24/12/2015

ANTÓNIO BARRETO

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Heranças

Vem numa linha directa de trapalhadas sucessivas. O Banif, cujas acções, agora suspensas, valiam, durante uns dias, 0,0006 cêntimos, parece ser apenas mais um tropeção bancário a inscrever-se numa lista bem recheada e que inclui pelo menos o BPN, o BPP, o BES, o Novo Banco e o BES Mau. A estes, talvez fosse justo acrescentar o BCP, nos seus piores dias, aqueles em que o governo intervinha por intermédio da CGD, com a ajuda de alguns dirigentes políticos e de bancários improvisados ou capitalistas de passagem. Se olharmos para todos estes bancos, que em conjunto representariam uma fatia excepcionalmente importante do sistema financeiro português, veremos que pelo menos meia dúzia dos seus dirigentes se encontra actualmente em situação delicada. Uns são arguidos, outros estão presos, quase todos aguardam julgamento, outros ainda esperam por resultado do recurso. Ainda hoje não sabemos sequer se serão julgados, muito menos se vai haver prescrições. Mas certo é que são muitos os arguidos e os condenados.
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No tempo dos governos de esquerda, intervinha-se descaradamente nos bancos, nomeavam-se amigos e as entidades públicas emprestavam dinheiro a indivíduos para especular e intrigar em bancos privados. Nos tempos da coligação de direita, governo e Presidente da República ofereciam aos depositantes e aos contribuintes garantias de confiança que não souberam, não puderam ou não quiseram cumprir. Nos tempos de ambos, esquerdas e direitas, os governos faziam o possível por mostrar que nada tinham que ver com a banca, que era coisa dos accionistas, da União e do BCE. Ou do Banco de Portugal, como se este fosse alienígena. E havia uma evidente esquizofrenia. O governo intervinha e condicionava, mas dizia que nada tinha que ver com isso. Os cidadãos, com receio de ter de pagar pelos desastres, queriam que o governo interviesse e assumisse as suas responsabilidades. Esperavam não ter de pagar as favas, isto é, ficarem os depositantes sem depósitos, os accionistas sem capital e os cidadãos sem impostos.
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O actual governo de esquerda está evidentemente metido numa embrulhada de todo o tamanho. Já disse a todos que podem ter calma e que não haverá sarilhos, maneira inconfundível de dizer que vai haver. Já garantiu todos os depósitos dos clientes do Banif. E já ameaçou os accionistas e os contribuintes de que talvez tenham de pagar os estragos. Como ser equitativo, isto é, como tratar de modo igual os accionistas, os credores, os investidores e os depositantes de todos os bancos, é coisa que não sabe nem calcula.
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Há dez ou vinte anos que uma grande parte da banca portuguesa, associada a uns punhados de políticos trapaceiros, tem vindo a escrever uma das mais negras páginas da história económica e financeira do nosso país. Quando terão os portugueses direito a saber tudo o que se passou nesta longa história bancária? Quando conhecerão, com os nomes, os políticos responsáveis por esta inacreditável sucessão de desastres? Quando saberão, nominalmente, quais foram os banqueiros, bancários e capitalistas que tiveram directa intervenção, com eventuais ganhos, nesta trapalhada? Quando será possível distinguir entre incompetentes e salafrários?
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Este enorme sarilho, com pelo menos três legislaturas e outros tantos governos, tem a assinatura de diversos autores, banqueiros, capitalistas e dirigentes políticos de vários partidos. Traduz um entrosamento de política e negócios inaceitável num Estado de direito e ameaçador da democracia. Transita e agrava-se de governo em governo. É uma herança cada vez mais pesada. Passam os défices e os prejuízos, as perdas e os desfalques, mas também as cumplicidades, a incompetência e a promiscuidade. Sem ruptura e sem justiça, tudo ficará na mesma. Isto é, pior.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
20/12/15

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