09/12/2015

ANA CRISTINA SILVA

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"Bitcoin" 
- O tratamento em IVA

"Bitcoin" é uma divisa virtual. É usada, principalmente, para efetuar pagamentos na internet quer entre particulares, quer em algumas lojas online. Mas, em alguns países já começa a ser aceite também em estabelecimentos ditos tradicionais, como na restauração e em outras prestações de serviços.
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Podemos defini-la como uma moeda completamente digital não regulamentada, na medida em que, a sua criação não é controlada por uma autoridade central, sendo que as transações podem ser efetuadas entre utilizadores sem necessidade de intermediários. Esta nova forma de pagamento é criada e gerida na rede "bitcoin" através de criptografia, sendo aceite pelos membros de uma comunidade virtual específica. Tal como as normais divisas, a "bitcoin" permite adquirir bens e serviços, não só virtuais mas também reais.

A expansão deste meio de pagamento deu origem à necessidade de se enquadrarem as operações sobre tal divisa. Enquanto meio de pagamento usado na compra e venda de bens e serviços, na medida em que funciona como contraprestação de operações tributáveis em IVA, a aplicação das normas deste imposto não oferece grandes dificuldades quando o preço seja definido em moeda dita oficial (euros ou outra), ou seja, possível apurar um contravalor para a "bitcoin".

Quando se progride para a existência de empresas que têm como objeto a compra e a venda de "bitcoin" em troca de divisas tradicionais, ou seja, reais operações de câmbio, surgem dificuldades de enquadramento em IVA. E foi para responder a essas dificuldades que foi produzido um Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no passado mês de outubro. Este acórdão foi emitido na sequência de um litígio entre a administração fiscal sueca, uma entidade que pretendia efetuar operações de câmbio de divisas tradicionais pela divisa virtual "bitcoin", e vice-versa.

Num primeiro ponto, veio qualificar-se as operações de câmbio, como prestações de serviços efetuadas a título oneroso, sendo que a contraprestação obtida corresponde à margem que a entidade obtém considerando, por um lado, o preço que paga para comprar as divisas e outro lado o preço pelo qual estas são vendidas aos seus clientes.

Deste modo, não há dúvida de que, tais operações de câmbio se tratam de operações tributáveis em IVA. Obviamente, quando sejam intervenientes entidades situadas em países diferentes haverá que determinar a localização das operações, para efeitos de tributação em IVA.

Outro aspeto equacionado neste Acórdão é quanto à aplicação de isenção do IVA. A Diretiva IVA prevê a aplicação de isenções neste imposto a determinadas operações financeiras, ainda que não sejam efetuadas por bancos ou outras entidades financeiras. A incerteza da inclusão desta operação nestas normas decorre da jurisprudência do TJUE entender que as isenções previstas na Diretiva IVA devem ser interpretadas de forma estrita, pois constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços ou transmissão de bens efetuada a título oneroso por um sujeito passivo.

Está aqui em causa a aplicação da isenção de IVA às operações, incluindo a negociação, que tenham por objeto divisas, notas bancárias e moedas. A dúvida a ser dirimida é se apenas estão aqui incluídas as operações relativas às divisas tradicionais, ou se também pode incidir sobre operações que implicam uma divisa virtual não regulamentada.

Concluiu-se que, face às diversas versões linguísticas da norma em apreciação, a sua interpretação teria se ter presente o contexto em que esta se insere e também quanto às finalidades e da sistemática geral da Diretiva IVA. Assim, atendeu-se, também, aos objetivos pelos quais se consagram as isenções nas operações financeiras.

Ora, tal como sucede com as divisas tradicionais, tais operações são financeiras, desde que tenham sido aceites pelas partes numa transação como meio de pagamento alternativo e não tenham uma finalidade que não seja a de servir como meio de pagamento. E isso verifica-se no caso desta moeda virtual, pelo que se conclui pela aplicação da isenção.

No caso de Portugal, a isenção referida está prevista no art.º 9º n.º 27 alínea d) do Código do IVA (CIVA), sendo aplicável a operações que sejam localizadas em território nacional (por via das regras do art.º 6º do CIVA). A isenção é igualmente aplicável nos outros Estados Membros, tendo em consideração a harmonização existente em IVA.

Tal como as demais isenções previstas neste art.9º, à não-liquidação de IVA nas operações ativas contrapõe-se também a inexistência de direito à dedução do IVA suportado, a montante, para a realização dessas operações.

Consultora da Ordem dos Contabilistas Certificados

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
07/12/15

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