20/11/2015

LUÍS OSÓRIO

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Costa não é um ‘bonzinho’

O egocentrismo e o ressentimento fazem parte do menu político de Cavaco Silva. Ao longo dos anos vimos como abandonou pessoas do seu partido (Fernando Nogueira); como tentou condicionar o futuro (tentando excluir Marcelo dos seus sucessores); como se esqueceu de Saramago quando conquistou o Nobel ou na sua morte (preferindo que o seu estado de alma fosse mais importante do que o cargo que ocupava). Cavaco é um dos mais bem-sucedidos políticos portugueses. Nunca ninguém antes ganhara com maiorias absolutas; tem a legitimidade de corporizar um Portugal conservador nos costumes, amante da autoridade e das boas contas, adepto dos que se fazem a si mesmo.

O que quero dizer com esta introdução? Que continuo a desconfiar metodicamente que o Presidente dê posse a António Costa. Se não o fizer é certo que mergulhará Portugal num tempo explosivo. O país ficará parado, haverá greves, tumultos e achaques. Mas Cavaco tem pouca margem de manobra. Como ele próprio disse, a última palavra pertenceria sempre ao Parlamento. Logo, tudo o que não seja dar posse ao PS será contraditório com o que jurou defender. Mesmo que os acordos não sejam seguros (como previ a semana passada), mesmo que lhe pareça uma solução de múltiplos riscos, mesmo que lhe surja como moralmente ilegítima, não tem justificação plausível para recusar indigitar Costa. Veremos se o faz, não o tomo como certo.

O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda estão em posições diferentes. A uni-los está a vontade de contribuir para a queda de Passos e a impossibilidade de assinarem um acordo para quatro anos com o PS. De resto, nada os une. Ao PCP interessa que o governo PS possa durar uma legislatura, ao Bloco interessa o contrário. Se os comunistas conseguirem aguentar firmes no apoio a Costa, somam ao seu eleitorado fixo gente para quem o PCP deixa de ser um partido que ‘mete medo’. Já ao BE interessa que o PS meta água. Se Costa durar quatro anos, não há nenhuma razão para que as pessoas deixem de votar PS para votar Bloco. O eleitorado do PC é seguro, o do BE não o é.

Passos terá de esperar que tudo corra mal. Ou que Cavaco não dê posse a Costa (o que não seria necessariamente uma boa notícia para si). O que é correr mal? É Bruxelas pressionar, as agências de notação baixarem os rankings e os acordos à esquerda não resistirem à primeira revoada de vento. Se tudo correr mal, as pessoas na rua dirão então que Costa é ilegítimo, haverá novas eleições e Passos ganhará com maioria absoluta. Mas se tudo correr bem a Costa o PSD implodirá e Passos terá de esperar que o país o volte a chamar. Já a posição de Paulo Portas é mais difícil. Mesmo no pior cenário para o governo de esquerda, o PSD profundo perguntará: se conseguimos ter uma maioria absoluta sozinhos qual a razão para continuar a partilhar o poder com Portas?

Quanto ao secretário-geral do PS prepara-se para ser primeiro-ministro numa magistral jogada política. Um dia perguntei-lhe se via algum paralelismo entre si e Frank Underwood, personagem da série House of Cards. Disse-me que não, que a política não podia ter esse grau de perversidade. Tenho de António Costa muito melhor impressão do que de Underwood, mas a sua incrível jogada política fez-me voltar à pergunta e à sua resposta. Virou o tabuleiro e passou a ditar as regras. Deu a provar a Cavaco o seu próprio veneno, atropelou a coligação de direita, fez orelhas moucas à moral e aos bons costumes, mandou eleger Ferro Rodrigues contra as convenções e prepara-se para um cheque mate - mesmo que Cavaco não lhe dê posse sairá sempre com mais do que na noite em que todos o davam como derrotado.

António Costa não é um ‘bonzinho’. Dividiu o país ao meio e não vacilou um segundo que fosse. Decidiu que agora é matar ou morrer. Não quero perder o próximo episódio.


IN "SOL"
17/11/15

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