16/11/2015

MIGUEL CARVALHO

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Pedro Arroja, 
o ultraliberal “esganiçado”

É pela Monarquia Absoluta. Admira Salazar, mas votou MDP/CDE nas primeiras eleições livres. Defende a compra de votos e “uma democracia sem partidos”. É a favor da liberalização do comércio das drogas e já quis privatizar os rios. Se os ricos governassem, diz, “não havia corrupção”. Quem é o economista que se atirou às “esganiçadas” do BE?

Chegou tarde a Deus, com passeios a Fátima incluídos. Mais rápido chegou à imagem de ultraliberal “esganiçado”, parafraseando a expressão que colou, na versão plural, às deputadas do Bloco num comentário no Porto Canal. Subversivo e excêntrico, sempre ultrapassando as convenções pela direita, o economista Pedro Arroja, 61 anos (Lisboa, 1954) não é, apesar de tudo, de fácil catalogação. Se, por um lado, já lhe chamaram “skinhead do liberalismo” e “parvenu do reacionarismo monetarista” pelo radicalismo das ideias económicas, também já o viram e ouviram criticar os neoconservadores americanos, contestar a moeda única, defender a liberalização e comércio das drogas e insurgir-se contra a administração fiscal autoritária, que, assinalou, nem sequer poupa as casas das famílias endividadas. Um e-mail endereçado ao antigo diretor-geral dos Impostos, Paulo Macedo, valeu-lhe uma queixa-crime. O economista acusava a máquina fiscal de perseguir os cidadãos e de ser gerida por “canalhas”.

Há algum tempo que o gestor de ativos e patrimónios desaparecera da ribalta, mas na última terça, 10 (dia da queda do Governo PSD/CDS), comentou as incidências políticas no Porto Canal e voltou ao estilo que se lhe conhece. "Repare, aquelas esganiçadas, sempre contra alguém ou contra alguma coisa"; afirmou, referindo-se às deputadas do Bloco. E prosseguiu: "Aqui entre nós que ninguém nos ouve, eu não queria nenhuma daquelas mulheres - já tenho pensado - eu não queria nenhuma daquelas mulheres, nem dada. Nem dada! Porquê? Porque eu não conseguiria com elas, com uma delas, com uma mulher assim, construir uma comunidade, uma família. Elas estão sempre contra alguém ou contra alguma coisa. E lá em casa só havia dois tipos de pessoas, ou os filhos, ou o marido. O mais provável é que elas se pusessem contra o marido. Todas as noites, todos os dias, durante o dia no Parlamento, à noite com o marido: 'Porque tu é que tens a culpa disto!'. Com o tempo ia-me pôr fora de casa... e eu saía! E eu saía! E estou a imaginar o sentimento de alívio que sentiria nesse dia. 'Estou livre! Estou livre dela!'”, concluiu, tendo gerado reações indignadas nas redes sociais. O BE exigiu, entretanto, um “pedido de desculpas” ao canal de televisão.
À VISÃO, o economista mandou dizer que dá o assunto por encerrado.

“Quero lá saber que não me levem a sério”
Costuma fazer orelhas moucas ao que dizem dele. E não dá importância às catalogações. “Desde que esteja convencido, que tenha lido e estudado”, para ele está tudo bem, defendeu-se, na Sábado.

Despreza, por isso, os antigos colegas da Faculdade de Economia do Porto que, segundo ele, escolheram sempre a “carreira política” ao invés das ideias.
E quais são as suas, de forma geral?

Pedro Arroja é um devoto da Monarquia Absoluta, o regime que, segundo ele, melhor respeita “a tradição portuguesa”. Em 200 anos, só reconhece um estadista acima da média: António de Oliveira Salazar. Em ditadura, “Portugal viveu um modelo de governação absolutamente excecional”, escreveu na Vida Económica. Podíamos, pois, presumir que, nele, não abunda grande consideração pela democracia. Mas é o próprio quem atalha: “Já vivemos várias vezes em democracia e acabou sempre mal”, referiu à VISÃO, em 2007. “O Portugal de Salazar, a Espanha de Franco e o Chile de Pinochet foram exemplos de milagres económicos”, sustentou, na mesma entrevista, com uma ressalva: não defende déspotas nem gostava, claro, de ser morto a tiro. Apenas crê ser a opção autoritária a que melhor se adapta à cultura nacional. “O País prosperou sempre mais com regimes de autoridade”, insistiu.

O desencanto com a democracia começou às primeiras luzes do “dia inicial inteiro e limpo” de que falava Sophia. Nas primeiras eleições livres, ainda votou no MDP/CDE, de esquerda. “Grande erro, grande asneira”. Arrependeu-se. Nunca mais votou. Pelo menos, nas Legislativas. Só umas vezes, poucas, nas autárquicas e para a Presidência da República. E já que vem a talhe de foice, Cavaco Silva foi um dos que mais o desiludiu: “Deixou de ser fiel à verdade”, reconheceu ao Expresso.
A democracia entusiasma-o enquanto “invenção cristã” e “questão de fé”. Mas por aí se fica. “O Papa é eleito democraticamente, mas não por sufrágio universal. Imagine que o Papa era eleito pelo povo.

Já tinha aparecido um demagogo que, em troca dos votos, oferecia viagens ao céu para almoçar com Deus. Já não existia Papa”, ironizou. O direito a voto, defendeu, só devia ser dado numa fase adiantada da vida. “Abaixo dos 35, 40 anos, ninguém. Como é que uma pessoa, aos 18, que nunca governou uma casa, que vive à custa dos pais, a quem os pais não reconhecem, qualquer validade de opinião para dar um conselho acerca de como se governa uma casa, que não tem experiência de nada, vai participar na governação de um País?”, questionou, nas páginas da VISÃO, justificando: "Convém que saiba o que é subir e o que é mandar. Não acredito neste sistema que põe a gaiatada a votar”. Eleger e ser eleito é, para Arroja, uma aptidão indissociável de uma maturidade...trintona.

“Não deixaria ocupar lugares públicos de decisão a ninguém com menos de 35, 40 anos”. Ainda assim, preferia uma “democracia sem partidos”, resultantes, segundo disse à RTP, “de uma evolução laica das seitas protestantes que visam dividir as comunidades”. E quanto aos votos, melhor mesmo era transacioná-los: “Quem objeta a que os ricos não governem só tem de vender o seu voto (...) A maior parte dos que protestam, vendiam”, crê. Para Arroja, não há dúvidas: “Se os ricos mandassem, não havia corrupção”, afirmou à Sábado. Dito isto, a democracia só é viável em países tipo Suécia e Alemanha, onde existe “uma cultura de massas” e “é fácil chegar a consensos”. Sobra a ironia: “Para que a democracia – que é o governo do povo – funcione é preciso, em primeiro lugar, acabar com o povo (e substituí-lo por uma massa, tornando todos iguais”.

As ideias do economista que trabalha numa vivenda virada ao mar, na Foz do Douro, não fizeram propriamente escola, apesar das ondas. Nem os palcos mediáticos – Expresso, DN, entre outros – lhe trouxeram uma legião de admiradores. Pelo contrário: Arroja chegou mesmo a colecionar resmas de cartas anónimas, pouco meigas, que recebia a pretexto das suas opiniões. Em décadas, ele já defendeu a privatização da maioria dos setores do Estado, dos tribunais, dos ministérios, dos rios (no contexto da poluição do Ave) e até do ar (à boleia da “solução dos cupões de poluição”). É contra a moeda única e acusou a democracia de ter destruído “a autoridade natural”, ora porque, dantes, “o professor podia pregar dois tabefes ao aluno” e, “agora, o aluno ganhou a autoridade de pregar dois tabefes ao professor”. Na visão deste economista, médicos, juízes, padres e chefes de família perderam, pois, estatuto e dignidade. “E cabelos brancos”, já agora. Arroja, filho de um contabilista e de uma modista, é contra subsídios de qualquer espécie. Para ele, Portugal vive da “cunha” e sobreviveria melhor sem IRS ou IRC, mantendo um único imposto, o IVA. Se somos um País em crise por natureza isso é “culpa” da costela feminina. “A cultura de mulher torna-nos grandes gastadores”, acredita. Descontado o pecado original, a elas deve estar reservado “o modelo tradicional” da família católica. “A função prioritária da mulher é cuidar dos filhos e, pelo menos, enquanto eles são pequenos, só ocasionalmente ela trabalha fora de casa. Compete ao homem auferir o rendimento que permita sustentar a família. O dinheiro ganho pelo homem é depois entregue à mulher para que ela possa satisfazer as necessidades da família”, proclama o tradicionalista – neste caso, claro – Arroja. É para levar a sério? “Eu quero lá saber que não me levem sério (...) Não me quero eleger para nada, não preciso de agradar à opinião pública ou aos políticos”. Disse. A bem da nação, presume-se.

IN "VISÃO"
13/11/15

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