07/11/2015

MANUELA HASSE

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«As Mulheres e o Futebol 
– O Erro de Mourinho»

Assisti, no último fim de semana, aos momentos selecionados pela televisão inglesa BBC, programa Match of the Day Two, do jogo West Ham - Chelsea. Este facto acentuou uma preocupação que não me larga e que me levou, há dois ou três dias, a escrever no Facebook, naquele ponto onde nos pergunta: ‘Em que é que está a pensar?’, aquilo em que, justamente, ando a pensar: ’Quem anda a tramar o Mourinho?’.

No dia seguinte, encontrei uma única resposta, vinda de Angola, do meu aluno Genivaldo Dias que escrevia: ‘O Tempo, pois tá claro!’. Fiquei a pensar e, logo que sobrou um pouco de tempo, acabei por partilhar a minha preocupação, e escrevi: Boa tarde, amigo Genivaldo. O tempo, a experiência de José Mourinho, permitem-lhe estar no auge da sua atividade como treinador. O Nº1. Ou permitiriam estar no auge. Vencer o campeonato inglês num ano e ficar totalmente à deriva, no ano seguinte, não é normal. Diante dessa situação, e conhecendo a dedicação total desse homem ao seu trabalho, é de questionar o que se passa. Tanto mais que, obviamente, José Mourinho não está a conseguir encontrar a forma certa de lidar publicamente com uma situação que lhe está a criar sérias dificuldades e a demolição da sua imagem de ser o melhor treinador do mundo.

Ou seja, uma situação que, NÃO SEJAMOS INGÉNUOS, não terá deixado de criar inveja por todo o lado. SENDO ASSIM, E DIANTE DO ESPECTÁCULO DOLOROSO DE VER UM HOMEM QUE É UM PROFISIONAL EXEMPLAR (TAL COMO CRISTIANO RONALDO) a ser submetido a esta situação invulgar no seu currículo, só posso perguntar, como será legítimo, ‘quem anda a tramar JM, ou Mou?’, como carinhosamente o chamam os ingleses. E aqui entra outro aspecto. Mourinho sempre confiou nos seus jogadores, nas suas equipas técnicas. Será daí que vem ‘a trama’? Daqueles em quem ele depositou, como homem honrado, a sua confiança? Alguém anda a minar a sua credibilidade. Esta é que é a questão. Nem em toda a minha vida eu vou ganhar uma décima do que ganha justamente o JM. Nem por isso posso deixar de pensar: ’quem anda a tramar o rapaz?’.

Como não largo a pergunta, ou a pergunta não me larga a mim, pois não consigo compreender, tenho andado, por um lado, a ouvir bons conselhos, ‘não te preocupes, o Mourinho já ganhou milhões e se o despedirem vai ganhar mais 50 milhões de libras’, o que não altera nada. Por outro, tenho interrogado alguns especialistas do fenómeno futebol, em especial entre os meus ex-alunos, e encontrei um deles, cuja opinião sempre respeitei, a quem expliquei a minha preocupação e o facto de não compreender o que se passa, desde os resultados ao próprio comportamento do Mourinho que cada vez mais, parece-me, se enterra mais. Esse ex-aluno começou por me dizer que não sabia. E sorria diante da minha preocupação. Eu explicava, que não entendia e que sofria com o assunto. Então o meu ex-aluno continuou, e disse-me que desde que o Mourinho invetivou ferozmente a massagista, as coisas tinham começado a correr mal. A médica, corrigi eu. Sim, a massagista, médica, centro de apoio dos jogadores, elemento mais do que importante da equipa. O Mourinho cometeu um erro. E encolhia os ombros, e sorria. Agora, os jogadores, manifestavam-se de forma negativa, e quando os jogadores começam a ser expulsos isso era sinal de que algo não estava a correr bem, certamente nos bastidores. Aí, eu comecei a entender um pouco melhor. Agradeci, e segui caminho para as aulas. O problema é que eu não estava completamente esclarecida. Continuei a pensar no assunto.

Pelas palavras do especialista consultado, o seu encolher de ombros, e o seu sorriso, era claro que ‘a massagista’ era mais do que isso. Médica, naturalmente. Entravasse aí naquela área do não dito, dos entendidos em matérias de homens e, em particular, de futebol. Dormi sobre o assunto. O tempo, de Genivaldo, trabalhava a favor de uma compreensão mais profunda das coisas. Na verdade, ao atacar a senhora que havia corrido para o campo sem receber sinal prévio para o fazer, a indicação que Mourinho deu, aos seus jogadores, foi a de que o jogo e o seu resultado era mais importante do que a integridade física dos jogadores. Entre os profissionais de qualquer atividade, existem códigos. O respeito por cada um, e a defesa de cada um, são regras fundamentais da vida em comum, do respeito comum. Em especial, num desporto que, segundo o meu colega Jorge Castelo, não é desporto, é espetáculo. Um espetáculo que é insaciável de vitórias, de vencedores, de prémios e de milhões de benefícios. Mourinho é conhecido por estar sempre do lado dos jogadores. De chamar sobre si a pressão dos órgãos de comunicação, de desviar as pressões dos jogadores para si mesmo e, desse modo, contribuir para libertar os jogadores dessa pressão desgastante e prejudicial ao seu desempenho e rendimento. Ao atacar a senhora, Mourinho transgredia esse código e isso, no mundo dos homens, paga-se. Logo por azar, o médico, neste caso, era uma mulher e, portanto, no mundo feroz, masculino e machista do futebol, a senhora, que até aí havia sido a médica da equipa, passava imediatamente a ser ‘a massagista’ e outras coisas mais das quais os jogadores dependiam e não podiam viver sem elas, e sem ela.

Há alguns anos atrás, um respeitado colega sociólogo, Ivan Waddington, da Universidade de Leicester, Inglaterra, onde dirigia o Centro de Estudos de Sociologia do Desporto, após demorada investigação sobre as lesões no desporto, viu o seu centro de estudos ser encerrado depois de, na televisão, ter dado a conhecer o resultado dos seus estudos, nos quais apresentava as conclusões de que os jogadores de futebol e não só, diante dos valores que haviam sido pagos pelos clubes, e os vencimentos que auferiam, eram submetidos a exigências dos clubes que impediam a recuperação plena de lesões feitas no decurso de jogos, ou de treinos, sendo muitas vezes negligenciados pelos próprios médicos que, ao serviço dos clubes mais do que dos jogadores, não hesitavam em submetê-los à aplicação de medicamentos de efeitos rápidos para superarem as dores e a jogarem, ainda que a recuperação das lesões estivesse longe de estar assegurada. Esta é uma realidade que os jogadores conhecem na pele. Não precisam de conhecer os estudos dos académicos. Essa é uma preocupação fulcral dos profissionais que precisam, em primeiro lugar, de manter a sua plena integridade física e mental. E, em segundo lugar, confiar no treinador. Foi essa confiança, em meu entender, que Mourinho quebrou.

No programa referido, Match of the Day Two, apresentado por Gary Lineker, os comentadores afirmavam, diante das imagens do jogo e de um Mourinho incapaz de ser racional e objetivo face às decisões acertadas da equipa de arbitragem, que lhes custava ver Mourinho naquela situação, que todos gostavam do Mourinho, mas que havia um sério problema de disciplina no Chelsea. Mourinho tinha de o resolver. Na linguagem técnica do futebol, existe um problema de disciplina na equipa do Chelsea. Na linguagem da minha formação, existe um profundo problema de confiança. No centro, uma mulher.

Professora Associada (c/ag.) da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa

IN "A BOLA"
01/11/15


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