08/11/2015

NOURIEL ROUBINI

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A política distópica da Europa

A recente vitória do partido conservador Lei e Justiça (PiS) na Polónia confirma uma tendência recente na Europa: a ascensão de um capitalismo de Estado anti-liberal, liderado por regimes populistas e autoritários de direita. 
Podemos chamar-lhes Putinomics na Rússia, Órbanomics na Hungria, Erdoganomics na Turquia ou uma década de Berlusconomics da qual Itália está ainda a recuperar. E é certo que em breve veremos a Kaczynskinomics na Polónia.
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Todos estes regimes são variações do mesmo tema discordante: um líder nacionalista chega ao poder quando o mal-estar económico dá lugar à estagnação crónica e secular. Esse líder autoritário democraticamente eleito começa então a restringir as liberdades políticas através de um rígido controlo dos meios de comunicação social, especialmente a televisão. Em seguida, esse líder (até aqui, tem sido sempre um homem, se bem que Marine Le Pen em França possa corresponder ao perfil se algum dia chegar ao poder) segue uma agenda de oposição à União Europeia (quando o país é um Estado-membro) ou a quaisquer outras instituições de governação supranacional.

Também se oporá ao livre comércio, à globalização, à imigração e ao investimento directo estrangeiro, ao mesmo tempo que defenderá as empresas e trabalhadores nacionais, particularmente as empresas públicas e as empresas privadas e grupos financeiros com ligações a quem está no poder. Nalguns casos, estes partidos abertamente nativistas e racistas apoiam este tipo de governo ou conferem-lhe um carácter ainda mais autoritário e anti-democrático.

É evidente que este tipo de forças não estão ainda no poder na maior parte dos países da Europa. Mas estão a ficar cada vez mais populares um pouco por todo o lado: a Frente Nacional de Le Pen em França, a Lia Norte de Matteo Salvini em Itália e o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) de Nigel Farage vêem o capitalismo de Estado anti-liberal da Rússia como um modelo e o seu presidente, Vladimir Putin, como um líder merecedor de admiração e emulação. Também na Alemanha, Holanda, Finlândia, Dinamarca, Áustria e Suécia a popularidade dos partidos populista de direita anti-UE e anti-imigração está em ascensão.

A maioria dos referidos partidos tende a ser socialmente conservador. No entanto, as suas políticas económicas – anti-mercado e baseadas no receio de que o capitalismo e a globalização corroam a identidade nacional e a soberania – têm muitos elementos em comum com os partidos populistas de esquerda, como o Syriza na Grécia (antes da capitulação perante os seus credores), o Podemos em Espanha e o Movimento Cinco Estrelas em Itália. Com efeito, tal como inúmeros simpatizantes dos partidos de extrema-esquerda nos anos de 1930 operaram um volte-face e acabaram a apoiar partidos autoritários de direita, também as ideologias económicas dos actuais partidos populistas parecem convergir de muitas formas.

Na década de 30, a estagnação económica e a Depressão conduziram à subida ao poder de Hitler na Alemanha, de Mussolini em Itália e de Franco em Espanha (entre outros regimes autoritários). O estilo actual dos dirigentes anti-liberais poderá não ser ainda tão politicamente virulento como o dos seus antecessores dos anos 30, mas o seu corporativismo económico e estilo autocrático são semelhantes.

O ressurgimento do populismo nacionalista e nativista não é de estranhar: a estagnação económica, o elevado desemprego, a crescente desigualdade e pobreza, a falta de oportunidades e os receios de que os migrantes e as minorias "lhes roubem" os empregos e os rendimentos deram força a estes movimentos. A violenta reacção contra a globalização – e contra a ainda maior livre circulação de bens, serviços, capital, trabalho e tecnologia daí decorrente – que surgiu agora em muitos países é também uma bênção para os demagogos anti-liberais.

Se o mal-estar económico se tornar crónico e se o emprego e os salários não aumentarem depressa, os partidos populistas poderão ficar ainda mais próximos do poder em mais países europeus. Pior ainda: a Zona Euro pode ficar de novo sob ameaça, com uma saída da Grécia a poder provocar um efeito dominó que acabaria por conduzir ao desmoronamento da união monetária. Ou a saída da UE por parte dos britânicos, que poderia desencadear uma desintegração europeia, com os riscos adicionais colocados pelo facto de alguns países (Reino Unido, Espanha e Bélgica) estarem em risco de eles próprios se desmembrarem.

Na década de 30, a Grande Depressão colocou no poder regimes autoritários na Europa e mesmo na Ásia, o que acabou por levar à Segunda Guerra Mundial. O actual ressurgimento de líderes e regimes de capitalismo de Estado anti-liberais não está próximo de instigar uma guerra, porque os governos de centro-direita e de centro-esquerda ainda são partidários da democracia liberal, de políticas económicas esclarecidas e de sistemas sólidos de bem-estar social na maioria dos países da Europa. No entanto, o misto tóxico de populismo que está a ganhar força pode abrir uma Caixa de Pandora, com consequências imprevisíveis.

Esta escalada da intolerância anti-liberal torna ainda mais vital o nosso dever de evitar um desmoronamento da Zona Euro ou da União Europeia. Mas, para que isso não aconteça, serão necessárias políticas económicas macro e estruturais para estimular a procura agregada, a criação de empregos e o crescimento, para reduzir a desigualdade de rendimentos e da riqueza, para providenciais oportunidades económicas aos jovens e para integrar – em vez de repelir – os refugiados e migrantes económicos. Só políticas audaciosas conseguirão impedir a Europa de escorregar para a estagnação secular e para o populismo nacionalista. A timidez constatada ao longo dos últimos cinco anos só contribuirá para aumentar os riscos.

A incapacidade de agir actualmente de forma decisiva conduzirá decididamente ao fracasso do Estado pacífico, integrado, globalizado e supranacional que é a União Europeia, e levará à ascensão dos regimes nacionalistas distópicos. Obras literárias como '1984', de George Orwell, ou 'Admirável Mundo Novo', de Aldous Huxley, ou ainda 'Submissão', que é o último romance de Michel Houellebecq, já evocaram este tipo de cenários. Esperemos que se mantenham confinados a páginas impressas.

* "Chairman" da Roubini Global Economics e professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
03/11/15


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