são ou não 80 mil os portugueses em dificuldades e como é que se chegou a esse número. Esse número não nos parece ter fundamento”, refere a mesma fonte.
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A primeira responsabilidade, garante, é de quem emprega. “A primeira responsabilidade, se há ordenados em atraso, é das empresas. Os trabalhadores se têm um contrato de trabalho, têm que valer-se dele. É uma questão jurídica. Se tiverem dupla nacionalidade, como há muitos que têm, é a lei angolana que prevalece. Se são portugueses e as empresas são portuguesas, é a lei portuguesa. Mas não é uma competência do Governo. O que podemos é fazer diligências consulares e diplomáticas. Não temos poderes nas entidades empregadores. Nem nos trabalhadores.”

O presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, Reis Campos, não desmente os números avançados pelo Sindicato, mas garante que a crise no setor da Construção Civil não é nova e que terá começado no primeiro trimestre do último ano. “Com a descida do petróleo as autoridades angolanas disseram logo que isso ia ter consequências. O que ninguém esperaria é que fossem consequências tão duradouras.”

Reis Campos fala em “reajustamento”, no caso das maiores construtoras, e de “regresso” no caso das “milhares” de pequenas empresas que trabalham no setor. “As empresas que foram para lá e sofreram logo o impacto da crise do petróleo, voltaram. Essas decidiram logo voltar. Mas as outras, as que tinham obras em curso que duram dois ou três anos, não voltaram. O que não há é nenhuma empresa que tenha o mesmo número de pessoas que tinha antes.”
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E os ordenados? Esse é outro problema. É que as empresas deixaram de pagar em dólares e passaram a pagar ordenados somente em kwanzas. “Tudo se complicou quando os trabalhadores não tiveram mais como converter os kwanzas em dólares, quando este foi retirado de circulação nos bancos. Muitos trabalhadores saem de Angola porque não lhes compensa fazer as conversões nos mercados informais. Perdem muito, muito dinheiro. E as empresas também não conseguem converter kwanzas em dólares para si mesmas. Não há como pagar aos fornecedores fora de Angola em kwanzas.”

A fonte do governo garante que “há outro problema” e que, esse sim está mais que confirmado. “O de haver empresas portuguesas a operar em Angola que efetivamente não têm sido pagas pelo Estado angolano. E, havendo essa dívida, elas não têm como pagar aos trabalhadores. Há empresas nacionais com salários em atraso, como há empresas angolanas com salários em atraso. E os empregados não conseguem receber nem retirar de lá o dinheiro. Não conseguem.”

Apesar de tudo, Reis Campos não acredita num regresso em massa das empresas e dos trabalhadores a Portugal. Até porque a razão de estes terem ido para Angola foi precisamente a crise portuguesa. “Não haverá uma debandada das empresas. As empresas foram para lá com uma visão de futuro, uma ótica de longo prazo e a maioria tem aguentado. Esperam que isto dê uma volta. Nós não nos podemos esquecer que as empresas foram para lá porque tinham problemas cá. O setor decresceu 43,8% nos últimos cinco anos. E perdeu 36 mil empresas e 262 mil trabalhadores. O que as empresas me dizem é que têm uma perspetiva positiva. As empresas manifestam uma vontade de continuar. Têm confiança neste mercado. Acham que é uma situação anómala, mas que é transitória. São empresas que estão há muitos anos em Angola.” Mas deixa um aviso: “Se estivermos numa situação destas muito tempo, que é desgastante todos os dias, podemos chegar a uma conclusão diferente.”

Por que deixou de haver dólares em Angola?
“Angola não comprava dinheiro diretamente à Reserva Federal norte-americana. Os bancos angolanos não têm acesso ao Bank of America. O que acontecia é que os americanos vendiam notas ao First Rand, um banco sul-africano, que por ser vez as vendia aos bancos angolanos. E o Bank of America informou o First Rand que não podia vender mais notas a Angola. Angola importava cinco mil milhões de dólares anualmente desde 2011. Em 2014 foram quatro mil milhões. Havia mais dólares do que kwanzas em ciruculação. E havia quem se aproveitasse de tantos dólares em circulação para os comprar. Foi por isso que o Bank of America, com receio de ser multado pela Reserva Federal, fechou a torneira. Diz-se que muito do dinheiro que chegava a Angola era intercetado no Médio Oriente. E podia estar a financiar o terrorismo”, explica Carlos Rosado de Carvalho, jornalista de economia em Luanda.
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Esta interrupção no fornecimento de dólares é consequência de uma decisão da Reserva Federal dos Estados Unidos, que suspendeu a venda de dólares a bancos sediados em Angola por considerar que havia uma sistemática violação das regras de regulação do sector. Terão sido também detetadas práticas de branqueamento de capitais, envolvendo somas anuais de milhões de dólares.

Carlos Rosado de Carvalho prefere ser optimista e vê aqui uma chance para “desdolarizar” a economia. “Não havia razão para importar tantos dólares.” Mas mais do que de dólares, a economia angolana está dependente de petróleo como de pão para a boca. “O petróleo, quando estava a 100 dólares o barril, representava entre 70 a 80% das receitas do Estado. Se cai para metade isso tem que ter consequências gravíssimas, porque 95 por cento das exportações de Angola advêm do petróleo. Há uma petrodependência. Mas isso não é uma doença. Se nós temos febre, tem que haver uma causa para a febre. E a causa da febre é a falta de concorrência na economia angolana. Não há diversificação.”
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O ECONOMISTA DO REGIME
O jornalista aponta soluções. Mas são soluções que demoram décadas, não meses. “A economia de Angola depende no curto prazo da evolução do preço do petróleo. Se o petróleo não aumentar a economia não avança. No médio-longo prazo é preciso diversificar a economia para outros setores. As políticas de diversificação que têm sido propostas não têm resultado. Angola tem tudo: agricultura, agro-indústria, indústria, minerais como o ferro e não só diamantes, e é tempo de os empresários escolherem. O desafio de Angola é transformar o potencial em realidade. Mas enquanto o preço do petróleo não aumentar as coisas não vão melhorar.”

Carlos vê no regresso dos portugueses, não só da construção civil mas de todas as áreas, não só um problema do petróleo, mas também da falta de divisas. “Há pessoas que não têm que regressar. Pessoas que até têm emprego. Mas estão a ganhar em kwanzas e não têm como transferir o dinheiro para os países de origem. Os canais bancários não se fazem ou são muito demorados. Mas têm a sua vida normal cá e podem ir ao mercado informal comprar dólares. Mas indo ao mercado não lhes compensa estar em Angola. No mercado informal estão a pagar o dobro do que pagariam no banco. O kwanza não é uma moeda transferível. Nem para Portugal, nem para Espanha, nem para país nenhum.”

* A notícia explica muito bem como o cacique zé du explora bem os portugueses a par dos angolanos. Nem um ceguinho, exceptuando os empresários portugueses conluiados com o ditador, podia acreditar que daquele país pudesse vir alguma coisa de bom para os trabalhadores portugueses que para lá foram dar o litro, há seis anos que dizemos que Angola não é o "el dorado". Ai aguentam, aguentam!

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